Defende a saída de Portugal do euro, mas não imediatamente. É que no mundo há apenas 12 países que cresceram menos do que Portugal nos últimos 20 anos - uma boa parte por serem micro ou estarem em guerra. Na União Europeia, apenas a Grécia e a Itália estão na mesma situação, e o PCP culpa a adesão à moeda única. E as orientações europeias.
João Ferreira, biólogo, cabeça-de-lista do PCP, propõe uma União Europeia diferente e quer vencer por dentro um parlamento maioritariamente de direita. Para o eurodeputado comunista, os esforços centram-se na defesa dos sectores produtivos nacionais - agricultura, indústria e pescas - e nas áreas sociais. E, num sentido de equidade, acredita que os salários dos deputados europeus devem ter um vínculo com realidade de cada país.
O mês passado lançou o livro “A União Europeia não é a Europa - Portugal e a Integração Europeia" , que reúne artigos escritos por si ao longo dos últimos dez anos sobre temas europeus e sobre Portugal. E chama a atenção para um facto: “Se entram em Portugal 10 milhões de euros por dia em fundos europeus, saem todos os dias 20 milhões em juros da dívida”.
Chegou a Estrasburgo mais tarde do que o previsto por culpa do caos criado pela greve dos motoristas de matérias perigosas, que “estão a deixar os aeroportos sem combustível”. E no dia em que foi publicada a primeira notícia sobre a ameaça de demissão do governo de António Costa por causa dos professores [Rádio Renascença, 16 de Abril], naquilo que mais tarde muitos consideraram um golpe orquestrado pelo PS e PCP.
Já viu as notícias? O primeiro-ministro ameaça demitir-se por causa dos professores. A coligação sabe disto?
Não há coligação nenhuma. As pessoas repetem isso até à exaustão, mas uma mentira repetida mil vezes não se torna verdade. Houve uma coligação na legislatura anterior, o PSD e o CDS tinham uma coligação de governo.
Chamemos-lhe acordo, então.
Nem sequer há um acordo. Não há nenhum documento, nenhum acordo, entre os três partidos [da geringonça]. O que há, tanto quanto sei e é público, é uma posição conjunta entre o PCP e o PS, outra entre o Bloco de Esquerda e o PS e outra entre o PS e Os Verdes, não há nenhum acordo a três. E numa parte identificam-se medidas para se implementarem relativamente às quais há concordância, na outra parte identificam-se objetivos que, embora reúnam concordância em termos gerais, não reúnem concordância nas medidas a aplicar para alcançar esses objetivos. E depois há outra parte que diz que há um compromisso comum de examinar cada um dos orçamentos de Estado. Não é um acordo, é uma posição conjunta, um papel…
Até podia ser um aperto de mão. É um acordo, ou não?
Sim, mas é preciso ler o conteúdo. Diz-se que há um acordo, que as partes estão de acordo, relativamente a: repor os feriados que tinham sido retirados, reduzir o horário de trabalho na função pública para 35 horas, acabar com os cortes nos salários, acabar com a sobretaxa no IRS, reduzir as taxas moderadoras na saúde, garantir a gratuitidade nos manuais escolares durante ensino obrigatório, contratar mais professores, contratar mais médicos e enfermeiros… Está lá tudo. Segunda parte: há acordo nos objetivos, mas não há acordo nas medidas em concreto. Por exemplo, aumentar o salário mínimo nacional: o PCP acha que deve aumentar mais, o PS acha que deve aumentar menos. No fim, as duas partes comprometem-se a examinar conjuntamente e trabalhar nas propostas de um orçamento de Estado. Não há nenhum compromisso - alguns quiseram que houvesse -, nunca houve. O PCP sempre disse, e foi como ficou no documento final, não se podia comprometer com uma coisa sem saber antemão o que lá vem. Esta é uma situação peculiar, mas não é uma coligação.
Voltando à ameaça de demissão de António Costa: o primeiro-ministro demite-se ou não? E, a demitir-se, isso é bom ou mau, nesta altura?
Nem sei exatamente o que ele disse, estou agora a ver se encontro alguma notícia. Mas, se acontecer, o governo ficará em gestão, por causa dos prazos legais. Não cabe na cabeça de ninguém fazer eleições em julho ou agosto… Mas não sei de nada, portanto, não vou comentar. Se calhar está nervoso, como diz Marques Mendes - que erra muito, mas pode ser que tenha razão aqui.
A abstenção é um sintoma de um processo de integração que foi sendo construído nas costas dos povos, desprezando a sua vontade, desprezando a sua participação
O que revela, para si, a taxa de abstenção portuguesa nas eleições europeias?
Se descontar os países onde o voto é obrigatório, Portugal foi dos que teve maior taxa de participação. [No total, a taxa de participação média dos 28 foi de 43,11%, a de Portugal 33,8%]. Penso que a abstenção é um sintoma de um processo de integração que foi sendo construído nas costas dos povos, desprezando a sua vontade, desprezando a sua participação. Mesmo quando houve momentos de participação direta, ela foi desrespeitada, caso de referendos feitos sobre os tratados em que os resultados foram desrespeitados. Noutros países, como é o caso de Portugal nunca se fizeram, mesmo quando foram prometidos - recordo que tivemos um governo que prometeu um referendo sobre o Tratado de Lisboa e não cumpriu essa promessa.
O PCP também já propôs referendos…
O PCP já propôs referendos em várias ocasiões, em momentos importantes: adesão à moeda única, Tratado de Maastricht, Tratado de Amesterdão, Tratado de Lisboa, que seriam oportunidades de discussão sobre o sentido do processo de integração e que foram desaproveitadas. O sentimento que prevalecente é o de que o processo de integração se vai fazendo nas costas dos cidadãos, desrespeitando até a sua participação quando ela acontece. Temos o exemplo de inúmeros referendos que foram sendo repetidos até dar o resultado pretendido. Daqui resulta também um sentimento de que as coisas acontecem independentemente da vontade dos cidadãos.
Ainda assim as sondagens mostram que a maioria dos cidadãos, portugueses e europeus em geral, quer estar na União Europeia…
Mas as decisões fundamentais para a vida das pessoas transitaram para um patamar de decisão que elas não controlam. Isso também leva ao afastamento… Se a minha decisão não conta, para quê participar? Esta perceção talvez se tenha acentuado nos últimos anos, e estou a incluir nos últimos anos os anos de intervenção da troika em Portugal, tudo o que antecipou isso e tudo o que se seguiu. Há um sentimento de que da União Europeia não tem propriamente vindo medidas que melhorem a vida das pessoas, pelo contrário, as medidas estão mais associadas a imposições que prejudicam as suas vidas.
Faria agora um referendo sobre a saída ou permanência de Portugal na UE?
Não, não é algo que esteja em cima da mesa neste momento. Defendemos o referendo em momentos importantes, como no caso da adesão à moeda única e nos outros que referi. Essas oportunidades foram desaproveitadas.
Como olha para a saída do Reino Unido da União Europeia?
Penso que devemos adoptar o princípio de que cada povo deve ser livre de decidir o seu destino. E o povo britânico decidiu de forma livre e soberana o seu destino, e isso deve ser respeitado. Agora, creio que essa saída não inviabiliza que possamos ter uma relação futura com o Reino Unido, mutuamente vantajosa e mutuamente benéfica: no plano científico, no plano cultural, no plano comercial, no plano social. Há muitas relações que podem até ser aprofundadas face àquilo que temos agora. O governo português, independentemente do curso das negociações ao nível da UE e de todas as atribulações a que temos assistido, já devia estar há muito tempo a trabalhar num quadro bilateral de relacionamento futuro entre o Reino Unido e Portugal.
Revela o Eurobarómetro que o crescimento económico está no topo das preocupações dos cidadãos da UE. Qual o plano do PCP para pôr a economia a crescer?
Em primeiro lugar, penso que temos de ser cautelosos na avaliação dos dados do Eurobarómetro. Temos realidades diferentes de país para país e, seguramente, as preocupações dominantes não são as mesmas. Diria que a imigração ou o terrorismo não constam propriamente do topo das preocupações dos portugueses, enquanto o crescimento económico ou o combate desemprego jovem sim, acredito que são preocupações que estão na cabeça das pessoas e realidades que afetam Portugal. Se fizesse um inquérito de resposta livre na rua - porque muitas vezes os inquéritos são condicionadores - apareciam questões como o estado dos serviços públicos, os salários e outras do mesmo género.
Há poucos países no mundo - em rigor são 12 - que cresceram menos que Portugal
O crescimento económico é, de facto, uma preocupação comum.
Portugal foi dos países que menos cresceu no mundo nos últimos 20 anos. Há poucos países no mundo - em rigor são 12 - que cresceram menos que Portugal. São precisamente os 20 anos da nossa adesão ao euro. Nos 20 anos anteriores à adesão, Portugal cresceu sempre acima da média da UE e acima da média dos países do mundo. Ou seja, convergiu com a média. A partir da adesão ao euro Portugal passou a divergir: cresce sistematicamente abaixo da média europeia e abaixo da média mundial.
A intervenção da troika não salvou o país, a intervenção da troika afundou o país
Portugal teve várias vezes problemas com as contas públicas, precisou de ser “salvo” com dinheiro emprestado três vezes em menos de 40 anos…
A intervenção da troika não salvou o país, a intervenção da troika afundou o país. Portugal saiu da intervenção da troika mais endividado do que entrou, sai da intervenção da troika com salários baixos. Usou-se dinheiro público para pagar buracos nos bancos… O euro teve impactos profundamente assimétricos. Há apenas dois outros países da periferia do euro na lista dos que menos cresceram no mundo a par com Portugal, que são a Grécia e a Itália. O resto, ou são países que foram devastados pela guerra, como a Síria, a Líbia, o Iraque, o Sudão ou a República Centro-Africana, ou são estados com a população de muitos concelhos de Portugal.
Porquê? Em doze países que aderiram ao euro desde o início, contando com a Grécia, apenas três divergem.
Isto é resultado dos condicionamentos que passaram a pesar sobre a nossa economia pelo facto de usarmos uma moeda desfasada das nossas necessidades, feita à medida de uma economia como a alemã, mas totalmente desfasada da estrutura produtiva e dos salários existentes em Portugal. E não conseguimos sair desta prisão: repare que nestes 20 anos temos taxas de crescimento de 0,8%, quando com a adesão ao euro nos prometiam taxas de crescimento de 3%. Também disseram que a adesão ao euro ia significar o aumento do investimento e o investimento baixou, que traria um aumento de salários - até se dizia que íamos convergir com os salários dos alemães - e os salários decresceram, praticamente estagnaram na última década, cresceram abaixo da taxa de inflação, ou seja, as pessoas perderam poder de compra. Sobretudo, a economia não cresceu porque não houve praticamente investimento.
Como é que isso se muda?
Muda-se com políticas diferentes.
Pergunto quais são as do PCP…
Desde logo canalizando recursos para o investimento, para a criação de riqueza, para o aproveitamento dos recursos do país, para a criação de emprego, para o financiamento dos serviços públicos. E introduzindo mais justiça fiscal do que a que temos hoje, uma fiscalidade mais justa. E libertando o país de constrangimentos que hoje estão ligados ao euro e que impedem esse crescimento, nomeadamente de toda a panóplia de legislação associada à moeda única, do tratado orçamental à governação económica. O país precisa de uma moeda adaptada às suas necessidades e não da moeda que tem permitido à Alemanha durante anos sucessivos acumular superávites comerciais e outros à custa dos nossos défices.
A solução seria sair do euro?
Consideramos que Portugal deve recuperar a sua soberania monetária. Embora no imediato deva confrontar trajetórias, nomeadamente da consolidação do défice e da dívida, que lhe estão a ser impostas e que prejudicam o crescimento económico. A política económica do atual governo minoritário do PS padece de um erro fundamental: é que a redução da dívida que está a fazer no produto está a ser feita à custa do crescimento, quando ela podia ser feita graças ao crescimento económico.
Como?
Dirigindo um excedente orçamental primário que temos hoje para o investimento e não para o pagamento de juros da dívida. Podemos, com outra política económica, e mesmo dentro do espartilho do euro, obter resultados substancialmente diferentes daqueles que tivemos nos últimos anos. Não há discussão honesta que se possa fazer sobre o futuro do país, sobretudo sobre o crescimento económico, que deixe de fora a questão da moeda. É para o PCP evidente que para crescer o país tem de se libertar da prisão do euro.
O combate ao desemprego jovem, como será feito?
Desde logo com medidas que permitam fazer crescer a economia. Ficou visível nestes anos que, no momento em que houve uma elevação do poder de compra da generalidade da população, em que os rendimentos da população aumentaram, a economia cresceu e o emprego cresceu também. Agora, seguramente que medidas como o aumento da idade da reforma não ajudam a combater o desemprego jovem. Seguramente que medidas como o alargamento do horário de trabalho não ajudam a combater o desemprego jovem. Precisamos de medidas de sentido oposto: redução do horário de trabalho, agora nas 35 horas para a administração pública - e só porque o PS não quis é que não se reduziu no privado -, e medidas que facilitem o acesso à reforma dos trabalhadores com longas carreiras contributivas, nomeadamente com 40 anos de descontos.
Alterações climáticas e proteção do ambiente. O que fazer?
Embora já entremos no capítulo em que acho que as preocupações em Portugal não são necessariamente coincidentes com as de outros países… Mas, por exemplo, mudar a abordagem que tem sido seguida no plano europeu, que tem sido uma abordagem de mercado, com o regime de comércio e licenças de emissão. Nos últimos anos a abordagem seguida pela União Europeia para as alterações climáticas, do ponto de vista da redução de gases com efeito e estufa, demonstrou ser um fracasso total. Elas não reduziram.
Mudar para quê?
Substituir esse modelo por uma abordagem do tipo normativo, em que se estabeleçam metas de redução das emissões e depois não se deixe ao critério do funcionamento do mercado essas emissões serem ou não atingidas. Ou garantindo ciclos de produção e de consumo mais estreitos, valorizando a produção e o consumo locais, valorizando o aproveitamento de recursos endógenos de cada país - no caso de Portugal, as energias renováveis. Combatendo a dependência e o défice energético por via de um melhor aproveitamento das energias renováveis, com medidas de promoção da produção e do consumo locais, de valorização da produção nacional e do consumo dessa produção nacional em detrimento da cadeias de abastecimento longas ou muitíssimo longas, que têm sido favorecidas pela desregulação do comércio internacional, pela liberalização do comércio internacional, que faz com que cada vez mais a distância entre os locais de produção e o local de consumo seja maior e, consequentemente, que os fluxos de energia associados a esses consumos e aos transportes dessas mercadorias sejam superiores.
Falou sobre os recursos da UE, cada vez mais escassos, mais ainda com o Brexit. É um dos grandes temas do Parlamento Europeu…
Não é uma inevitabilidade que assim seja, é uma escolha. O orçamento europeu poderia - e temos feito essa proposta várias vezes - ser substancialmente reforçado. Só que isso implicaria aumentar as contribuições directas dos países para esse orçamento, tendo por base o princípio da riqueza relativa de cada Estado-membro: os países devem contribuir em função do seu rendimento nacional bruto, de forma a garantir que os países com maior rendimento nacional bruto, que são também os que mais beneficiam do mercado único e das políticas comuns, são também os que mais contribuem. Porque é isso que garante que o orçamento tem uma função redistributiva.
Não é normal que os contribuintes líquidos se chateiem de ser sempre eles a pagar a conta?
É. Mas aí eu dizia-lhes que também me chateia que os benefícios do mercado único estejam distribuídos da forma como estão, em que eles ganham e nós perdemos. Também me chateia que as políticas comuns os beneficiem muito mais a eles do que a nós. Também me chateia que os nossos agricultores recebam um pagamento por hectare duas ou três vezes inferior ao que eles recebem. Portanto, das duas uma: ou há aqui uma função redistributiva que compense todas estas assimetrias, ou acabamos com tudo. Escolham. Querem mercado único? Então, já que são quem beneficia mais com ele, predisponham-se a contribuir mais para o orçamento. Isto nunca foi dito por nenhum governo nacional e era o que devia ser dito em primeiro lugar. Temos tido governos que, desse ponto de vista, têm claudicado permanentemente perante os interesses dos maiores beneficiários da integração, sendo Portugal dos maiores prejudicados.
O facto de serem os maiores beneficiários faz com que não mereçam ser os maiores beneficiários?
Não estou aqui a introduzir um conceito de justiça. O que digo é que defendemos uma integração que sirva a todos. Uma integração que sirva uns e prejudique outros não nos interessa.
hoje entram no país, por dia, dez milhões de euros em fundos da União Europeia, mas saem 20 milhões de euros em juros da dívida
O que pergunto é: seria possível Portugal ter feito mais ao longo destes anos, ter aproveitado os fundos para crescer, para se tornar mais autónomo?
Penso que sim, mas há uma advertência: Portugal recebeu um volume significativo de fundos da União Europeia ao longo dos anos, mas esse volume nunca compensou os impactos negativos da integração. Dou-lhe um número revelador disso mesmo: hoje entram no país, por dia, dez milhões de euros em fundos da União Europeia, mas saem 20 milhões de euros em juros da dívida.
Quem criou essa situação?
Foi a situação que se criou fruto das políticas da União Europeia no plano agrícola, no plano comercial e noutros, que tornaram o país economicamente dependente do exterior. E é também uma situação fruto da ação de governos que não souberam defender os interesses de Portugal. Faço parte de uma força que ao longo dos anos combateu as políticas que emanaram dos sucessivos governos, dizendo que iriam ter o resultado que tiveram. Portanto, sim, os fundos da UE poderiam ter sido muito melhor utilizados do que foram até hoje, poderiam ter sido usados para fortalecer muito mais o aparelho produtivo, para combater a dependência em vez de a acentuar, mas nunca compensaram verdadeiramente os impactos negativos da integração, das políticas comuns, do mercado único e do euro.
É uma luta desigual?
Os fundos da UE, ao contrário da ideia de muitos, têm um objectivo de compensação, não são solidariedade. Porque sabe-se que num processo de integração fundado na livre concorrência entre partes desiguais o que acontece, como se costuma dizer, é que o peixe graúdo tende a comer o peixe miúdo. Os fundos da UE tinham e têm um sentido de compensação, são uma espécie de vitamina para os mais fracos: tomem lá isto e desenvolvam-se para que os impactos na vossa economia sejam menores, para poderem concorrer mais de igual para igual. A primeira coisa que temos de pensar é se os fundos foram ou não suficientes para compensar os impactos negativos.
E foram?
Nós entendemos que não, nunca foram suficientes. Estou a dar-lhe exemplos concretos para não dizer que foi tudo culpa da União Europeia, que não foi. Em 20 anos, a PAC [Política Agrícola Comum] acabou com cerca de meio milhão de hectares de superfície agrícola útil no país. Desapareceram cultivos e pastagens - ficaram pasto, mas para incêndios. Fecharam portas 300 mil explorações agrícolas, temos um défice agro-alimentar que anda na casa dos três mil milhões de euros por ano. A nossa produção aumentou, mas as necessidades de consumo aumentaram mais. Outro exemplo: o impacto da legislação da União Europeia na liberalização de setores estratégicos da economia, que levou depois às privatizações. O resultado é que os setores estratégicos estão nas mãos do capital estrangeiro: a banca, em grande medida - e a união bancária vai acentuar isso - a energia, as telecomunicações, os serviços postais, os transportes…
Foi a União Europeia que causou a falência de alguns bancos?
O que estou a dizer é que foi a privatização da banca em Portugal que levou a isso, as falências não aconteceram com a banca pública e nacional. O dinheiro que Portugal gastou nos últimos anos com a banca foi em bancos privados, não foi em bancos públicos. A legislação contribuiu para que a economia portuguesa fosse colonizada por capital estrangeiro e faz com que setores estratégicos estejam a funcionar numa lógica não orientada para o bem comum, para ao desenvolvimento do país, para o apoio às pequenas e médias empresas, às famílias, mas para uma lógica de maximização do lucro dos seus accionistas. Veja os correios; há neste momento 40 concelhos do país que não têm um único balcão de correios aberto. Prescindimos dos lucros que essas empresas davam - CTT, EDP, REN, Galp, ANA e também bancos - e que entravam no orçamento do Estado e serviam para financiar a saúde, a educação, a segurança social, os transportes, para políticas públicas de habitação… E como o capital era estrangeiro, muitos desses lucros nem sequer ficaram no país, os dividendos saem.
A Caixa Geral de Depósitos é pública e também precisou de ser recapitalizada, estamos a pagar isso.
A Caixa Geral de Depósitos dá lucro. Mas as resoluções aconteceram de acordo com o espírito e com a letra da união bancária.
Está há dez anos no Parlamento Europeu. O que já fez pela Europa e por Portugal?
Ao longo de dez anos, em todas essas áreas, tive ocasião de contribuir com propostas sempre muito orientadas para o interesse nacional, para o que consideramos ser em cada momento o interesse do país, dos nossos setores produtivos, do nosso povo. E isso teve tradução prática em variadíssimas propostas, é difícil destacar uma. Ainda recentemente conseguimos fazer propostas no domínio da agricultura, da restrição de importações lesivas dos produtores nacionais, ou no domínio das pescas, por exemplo com a possibilidade de apoios às paragens de actividade por razões de recursos. Alterámos regulamentos de fundos da UE, no sentido de melhorar as possibilidades de utilização das verbas por países como Portugal, de eliminar condicionantes na utilização desses dinheiros. E aprovámos no PE posições que, apesar de não serem ainda legislação, têm relevo: a ideia da instituição do rendimento mínimo para combater a pobreza, propostas de alargamento de licenças de maternidade e de paternidade ou a alteração das condições de utilização do fundo de solidariedade, para permitir um apoio mais célere em situações de catástrofe e que abarca mais catástrofes naturais, também.
A relação de forças no PE é equilibrada?
Temos uma relação de forças difícil para fazer vingar muitas propostas, isso é verdade, não só aqui no Parlamento Europeu, mas também no Conselho Europeu. A nossa intervenção não é impedida por isso, mas o alcance dessa intervenção pode ser limitado pela relação de forças desigual.
Os grupos políticos estão bem definidos?
Penso que estão de acordo com aquilo que os partidos entenderam ser os seus interesses comuns. É um Parlamento Europeu muito orientado à direita, em comparação com o parlamento nacional, é até à extrema-direita. Isso, de resto, reflete-se um pouco nas políticas aqui aprovadas e nas decisões aqui tomadas.
Tem preferência por um presidente do PE?
Desde que cá estou conheci três presidentes e nenhum deixa saudades. O actual [Antonio Tajani], entre outras coisas, censurou uma exposição que quisemos trazer ao Parlamento Europeu sobre a Revolução de Outubro, para celebrar o centenário.
Com que justificação?
A justificação foi que poderia ferir a susceptibilidade de alguns deputados. Se formos por aí… De resto, uma vez o presidente resolveu pegar no telemóvel enquanto estávamos num debate e fiquei calado até ele desligar. E houve outros enfrentamentos, como quando Portugal estava sob uma fortíssima pressão por causa das sanções e do orçamento de Estado, em que tivemos de vir dizer ao presidente para ter calma, para mandar acalmar os burocratas.
Já tivemos um presidente da Comissão Europeia e durante esse período sentimos como nunca o impacto negativo de decisões tomadas pela UE no nosso país
Quem seria um bom comissário para Portugal e em que pasta?
É uma pergunta que não deve ser sobrevalorizada. Antes de mais é importante o princípio de que se deve garantir que todos os países continuam com representação na Comissão Europeia. Essa é a uma questão fundamental e que já esteve em causa por mais de uma vez e continua a haver propostas no sentido de procurar retirar a representação de todos os países na Comissão Europeia. Mas a vida já mostrou que não é por termos portugueses em pastas importantes que daí resulta um benefício para Portugal. Já tivemos um presidente da Comissão Europeia e durante esse período sentimos como nunca o impacto negativo de decisões tomadas pela UE no nosso país.
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