Em entrevista à Lusa, por ocasião da apresentação do relatório da Comissão Independente para a Descentralização, que defendeu a criação de regiões administrativas em Portugal, o presidente, João Cravinho, considerou como princípios fundamentais da administração das futuras regiões que tenham “uma digitalização profunda”, transparência - em relação ao currículo dos dirigentes, mas também da própria organização – e cuidado com a corrupção.
“Nós tomámos isso muito a sério e propomos um sistema de prevenção da corrupção, obrigatório por lei, levando à adoção de uma norma internacional que acaba de sair de prevenção da corrupção com obrigação da certificação dos serviços”, disse.
Esta obrigação garante que as normas estão bem preparadas e funcionam e, “sobretudo, garante a fiscalização contínua se de facto as coisas estão a ser cumpridas ou não”, disse, sublinhando que em Portugal há mais de 700 planos de prevenção da corrupção, mas ninguém garante a qualidade e a eficácia desses planos, nem existem sanções para o incumprimento.
Além de um mecanismo de fiscalização periódica e independente de quem lidera, e sancionamento pelo não cumprimento, o sistema proposto prevê a abertura de “um inquérito à responsabilidade dos dirigentes na execução, na manutenção, na normal gestão do próprio plano de prevenção”.
“É preciso dizer se houve ou não houve uma falha na gestão do plano de prevenção, quem é o responsável por essa falha e que consequências é que essa falha teve. E tirar responsabilidades”, sublinhou.
Cravinho salientou que o problema não é exclusivo da possível criação de regiões administrativas, “mas é geral”, que vem “da cultura” e da “história das pessoas”, e é muito visível na administração local.
“Um país com esta história tem de aprender com ela e tem de dizer que o país precisa de ter legislação deste tipo, de resolver exemplarmente situações de tal tipo. Uma vez que existe essa cultura histórica ainda muito difusa, tem de ter planos concretos para enfrentar as consequências. Não pode dizer ‘é a vida’”, considerou.
O responsável disse ainda ter dúvidas sobre regras acerca das relações familiares que apenas permitem a “tipos sem filhos, viúvos e que são filhos de pais incógnitos” serem membros do Governo.
“Eu não estou a dizer que as regras sobre isso são boas. Tenho muitas dúvidas se, por hipótese, o meu pai há 40 anos é industrial, se eu, de repente, for nomeado, o meu pai fica proibido de fazer o que sempre fez durante 40 anos com o Estado, de maneira legal, sem a menor intervenção minha. Este assunto tem de ser estudado”, considerou.
“Esta situação pode criar uma situação de ilícito e de corrupção. Pode. Mas então não vou dizer que criou. Vou dizer que vou fazer a verificação das coisas que efetivamente levam ao indício do ilícito. Parece-me que isto é o normal”, acrescentou.
O antigo governante salientou que conhece “muita gente na função pública e muita gente na política que nunca lhes entrou o pó de um cêntimo no bolso”.
“São muitos e é gente de uma integridade pessoal. Agora a questão é outra. O grande problema português é a captura do Estado e a captura do Estado não é uma coisa que se veja na montra, nem é uma coisa que seja paga com dinheiro, ou com benefícios materiais diretos. Eu, se quiser fazer uma carreira política (…), vou ficar nesta zona de acesso ao poder ou de interesses, vou-me comportar de modo a que na minha responsabilidade pessoal, política, vou subindo, ou na minha responsabilidade profissional vou fazendo sempre um jeito, moderadamente, e eles logo hão de tratar da minha vida”, acrescentou.
“O grande problema hoje da corrupção é o problema da captura do poder, a submissão de certos segmentos do poder, por razões as mais variadas e das maneiras mais variadas a certos interesses. Esse é que é o grande problema. E que nós temos tido e continuamos a ter a maior responsabilidade em lidar”, afirmou.
A Comissão foi criada em 2018 na dependência da Assembleia da República para “promover um estudo aprofundado sobre a organização e funções do Estado aos níveis regional, metropolitano e intermunicipal” em Portugal continental e centrou a sua análise “nos níveis compreendidos entre a administração central e os municípios e freguesias”.
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