Se tem acompanhado as notícias sobre o conflito na Ucrânia em diferentes meios de comunicação social, principalmente internacionais, pode ter reparado que o nome da capital do país nem sempre é escrito e pronunciado da mesma maneira, podendo assumir duas formas: Kyiv e Kiev. E não se trata apenas de uma questão de tradução, é bem mais complexo do que isso, pois as duas formas do nome da cidade estão enraizadas na História.
A razão para esta diferença está ligada a séculos de evolução linguística numa região que integrou os impérios mongol, lituano, polaco e russo durante o último milénio.
Kiev é a versão da ortografia russa, enquanto Kyiv é como os ucranianos se referem à capital. Ou seja, Kiev é baseada na transliteração do cirílico russo Киев e tornou-se o nome internacionalmente aceite nos tempos do império russo e subsequente União Soviética. E, por sinal, a questão da divergência na grafia e na pronúncia não se resume apenas à capital ucraniana, estendendo-se a outras zonas e cidades do país.
Relembra-se que a Ucrânia obteve a sua independência em 1991, na sequência da dissolução da União Soviética e, até então, a grafia da capital do país era Kiev. Por estar associada ao domínio por parte da União Soviética, nos últimos anos, cada vez mais meios de comunicação, governos, aeroportos e dicionários têm vindo a alterar a ortografia para a variante ucraniana.
É verdade que cada língua pode ter nomes de cidades estrangeiras bem diferentes da versão original (todos chamamos “Londres” e não “London” à capital britânica, por exemplo, tal como os ingleses chamam “Lisbon” a Lisboa”), mas neste caso estamos perante uma cidade que não tem nome próprio em português. “Kyiv” ou “Kiev” acaba por comportar um peso político quando a questão se coloca da seguinte forma: estamos a usar o nome ucraniano ou o nome russo?
"Quando conheço alguém novo, gosto de pronunciar o seu nome da forma que querem que seja pronunciado na sua língua, e é por isso que penso ser correcto pronunciá-lo o mais próximo possível do ucraniano: 'Kyiv'", disse Andrii Smytsniuk, professor de língua ucraniana na Universidade de Cambridge, citado pelo The Guardian. "Muitos ucranianos veem isto como um sinal de respeito pela sua língua e identidade", acrescenta.
Em 2019, a Ucrânia aprovou uma lei que reconhece o ucraniano como a língua oficial do Estado e das comunicações públicas no país. No entanto, tal não significa que o russo seja proibido, e muitos ucranianos falam ambas as línguas no seu dia-a-dia. Todavia, a afirmação do nome da sua capital, bem como da sua língua estatal, representam sinais de reconhecimento da soberania do país perante a comunidade internacional.
Kyiv not Kiev (Kyiv, não Kiev) é inclusivamente o nome de uma campanha lançada, em 2018, pelo governo ucraniano, que tinha como objetivo assegurar a aprovação internacional do nome da capital, por forma a reafirmar internacionalmente a identidade ucraniana.
Meios de comunicação como New York Times, Associated Press, Economist, Guardian, entre outros, responderam à campanha adotando Kyiv. Um ano depois, também o governo norte-americano começou a usar oficialmente essa designação.
As duas formas, Kiev e Kyiv, existem e, em Portugal, tal como em muitos outros países, tem sido mantida a grafia Kiev para referir a capital ucraniana, sem visar qualquer associação política. Esta questão, porém, tem vindo a ser cada vez mais debatida - até mesmo nas redes sociais - não só pelas campanhas dos últimos anos levadas a cabo pela própria Ucrânia que pretende reafirmar a sua soberania, mas especialmente pela recente invasão do país.
Vários meios de comunicação social, como é o caso do Daily Mail, só adoptaram a ortografia Kyiv durante a atual invasão da Ucrânia, razão pela qual as pessoas a poderão ver agora de forma mais regular.
Atualmente, o Twitter tem vindo até a registar uma grande difusão do hashtag #KyivNotKiev, não só em publicações que apelam à ratificação como também de muitas outras que dão conta da atualização da situação de guerra vivida no país e na capital.
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