O Partido Socialista fez saber hoje que vai abster-se na votação quanto ao projeto de lei de transferência das sedes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo de Lisboa para Coimbra, proposto pelo Partido Social Democrata à Assembleia da República.

Segundo adiantou à TSF o deputado socialista Pedro Delgado Alves, os socialistas concordam com o princípio da “ideia da deslocalização de serviços”, mas não votarão a favor porque a iniciativa, no seu entender “não reúne os requisitos indispensáveis para que possa estar em condições de ser aprovada”.

O deputado acusou também o PSD de avançar a proposta em plena campanha autárquica por “não saber resistir à tentação de usar um debate parlamentar para tentar marcar pontos, (...) enganando o eleitorado local em Coimbra".

Avançada pelo PSD há um ano, esta proposta de lei vai ser discutida esta quinta-feira na Assembleia da República e depois sujeita a votação na sexta-feira — o agendamento foi decidido esta quarta-feira em conferência de líderes.

Rui Rio disse ontem que, segundo as informações de que dispõe, tem “fortes esperanças” de que os partidos, “a maioria pelo menos”, vai ser coerente na votação e votar a favor na próxima sexta-feira.

Contudo, esta votação — com a abstenção do PS — não seria suficiente para garantir a aprovação final da lei, uma vez que a Constituição da República impõe que, em votação final global, as leis orgânicas carecem de aprovação "por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções".

O Bloco de Esquerda deverá abster-se na votação do diploma, disse à Lusa fonte do partido. O PAN anunciou na TSF que votará contra. O deputado comunista António Filipe, também no mesmo programa, recusou que esta medida seja uma medida de descentralização, considerando que é uma "mera operação demagógica" e uma proposta "eleitoralista".

António Filipe disse que o PCP ainda irá ponderar o sentido de voto, deixando claro que não votará a favor.

Já anteriormente, o Presidente do PSD tinha querer ver “a coerência de todos os que querem a descentralização e a desconcentração”. “O apelo que faço a todos os grupos parlamentares é que têm oportunidade de votar e Portugal poder orgulhar-se de, dentro em breve, ter o seu Tribunal Constitucional em Coimbra”, disse o líder social-democrata.

Questionando o porquê de “tudo estar na capital”, o presidente do PSD disse que o território tem de ser gerido de norte a sul e que o seu partido dá “uma oportunidade excelente” ao país para as várias forças políticas “mostrarem coerência” no equilíbrio que defendem para Portugal.

“Porque é que uma cidade como Coimbra, com uma universidade muito marcada pela Faculdade de Direito, cujo anterior presidente do Constitucional é professor naquela faculdade, não há de ter este tribunal”, questionou.

Juízes conselheiros emitem parecer negativo à mudança, que significa "grave desprestígio"

Entretanto, os próprios juízes-conselheiros do Tribunal Constitucional emitiram um parecer onde mostram a sua oposição a esta medida. O conteúdo do parecer, emitido a 14 de janeiro deste ano mas até agora por divulgar, foi revelado pelo Observador.

No documento, os juízes-conselheiros rebatem os argumentos do projeto do PSD, a começar pela ideia de defesa da “independência do poder judicial em relação ao poder político”. Para os juízes, não só essa independência “não está seguramente em causa” como a mudança, essa sim, sendo “decisão do poder político” teria “uma carga simbólica negativa, degradando a perceção pública da autoridade, autonomia e relevância do órgão”.

“A transferência seletiva da sede de um órgão de soberania, baseada em qualquer critério que não seja o da natureza e dignidade constitucional das funções que desempenha, não poderia deixar de constituir um grave desprestígio”, advertem os juízes.

Os redatores lembram também que os exemplos europeus em que há órgãos de soberania fora das capitais têm todos eles “determinadas particularidades”, como o facto da Rússia, a Suíça e a Alemanha serem “entidades federais”.

Além disso, os juízes rejeitam ainda que a mudança contribua para a descentralização no sentido “rigoroso e próprio do termo”, já que, para isso, deveria haver um “reforço das atribuições ou de autonomia das autarquias locais”. “Num país com uma tradição antiga de centralismo, em que os órgãos de soberania sempre tiveram a sede em Lisboa, a transferência da sede do TC contribuirá mais certamente para desprestigiar o órgão do que para criar uma nova centralidade fora da capital”, defendem.

Quanto a este parecer, apenas dois juízes-conselheiros contestaram-no: Manuel Costa Andrade e Mariana Canotilho, ambos professores na Universidade de Coimbra. Canotilho, por exemplo, defende que a Constituição “não se refere em local algum à capital do país”, e que a “localização dos órgãos do Estado é matéria estritamente política”, sendo que o TC, assim, “atribuiu-se uma competência que devia competir ao legislador”.

Rio critica parecer de juízes do TC e acusa PS de se abster só devido às eleições

Rui Rio, entretanto, já reagiu à divulgação do parecer através da sua conta na rede social Twitter. “Só falta dizer que o TC não deve ir para a província; o termo que no tempo da outra senhora, se usava na capital para falar do resto do País. É tão triste olhar para o País assim”, escreveu o Presidente do PSD.

Mais tarde, na pausa de uma ação de campanha em Aguiar da Beira (Guarda) devido à chuva, Rio teceu mais algumas considerações. “Devo fizer que fico entre o termo triste e desolador, se calhar mais triste. Se as pessoas pensarem no que isso quer dizer, a maioria dos juízes do TC dizem que, se o TC estiver fora de Lisboa, isso é desprestigiante”, afirmou Rio, considerando que tal posição “desprestigia quem pensa assim”.

O líder do PSD salientou que este parecer já tem algum tempo e mereceu, na altura, o voto contra do presidente do TC, Manuel Costa Andrade, tendo sido aprovado pela maioria dos juízes.

“Quando era miúdo, em Lisboa dizia-se ‘vou à província’. Com o 25 de Abril fomo-nos concentrando se calhar ainda mais, mas pensei que isso tinha desaparecido. O TC estar em Coimbra é como antigamente se dizia estar na província”, criticou.

O líder do PSD frisou que, na Alemanha, o TC está em Karlsruhe, “mais pequena que Coimbra” comparativamente.

“Ou seja, o Tribunal Constitucional português tem mais prestígio que o alemão”, ironizou.

Quanto à posição anunciada pelo PS na TSF - de se abster apesar de criticar o PSD por não apresentar estudos que sustentem a deslocalização -, Rui Rio lamentou essas críticas e disse que podem indiciar uma posição apenas para efeitos de campanha autárquica.

“Esse argumento do PS não faz sentido. O que estamos a falar são poucos recursos humanos, tudo é ajustável, não é para mudar no dia seguinte”, apontou, dizendo que o objetivo do PSD é que essa transferência ocorra não até final de 2022 (como estava na versão inicial do projeto entregue há um ano) mas até ao fim de 2023.

Rui Rio considerou que se o PS faz essas críticas, mas se abstém, tal poderá indiciar uma mudança de posição se o diploma avançar para a fase da especialidade.

“Temo que só se está a abster porque há eleições e depois, na votação final global, vai votar contra porque já foram as eleições e já deu para enganar as pessoas, não só de Coimbra, mas de Portugal inteiro”, afirmou, reiterando que o PS “não vai mudar nada”.