Recuperando, com ironia, uma imagem utilizada por Pinto Monteiro (seu antecessor) para justificar a alegada falta de poderes do PGR, Joana Marques Vidal precisou aos jornalistas no final da conferência "Como Combater a Corrupção sem Autonomia" que essa comparação tinha a ver com as alterações ao Estatuto do MP apresentadas pelos grupos parlamentares e não com a proposta do Governo, com a qual em linhas gerais concorda.
Numa sessão realizada em Lisboa, em que criticou as propostas avançadas pelo PSD e PS, Joana Marques Vidal adiantou que caso todas as alterações fossem efetivamente levadas à letra da lei, estariam a retirar o poder ao PGR de propor a nomeação dos cargos dirigentes dos departamentos de investigação criminal, incluindo do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que trata dos processos ligados à corrupção e restante criminalidade económico-financeira mais grave e complexa.
A ex-PGR alertou que tais propostas levariam a uma transferência de competências nessa matéria do PGR para o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), "confundindo competências que tem que ser necessariamente separadas".
Joana Marques Vidal falava pouco antes das propostas de alteração à composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) feitas pelo PS e pelo PSD terem sido chumbadas em sede de comissão parlamentar, sendo aprovada a proposta do Governo.
No entender de Joana Marques Vidal, o PGR tem de continuar a ser o responsável pela direção da atividade funcional e hierárquica do Ministério Público (MP) e o CSMP responsável pela avaliação de mérito, pelo poder disciplinar e pela gestão de quadros (colocação de magistrados mediante regras).
"Qualquer proposta que altere este equilíbrio de poderes e confunda as competências de certa forma põe em causa um modelo que é um modelo de equilíbrio de poderes", declarou Joana Marques Vidal, notando que as propostas parlamentares levariam a um "desequilíbrio", afetando o funcionamento interno do MP.
A ex-PGR acrescentou que "mais grave do que isso" seria o facto de tais propostas parlamentares permitirem a "possibilidade de uma eventual interferência do poder político naquilo que é a gestão processual e a atividade do MP, pondo em causa a autonomia [do MP]", e, dessa forma, também a independência dos tribunais.
Tudo somado, concluiu, poria em causa o "princípio da separação de poderes num Estado de Direito Democrático".
Joana Marques Vidal admitiu, em contrapartida, que a proposta de aditamento que o PS apresentou na terça-feira terá resolvido na generalidade a questão do paralelismo entre a magistratura judicial e do MP, designadamente em matéria remuneratória, mas vincou que o paralelismo não se resume às questões salariais, pois tem também a ver com autonomia e independência.
A ex-PGR considerou que só a proposta do grupo parlamentar PCP assegura a autonomia financeira do MP, indo mais longe do que a própria proposta do Governo que prevê a autonomia financeira da Procuradoria-Geral da República.
Um dia após a divulgação do relatório do GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção) que coloca Portugal entre os países com menor taxa de implementação de medidas anticorrupção, Joana Marques Vidal aproveitou para lembrar que este órgão do Conselho da Europa recomenda há anos que seja atribuída autonomia financeira ao MP, tarefa ainda por realizar no caso português.
"É preciso uma visão sistémica e integrada da autonomia do MP", defendeu, na conferência, a ex-PGR.
No encontro, com a presença de centenas de magistrados do MP que hoje estiveram em greve, intervieram ainda o diretor do DCIAP, Albano Pinto, e os jornalistas Eduardo Dâmaso e João Miguel Tavares.
Albano Pinto, que iniciou funções há cinco meses no DCIAP, considerou que a proposta parlamentar do PS coloca em causa a autonomia do DCIAP, retirando-lhe capacidade operacional e controlo de meios humanos e técnicos.
"Se querem efetivamente combater a corrupção e o branqueamento de capitais, seria útil e importante atribuir ao DCIAP essa autonomia financeira", enfatizou.
O diretor do DCIAP criticou também o artigo da proposta do PS sobre "dever de colaboração" que impõe que o MP para aceder a documentação e a informações de entidades públicas tenha que justificar o motivo, o que na prática levaria a que se soubesse o que estava a ser investigado e contra quem.
"o MP não requisita documentos por requisitar, fá-lo em nome da lei", vincou num debate em que o jornalista Eduardo Dâmaso apontou a falta gritante de meios humanos na Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária, uma polícia cuja colaboração é fundamental para o MP na investigação da corrupção e da grande criminalidade económico-financeira.
(Notícia atualizada às 22:01)
Comentários