A conversa decorreu na Praia Norte, em Viana do Castelo, num dia de verão bem ao sabor da terra onde nos encontrávamos, cheio de sol e vento a refrescar. José Maria Costa é presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo e também da Comunidade Intermunicipal do Alto Minho e foi sobretudo no âmbito das suas funções nesta segunda estrutura que conversámos sobre a estratégia da região enquanto pólo de turismo que autarcas e empresas querem que seja de qualidade, fiel aos melhores argumentos de promoção - a natureza, a ruralidade e a sustentabilidade - mas reforçando o peso na geração de riqueza local.
Uma gestão de forças distintas nada fácil, como reconhecem vários operadores locais, mas que os autarcas se comprometem a alcançar.
Começarmos esta conversa a tirar uma máscara, o que seria algo completamente atípico há um ano, e o que lhe pergunto é se, com este período de pandemia, foi mais o que se ganhou ou mais o que se perdeu na região do Alto Minho?
Naturalmente que se perdeu bastante. O Alto Minho tem uma configuração, do ponto de vista económico, que está muito focada, também, no setor do turismo, da restauração e da pequena hotelaria. É um espaço setorial que vive muito da relação transfronteiriça. A nossa relação com a vizinha Espanha, sobretudo com a Galiza, é muito forte. Em Viana do Castelo, 30 a 40% da nossa capacidade hoteleira depende da Galiza, há concelhos que dependem 60, 70%. Houve um impacto muito forte, um impacto violento, na área comercial, na área da restauração e na área da hotelaria. Por isso tivemos também um conjunto de iniciativas no sentido de sensibilizar o Governo para a reabertura das fronteiras. Temos uma grande comunidade que trabalha de um e do outro lado da fronteira e que tinha dificuldades de circulação; há muitas empresas de origem galega aqui no norte do Alto Minho, em Cerveira, em Valença, em Paredes de Coura e temos também, por exemplo, pessoas de Viana do Castelo que trabalham em empresas do lado de lá.
Em Viana do Castelo, 30 a 40% da nossa capacidade hoteleira depende da Galiza, há concelhos que dependem 60, 70%.
Acha que é justo dizer que houve uma espécie quase de trauma de haver uma fronteira, uma separação ...
Penso que tivemos novamente a ideia do que era o nosso país com fronteira e já não nos damos (bem) com a fronteira, acima de tudo porque as relações que se criaram entre as duas comunidades são muito fortes. Há municípios de fronteira, como o caso de Vila Nova de Cerveira e Tomiño, que têm utilização conjunta de equipamentos: a piscina de Vila Nova de Cerveira é a piscina de Tomiño e há atividades de Tomiño que são feitas por pessoas de Vila Nova de Cerveira. Esta relação foi quebrada, criando, de facto, problemas do ponto de visa de relacionamento familiar, porque temos muitos casamentos de um e do outro lado, as famílias deixaram de se poder visitar, mas acima de tudo deixaram de poder trabalhar. Daí que vimos com muito interesse esta reabertura da fronteira a partir de 1 de julho, porque nos vai permitir recuperar. Os nossos amigos galegos estavam ansiosos por poder vir cá comer o nosso bacalhau e nós estávamos ansiosos por ir lá comer as magníficas tapas.
Temos o mesmo espírito de religiosidade, as festas, as romarias. Vivemos muito esse ambiente de uma grande cumplicidade territorial, que muitas vezes não é bem entendido noutras regiões do país, mas se formos ver, nestes 100 quilómetros de fronteira, acontece praticamente tudo o que há de relacionamento transfronteiriço em Portugal e basta dizer que por aqui passam 47% de todas as viaturas que atravessam a fronteira de Portugal.
Os nossos amigos galegos estavam ansiosos por poder vir cá comer o nosso bacalhau e nós estávamos ansiosos por ir lá comer as magníficas tapas
Pelo lado positivo, houve um aumento enorme da procura do Minho e do Alto Minho, em concreto, nomeadamente como alternativa turística.
É verdade. Esta pandemia veio criar algum receio nas pessoas e por isso houve aqui um trabalho muito importante que foi feito pelas Associações Empresariais e pelas Câmaras Municipais no sentido criarmos confiança nos nossos consumidores. Temos os “Selos de Qualidade” quer nos hotéis, quer no comércio e temos todas as regras. É curioso que os próprios galegos dizem: “mas vocês, aqui, têm isto mais organizado do que nós”. É uma questão importante, criarmos confiança nos consumidores, criarmos confiança no turismo. Por isso, as pessoas procuram espaços territoriais onde possam estar mais à vontade, onde possam ter um turismo mais liberto, mais de percursos, mais de contacto com a natureza e onde possam estar, de facto, sossegados e em segurança. Isso tem sido um fator importante, basta dizer que só naqueles fins-de-semana do 10 e 11 de junho tivemos, por exemplo, em Viana do Castelo, ocupações que algumas delas rondaram os 100%, outras 85%, e em hotéis de 3 e 4 estrelas.
Naqueles fins-de-semana do 10 e 11 de junho tivemos, por exemplo, em Viana do Castelo, ocupações que algumas delas rondaram os 100%, outras 85%
E isso é inédito, ou não?
Estávamos numa fase de crescimento. O Alto Minho é a terceira sub-região da região Norte que está a crescer mais em termos da captação de turismo; estamos a aumentar o número de utilizadores turísticos, estamos a aumentar o número de noites que as pessoas ficam cá e também aquilo que deixam cá ficar. Estávamos, de facto, num crescendo e neste momento estamos a voltar a recuperar. Na restauração nota-se ainda uma dificuldade que se está a vencer agora. As pessoas ainda têm algum receio de ir para o interior do restaurante, por isso os municípios lançaram iniciativas de esplanadas, abrindo novos espaços, criando mesmo áreas novas para que as esplanadas se possam consolidar. Temos também turistas estrangeiros que vêm para cá para a prática de desportos náuticos, de desportos da natureza, porque alguns deles conhecem já o espaço e acima de tudo procuram desportos que não são de multidão, são desportos individuais. É o caso, por exemplo do kitesurf, do surf ou do windsurf, da bicicleta…
Também são os mais protegidos neste contexto de pandemia ...
Exatamente. As pessoas podem estar à vontade: os percursos pela montanha, os percursos pelas ciclovias são atividades que, normalmente, os turistas vêm como de alguma segurança sem estarem associados a grandes grupos. O Alto Minho tem conseguido também, fixar aqui alguns galardões de qualidade pelo trabalho que se vem fazendo, quer na organização das suas ciclovias, quer na sinalização de percursos pedestres, quer mesmo na organização de eventos internacionais. Tivemos mesmo o galardão de um espaço de turismo sustentável no espaço europeu - a região já o tem – e estamos agora na fase de certificação das empresas. Este é um galardão que tem uma grande repercussão em toda a Europa. Fomos também considerados um dos 100 destinos ambientalmente aconselháveis pela União Europeia – nos Green Awards - que nos dá essa visibilidade.
Temos neste momento uma cooperação muito ativa com a região da Bretanha, em França, em que nos inspiramos relativamente a projetos náuticos, e um outro conjunto de áreas muito interessantes como é ocaso, por exemplo, em Ponte de Lima do Festival dos Jardins, hoje uma marca internacional muito reconhecida e que traz muita gente a apaixonada pelos espaços verdes, pelos jardins como o público inglês e nórdico.
Que são também públicos alternativos.
Exatamente. Temos vindo a consolidar esta estratégia de um turismo sustentável, amigo da natureza, cada vez mais.
Foi mais difícil alcançar estas distinções e selos de qualidade ou, olhando para o futuro, mantê-las?
Naturalmente todos esses galardões não surgem do dia para a noite. Houve um trabalho que foi feito, houve visitas, houve a consolidação de uma oferta turística sustentada em vários anos de coerência e consistência no processo. Diria que, a partir deste momento, o que estamos é a procurar estabilizar uma oferta turística. Temos vindo a fazer este percurso também com a cooperação de muitas entidades, nomeadamente da Entidade do Turismo do Porto e Norte, mas especialmente das empresas ligadas ao turismo da natureza que se têm vindo a instalar, a cooperar connosco e a crescer também, neste movimento. E hoje temos já um conjunto muito grande de jovens que estão a trabalhar nestes setores e que nos dão as garantias de que no futuro poderemos alcançar melhores objetivos.
O atual contexto de pandemia, apesar de todos os outros danos, ajuda a reforçar esse posicionamento?
O atual estado da pandemia e a grande preocupação que as pessoas têm relativamente aos percursos de férias leva-nos a acreditar que aquilo que temos para oferecer, os nossos produtos turísticos, se adequam àquilo que são as novas tendências. Há, de facto, muito para fazer, mas acima de tudo temos qualidade já instalada. Temos também, ao nível dos percursos da natureza, já muito trabalho feito, empresas associadas, e penso que esse é o tipo de resposta – o turismo com maior segurança, com menos gente, não é em massa, um turismo mais seletivo, se quisermos, de famílias. O que se nota é que cada vez mais são as famílias que vêm e as famílias que procuram precisamente este tipo de oferta. Num hotel aqui próximo, também ligado aos desportos náuticos, grande parte de turistas são alemães e são famílias que vêm para desfrutar da natureza, para estar à vontade, num clima de segurança, utilizando os meios que têm à sua disposição.
Uma das estratégias para manter a qualidade e a preservação ambiental, que é a marca da região é, por exemplo, através de uma segmentação pelo preço? Ou seja, tendo preços mais elevados, na prática?
Acima de tudo, o produto, porque o preço, depois, vai-se impor, naturalmente. Nós temos uma grande diferenciação de preços, mas acima de tudo acho que é pela qualidade da oferta que temos e também pela qualidade do espaço territorial que oferecemos.
Muito diferente da lógica do turismo de massas ...
Muito diferente. O nosso turismo de massas é mais no período das festas e romarias em que temos, de facto, multidões. Nesses momentos, que infelizmente, este ano não podemos fazer.
Mas é pontual.
É muito pontual. O resto do ano, não. O que vamos tendo são turistas que vêm para turismo de espaço rural, para casas de habitação, para alguns hotéis de grande qualidade que temos e que estão inseridos no próprio contexto territorial.
Basicamente, diria que tínhamos falta de unidades hoteleiras. Também desenvolvemos, na região um turismo associado a eventos e uma das dificuldades que tínhamos era de instalar as pessoas no território
Uma das ferramentas mais eficazes nesse controlo tem a ver com a forma como se regulam as infraestruturas turísticas. Neste momento, quantas camas tem a região e qual é, na sua perspetiva, a linha vermelha, em termos de gestão desta qualidade de oferta?
Ao nível de oferta, ainda podemos crescer. Só para lhe dar nota, aqui em Viana do Castelo, temos duas unidades hoteleiras já em licenciamento, uma delas com cerca de 100 quartos e a outra com cerca de 30 quartos, mas há um outro conjunto de ofertas importantes. Basicamente, diria que tínhamos falta de unidades hoteleiras. Também desenvolvemos, na região um turismo associado a eventos e uma das dificuldades que tínhamos era de instalar as pessoas no território, porque não tínhamos uma oferta hoteleira de quatro estrelas suficiente. Por exemplo, quando se fazia um congresso em Viana ou em Ponte de Lima ou mesmo em Caminha, tínhamos que ocupar praticamente os hotéis todos da região e ir, praticamente, quase até à Póvoa para conseguirmos garantir (as estadias).
Também fomos fazendo o nosso trabalho de sedução dos investidores, de procurar motivá-los para a região. Temos grandes investidores que estão a fazer propostas aqui, de criação de novos espaços, precisamente para consolidarmos o número de camas.
O enoturismo é outro dos pilares na estratégia de promoção. Quais são as expectativas?
O setor do enoturismo tem sido um setor muito trabalhado, em especial nos concelhos mais a norte do Alto Minho, nas zonas de Melgaço, Monção, Arcos de Valdevez , Ponte de Lima e tem sido muito interessante verificar a qualificação das próprias infraestruturas, das próprias adegas, das casas que também já têm a sua adega, na adequação de um percurso e de uma oferta mais qualificada do enoturismo. Somos quase todos integrantes daquilo que é uma rede nacional e uma rede europeia das cidades do vinho ou dos municípios associados ao vinho e percebemos, claramente, que este era um segmento de grande excelência que temos, nomeadamente nos Loureiros e nos Alvarinhos, e que tem vindo a crescer, não só na sua visibilidade mas também na sua notoriedade internacional.
Temos já percursos organizados de americanos que vêm de propósito para conhecer aquilo que designam normalmente por Terroir. Vêm para conhecer as adegas, para provar os vinhos, associando também à natureza.
É um novo Douro por aqui acima.
É um mercado diferente, naturalmente com características diferentes. Alguns dos alojamentos servem para acolher esses grupos que vêm já com uma intenção clara de visitar as diversas áreas de produção de vinhos e também de ter um contacto com as provas para degustar os vinhos. É um mercado interessante e que ajuda, também, a complementar muito do nosso turismo de espaço rural visto que, segundo estudos internacionais, se esse trabalho for bem feito, do enoturismo poderemos ter os nossos empresários a vender cerca de 30% das suas produções. Estamos a falar das pequenas adegas de casas senhoriais. 30% pode ser vendido pelo próprio produtor, com uma vantagem: a pessoa que leva o vinho, leva uma experiência e vai falar daquele vinho aos seus amigos. É uma relação diferente a de ir comprar ao supermercado, a uma loja de vinhos ou a de comprar diretamente, porque percebe o contexto, a área onde foi feito.
30% [da produção de vinho] pode ser vendido pelo próprio produtor, com uma vantagem: a pessoa que leva o vinho, leva uma experiência e vai falar daquele vinho aos seus amigos
Os espanhóis são o principal grupo de turistas, mesmo que para vocês seja estranho pensar em galegos como turistas. Têm pensada alguma estratégia integrada de captação de turismo com a Galiza?
Entre os turistas com maior expressão estão primeiro os galegos, depois os franceses, os alemães e os ingleses. Claramente, o mercado francês começa também a ter uma grande expressão, até porque temos muito investimento francês em diversas unidades industriais aqui na região e é um mercado que está a crescer. Mas o mercado galego é um mercado muito importante e aquilo que propusemos foi que houvesse um programa específico transfronteiriço, para apoiar esta re-dinamização do mercado com a Galiza.
Entre os turistas com maior expressão estão primeiro os galegos, depois os franceses, os alemães e os ingleses
O que é que o selo de Quality Coast traz à promoção de toda esta região do Alto Minho no contexto europeu?
Conseguimos duas designações importantes: em primeiro lugar, a designação de Estações Náuticas, que significa que temos uma oferta qualificada no turismo náutico. A Quality Coast permite-nos ter uma visibilidade internacional do que são as ofertas desportivas que temos na região, visto que é um setor em que temos já uma grande penetração nos mercados do centro e norte da Europa. Temos noruegueses, holandeses, franceses que vêm de propósito para praticar desportos náuticos- e temos não só as condições naturais, mas também operadores turísticos que já fazem esse trabalho. Temos empresas que fazem trabalhos de formação ou de empréstimo ou de aluguer de equipamentos para nórdicos que vêm passar uma semana ou, alguns deles, só o fim-de-semana.
Começamos a ter empresas que fazem o acompanhamento de seleções internacionais que vêm para cá estagiar, nomeadamente na área do surf ou na área da vela. Significa, também, que começamos a ter um corpo técnico residencial, de grande qualidade, para dar suporte e para fazer este trabalho de parceria.
Vou pedir-lhe um exercício não político: nas suas próprias palavras o que significa esta nova assinatura da região como sendo "Sustentável por Natureza"?
Significa que o nosso território vale por ele mesmo. O Alto Minho é um território de excelência. Aquilo que procurámos foi adequar à excelência do território, do que fomos bafejados pelos deuses, a termos uma organização e um conjunto de atores bem preparados e bem qualificados para acolher bem, para cuidar bem e, acima de tudo, para acompanhar bem aqueles que nos querem visitar.
Este artigo faz parte do dossier "Alto Minho: na rota do que é "sustentável por natureza" que conta com o apoio do projeto "ECODESTIN_3_IN", cofinanciado pelo programa POCTEP - Programa de Cooperação Transfronteiriça Espanha-Portugal
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