Ferro Rodrigues abriu hoje a sessão evocativa de Jorge Sampaio, na primeira sessão plenária do novo ano parlamentar, “dias depois de testemunhar com muita tristeza o desaparecimento de Jorge Sampaio”.
“Chegados a esta sessão evocativa, a derradeira homenagem que a Assembleia da República presta ao antigo chefe de Estado, ao antigo deputado, ao político e ao cidadão, é com sentido de dever que transmito à sua família e amigos, em meu nome e em nome da Assembleia da República, a gratidão e todas as portuguesas e de todos portugueses que aqui representamos pelo muito que nos deu Jorge Sampaio”, afirmou.
À esposa, Maria José Ritta, ao filho, André Sampaio, e aos amigos, que se encontram a assistir nas galerias do parlamento, o presidente da Assembleia transmitiu também o “mais sentido pesar” e recordou Jorge Sampaio “já com saudade”.
“Amigo de muitos de nós e uma referência para as portuguesas e para os portugueses pelo exemplo que foi e continuará a ser na defesa da democracia e dos valores da liberdade, da tolerância e respeito pelo outro”, salientou.
O presidente da Assembleia da República destacou também que a sua vida foi de “serviço público e de serviço à causa pública”.
“O muito que foi dito nos últimos dias não é ainda assim suficiente para exprimir dor e a emoção com que vimos partir um amigo, com que vi partir um companheiro na luta pela liberdade e pela democracia, com quem tanto aprendi nas últimas as décadas na política e fora dela”, recordou.
Ferro destacou também o “respeito pelo outro, pela diversidade, pela pluralidade de ideias e convicções, na importância do diálogo, do consenso, da construção de pontes como forma de ultrapassar as muitas dificuldades com que o país ainda se depara”.
“No ensinamento ao mesmo tempo tão simples e tão cheio de significado de que não há portugueses dispensáveis”, acrescentou, recordando uma das suas frases mais emblemáticas.
Depois desta intervenção introdutória, Ferro Rodrigues leu o voto de pesar do parlamento pela morte de Jorge Sampaio, seguindo-se as intervenções das diferentes bancadas e deputados.
Além dos deputados, marcaram também presença o primeiro-ministro, António Costa, e os ministros de Estado e das Finanças, João Leão, de Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira, de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, e do ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, e do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro.
Nas galerias da Assembleia da República assistem também a esta sessão personalidades como Luís Marques Mendes, José Vera Jardim, João Cravinho, e Vasco Lourenço.
Jorge Sampaio, antigo secretário-geral do PS (1989/1992) e Presidente da República (1996/2006), morreu na sexta-feira, aos 81 anos, no Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide, Oeiras, onde estava internado desde 27 de agosto, na sequência de dificuldades respiratórias.
O funeral, com honras de Estado, realizou-se no domingo, antecedido por uma homenagem nacional no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.
O seu exemplo dignificou a política e inspirou os jovens, diz Ana Catarina Mendes
A presidente do Grupo Parlamentar do PS destacou hoje a “inquietude serena” de Jorge Sampaio e considerou que o seu exemplo dignificou a política, tornando-a mais profunda e consequente, e inspirou várias gerações de jovens.
No seu discurso, a presidente do Grupo Parlamentar do PS realçou, entre as características de Jorge Sampaio, “a sua inquietude serena, mas determinada, que o fez um homem extraordinário no plano cívico e político”, assim como a serenidade “que lhe dava previsão na análise, prudência nos juízos, capacidade de fazer alianças, de obter compromissos, de construir consensos, de lançar pontes”.
“A sua vida foi uma militância ativa pela liberdade, pela democracia e pelos direitos humanos. Pela sua atitude ética, pela sua exigência intelectual, pela sua seriedade política, pela sua fidelidade a causas, ideais e princípios, Jorge Sampaio foi uma personalidade ímpar, exemplar e inspiradora no Portugal democrático, moderno e cosmopolita que fomos construindo depois da revolução do 25 de Abril”, sustentou Ana Catarina Mendes.
Na perspetiva da líder da bancada do PS, o antigo chefe de Estado e líder dos socialistas entre 1989 e 1992, “no confronto democrático, assumia sempre as qualidades e virtudes do seu estilo: A elegância, a modéstia, a cordialidade e a elevação”.
“O seu exemplo dignificou a política, tornando-a mais profunda e mais consequente. Inspirou várias gerações de jovens, em que me incluo, e que me levou a filiar no PS”, disse.
Na sua intervenção, Ana Catarina Mendes procurou também salientar a “coragem” de Jorge Sampaio na luta estudantil contra o anterior regime, “contra a pobreza, e a falta de horizontes e de oportunidades”.
“Um combate pela liberdade, pela dignidade de todos, pela justiça social, pelo fim do isolamento de Portugal. Assumiu, como advogado, a defesa intransigente e corajosa dos presos políticos e a luta pelos Direitos Humanos”, afirmou.
Ana Catarina Mendes lembrou depois que Jorge Sampaio, além de ter sido secretário-geral dos socialistas, desempenhou antes funções de presidente do Grupo Parlamentar do PS, quando este partido foi liderado por Vítor Constâncio.
“Tenho, ao mesmo tempo, o orgulho e a humildade de, como líder parlamentar desta bancada, encontrar-me entre os que lhe sucederam, procurando honrar o seu legado no modo como exerço estas funções que um dia foram suas: Dignificando a Assembleia da República, aumentando a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas e aperfeiçoando sempre a nossa democracia. Jorge Sampaio era a antítese do populismo”, frisou.
Ana Catarina Mendes referiu-se depois a Jorge Sampaio enquanto presidente da Câmara de Lisboa e como chefe de Estado entre 1996 e 2006.
Em Lisboa, de acordo com a líder da bancada socialista, pôs em marcha “uma visão moderna e cosmopolita e uma estratégia a longo prazo para a cidade”, e na Presidência da República esteve “atento aos grandes objetivos de Portugal e aos problemas reais dos portugueses”.
“Jorge Sampaio demonstrou ainda uma posição de grande inteligência ao afirmar a sua discordância da invasão do Iraque decidida na Cimeira das Lajes, mantendo a autonomia de Portugal e a defesa dos nossos interesses permanentes”, apontou.
Ana Catarina Mendes considerou ainda que o antigo Presidente da República “recusou um país socialmente desigual” e que, após sair do Palácio de Belém, “manteve sempre a sua inquietude serena na luta contra a tuberculose, ou como alto representante na Aliança para o Diálogo das Civilizações da ONU, ou na criação da Plataforma para os Estudantes Sírios ou do grupo de Arraiolos”.
“Sampaio foi igual a si mesmo, continuando a servir os que mais precisam”, acrescentou.
Partidos à direita ressalvam diferenças mas elogiam o seu exemplo
Os partidos à direita no parlamento ressalvaram hoje as suas diferenças políticas relativamente a Jorge Sampaio, mas expressaram respeito pelo antigo Presidente da República e quase todos fizeram elogios ao percurso e modo de estar na política.
Numa sessão evocativa na Assembleia da República, em nome do PSD, Fernando Negrão defendeu que Jorge Sampaio "nunca se esqueceu da sua qualidade de cidadão comum" e que esse "é um património que deve servir de exemplo a todos quantos na vida assumem funções de alta responsabilidade".
"Que este exemplo de sentido cívico dure e perdure em todos e, sobretudo, nas gerações mais novas", afirmou o deputado do PSD e vice-presidente da Assembleia da República, considerando que Sampaio deixou "um manual de boas práticas" para o exercício da política, "que se traduz no cumprimento da palavra, na frontalidade e na verdade, no compromisso, na seriedade, na retidão e elegância do trato".
Fernando Negrão observou: "E tanto que nos falta esse exemplo de verdade, de compromisso e de seriedade. Saibamos honrá-lo".
Na sua intervenção, o social-democrata referiu que o seu partido e Jorge Sampaio tiveram "profundas divergências", que não mencionou, preferindo realçar a "recíproca consideração política".
Fernando Negrão agradeceu-lhe pela "persistente ação política de oposição e combate à ditadura" e enalteceu o papel do antigo Presidente da República na "libertação de Timor" e a sua "luta de apoio aos refugiados, quase até ao último dia da sua enorme vida".
O líder parlamentar do CDS-PP, que discursou antes, também lembrou Jorge Sampaio enquanto "jovem e corajoso opositor que durante o Estado Novo foi advogado e defensor de muitos presos políticos" e "líder estudantil", e elogiou o seu "empenho na causa de Timor" e, mais recentemente, "a forma como se empenhou na causa dos refugiados".
Telmo Correia frisou, no entanto, que o seu partido sempre encarou Sampaio, "em democracia, como um adversário político", de quem divergiu "quando criou a precursora aliança com o PCP que o levou à conquista da Câmara de Lisboa" e quando dissolveu o parlamento em 2004, "interrompendo o percurso de um Governo legítimo" PSD/CDS-PP chefiado por Pedro Santana Lopes.
Apesar das divergências, o líder parlamentar do CDS-PP expressou respeito, apreço e admiração pelo antigo Presidente da República, declarando que "foi sempre coerente, enquanto homem de esquerda, socialista, de cartão e convicção" e que foi mesmo, no seu entender, "a figura mais importante da esquerda democrática depois de Mário Soares".
"Apreço sincero pela sua forma de estar sempre cordial, correta e afável. Jorge Sampaio era capaz de dar uma palavra de estímulo a um adversário político num momento mais difícil", disse. "Admiração pela sua elevação no discurso político, pela forma séria e digna como representou Portugal, sendo ao mesmo tempo institucional e emocional", completou.
O presidente e deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, ressalvou igualmente que discordou "quase sempre das posições que Jorge Sampaio assumiu na sua vida política após o 25 de Abril" e que o seu partido se demarca da sua "visão socialista da sociedade".
Em seguida, porém, Cotrim de Figueiredo sustentou que Jorge Sampaio "exibiu traços dignos de serem exemplo para todos" e "foi um exemplo precoce em Portugal de como as figuras políticas não têm de se conformar a um padrão ou a uma persona", ao não esconder "o seu lado mais simples e mais humano".
"Foi, desde logo, durante a ditadura, um lutador pela liberdade, esse valor supremo para qualquer liberal. Poucos deixarão de admirar a defesa intransigente que fez dos estudantes e oposicionistas do Estado Novo numa altura em que tal exigia não só força de caráter, mas coragem", referiu.
Segundo o deputado da Iniciativa Liberal, "a luta pela liberdade, a coragem, a simplicidade e a visão global que tinha do mundo" são qualidades de Sampaio que "devem inspirar e que continuam a fazer falta no Portugal de hoje, em particular, entre os que exercem cargos de especial responsabilidade".
Pelo Chega, o deputado Diogo Pacheco de Amorim prestou homenagem a Jorge Sampaio por este ter sido chefe de Estado: "Como tal e assim sendo, curvo-me perante a sua memória", disse, dirigindo "uma palavra de solidariedade" à sua família e ao PS.
Pacheco de Amorim, deputado em substituição de André Ventura, que suspendeu o mandato, assinalou que as ideias políticas de Sampaio "estavam nos antípodas" das do Chega e manifestou discordância em relação às "decisões mais relevantes que tomou como primeira figura do Estado".
"Mas não é um juízo sobre a vida política do doutor Jorge Sampaio que para nós se encontra hoje e aqui em causa. O que está hoje aqui em causa é a vida de alguém que, independentemente da opinião que possamos ter sobre o seu percurso, teve, de facto, um percurso – e não são muitos aqueles que verdadeiramente o tiveram e que de tal se podem orgulhar. As ideias políticas que balizaram esse percurso não eram as nossas, mas eram as suas, e isso nos basta. Que descanse em paz", concluiu.
(Notícia atualizada às 18h24)
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