João, com 95 por cento de incapacidade e em cadeira de rodas, foi uma das mais de 100 pessoas, a maioria também em cadeiras de rodas, que hoje desfilaram nesta avenida lisboeta para chamar a atenção para a vida independente e os direitos das pessoas com deficiência e das suas famílias.

“Estava aqui a pensar (…) no facto de estarmos a fazer isto na Avenida de Liberdade. Isto também é uma luta pela liberdade”, realçou o programador informático, que veio da Figueira da Foz acompanhado pelo pai e pelo irmão.

“É curioso estarmos em 2018 e ainda estarmos a lutar pelos direitos humanos, porque é isso que estamos a falar”, prosseguiu.

A marcha de hoje foi o culminar de uma vigília de três dias, iniciada na quarta-feira, que pretendeu reivindicar, entre outros aspetos, um reforço do orçamento para a constituição de Centros de Apoio à Vida Independente (CAVI).

Em entrevista à agência Lusa, divulgada na sexta-feira, a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, assumiu que “sempre foi claro” que os CAVI seriam projetos piloto e que não chegariam a todas as pessoas.

Entre as outras reivindicações do protesto, segundo a organização autónoma Centro de Vida Independente, estão as acessibilidades, políticas de acesso a uma escola “realmente inclusiva”, políticas de promoção de empregabilidade, “que não existem”, apoios para as famílias, além de uma” política justa de atribuição de ajudas técnicas”.

João Rodrigues, tetraplégico, não conseguiu vir nos outros dias do protesto, “porque não tinha o apoio necessário” para fazer a viagem entre a Figueira da Foz e Lisboa, mas acompanhou sempre e envolveu-se “o mais possível” na iniciativa organizada pelo Centro de Vida Independente.

Hoje, dia em que é assinalado o Dia Europeu da Vida Independente e em que contou com a ajuda “sempre fundamental” da família, João não faltou e fez questão de frisar que é a sua “estreia” em protestos.

“Nunca pensei participar em marchas”, confessou, salientando estar hoje em Lisboa a lutar pelos seus direitos, mas também a representar os outros que (como ele nas outras ocasiões) não tiveram possibilidade de estar presentes.

É o caso de uma amiga, identificada como Cristina, cuja justificação pela ausência o figueirense traz num pequeno cartaz preso na t-shirt.

“A Cristina não pode estar aqui, mas lutamos pelos direitos dela!”, podia ler-se no cartaz.

Ao longo do percurso da marcha, a conversa com João é por vezes interrompida por várias frases de ordem como “Temos que lutar para não viver num lar”, “Assistência, trabalho e independência”, “Assistência pessoal em Portugal” ou “Não somos cidadãos de segunda”.

A acompanhar a marcha estão também duas grandes faixas que exibem as frases “Viver não é só respirar” e “Vida independente. Decidimos as nossas vidas”.

A conversa é retomada e João Rodrigues dá continuidade aos assuntos focados pelas frases de ordem, frisando a importância “fundamental” de ter uma assistência pessoal e técnica no seu quotidiano e em tarefas encaradas pela maioria das pessoas como banais, como comer, ir à casa de banho, andar em transportes públicos, ir ao cinema ou ser atendido em serviços públicos.

“Felizmente tenho uma rede familiar (…). Mas por vezes não é possível, por questões de trabalho ou questões de saúde (…). É diferente ter o apoio de uma pessoa que está a ser remunerada e com conhecimentos técnicos. As famílias fazem por amor e aprendem com a experiência”, diz o programador informático que trabalha a partir de casa e que durante um período da sua vida (entre 1989 e 2007) viveu no Luxemburgo.

Durante esse período, João chegou a frequentar uma escola dita “normal” onde era apoiado por um assistente suportado pelo Estado luxemburguês. Regressado a Portugal, ingressou na Universidade Aberta onde fez uma licenciatura e um mestrado, “tudo a partir de casa”, e começou a trabalhar em 2014.

João Rodrigues acredita que a luta pela independência das pessoas com deficiência passa também pelas pessoas sem deficiência, confessando que gostaria de ter visto mais pessoas na marcha de hoje, a par dos vários familiares e amigos presentes.

“Era importante que esta causa ganhasse alguma simpatia, empatia pelas pessoas”, disse o programador informático que tem tentado mostrar, através de uma página na rede social Facebook intitulada “O Deficientezinho”, que a deficiência pode ser encarada com humor e ironia.

A par do humor, na página, que no futuro pode evoluir para um blogue, partilha conteúdos informativos, eventos e informações úteis.

Uma hora depois do início do protesto, a marcha chegou ao Rossio e o grupo de ativistas concentrou-se para proferir pequenas intervenções e partilhar as suas experiências pessoais. O figueirense João Rodrigues já tinha partilhado a sua.