Bem vestido, de olhos azuis e sorriso charmoso. Pianista premiado, pratica boxe francês e é fã de futebol. É inteligente e milionário. Os gauleses estão a apaixonar-se por ele, sendo o candidato preferido para vencer Marine Le Pen na segunda volta das eleições francesas neste domingo, 7 de maio. No primeiro round do combate presidencial, a 23 de abril, conseguiu ficar à frente, com 24,01% dos votos, enquanto Marine Le Pen somou apenas 21,30%. No regresso ao "ringue" as sondagens dão-lhe a vitória com uma margem de dez pontos percentuais. Mas nada é certo.
Até porque, ser bonito não lhe garante imunidade às polémicas, mesmo àquelas que parecem vir de algures na Rússia. As suspeitas já circulavam pela internet, mas foi no debate com Marine Le Pen, no dia 3 de maio, que o golpe final foi lançado: Macron vai processar todos os que falarem no assunto.
Difamação, diz o candidato. Difamação com origem em sites russos, acrescenta a equipa de Macron. São documentos com a alegada assinatura de Macron que a equipa do candidato veio já dizer serem falsos. Na quinta-feira (4/05), Macron disse na rádio francesa que as acusações eram “notícias falsas e mentiras”. Acrescentou também que alguns dos sites que as divulgaram estão “ligados a interesses russos”.
Depois da queixa por difamação, a justiça parisiense iniciou as investigações por causa de “notícias falsas com o objetivo de influenciar o sufrágio. Numas eleições altamente dramáticas, esta é só mais uma polémica a encher o enredo.
Emmanuel Jean-Michel Frédéric Macron nasceu em Amiens, no norte de França, a 21 de dezembro de 1977. É o mais velho de três irmãos. O pai, Jean-Michel Macron, é professor de neurologia na Universidade de Picardie Jules Verne. A mãe, Françoise Macron-Nouguès, é médica.
Aos 39 anos, já foi banqueiro, conselheiro de François Hollande (o atual presidente da República Francesa), e ministro da Economia e Finanças de Manuel Valls (o então primeiro-ministro). Ligado ao Partido Socialista francês desde os 24 anos, mas com propostas que agradam à direita, decidiu no verão do ano passado criar o seu próprio movimento que diz não ser nem de um lado nem do outro.
A candidatura, essa, só a anunciou em novembro de 2016. Macron denuncia um sistema bloqueado por “lógicas politiqueiras” e apresenta-se como um outsider, como alguém que vem de fora do mesmo sistema tradicional criticado por Le Pen (extrema-direita) e Mélenchon (extrema-esquerda).
“Sou candidato à presidência da República porque creio, mais que tudo, que podemos ter êxito”, disse na apresentação da candidatura. E adianta que o projeto se coloca “sob o signo da esperança”, apelando ainda ao fim do “status quo” político para responder aos desafios daquilo a que chama uma “nova era”.
Apesar do mistério inicial, a decisão de se candidatar às chaves do Élysée (o equivalente ao nosso Palácio de Belém) já era esperada desde que se demitiu do governo de Valls em agosto de 2016 para fundar o En Marche!, ou Em Marcha!.
“Vi do interior o vazio do nosso sistema político (…), avaliei o que custa recusar as regras obsoletas de um sistema de clãs que se tornou o principal obstáculo à transformação do nosso país”, disse o antigo banqueiro de investimento. Macron apela a uma “revolução democrática profunda” para não se utilizarem as “receitas do século passado”.
A ascensão de Macron valeu-lhe a atenção do ‘Financial Times’, que o pôs em quarto lugar entre os jovens mais influentes no mundo dos negócios. “O jovem rebelde provocou indignação ao desafiar o governo socialista de França a abandonar as queridas ortodoxias do estado-social e abraçar a criação de riqueza”, escreve o jornal na lista “40 under 40”.
A subida de Macron parece surpreender, mas desde cedo que se tem destacado. Foi um aluno brilhante. Licenciou-se em Filosofia e depois ingressou na École Nationale d’Administration, a escola da elite francesa. Completou os estudos como um dos cinco melhores alunos daquele berço dos líderes gauleses.
Antes disso, porém, começou uma história de amor que ainda hoje apaixona sobretudo a imprensa cor de rosa. É que aos 15 anos, o jovem Emmanuel conheceu Brigitte Trogneux, a sua professora de Francês, casada, com três filhos e 24 anos mais velha, com quem acabaria por casar em 2007.
Emmanuel Macron estava então no 10.º ano e a professora era também a responsável pelo clube de teatro da escola jesuíta de Amiens que o então rapaz frequentava. “Não era como os outros. Estava sempre com os professores”, diz Trogneux num documentário sobre a ascensão meteórica de Macron. “Ele não era um adolescente”, acrescenta. O “casal singular”, como lhe chama alguma imprensa gaulesa, esteve em Lisboa no final do ano passado para umas férias na quadra festiva.
Mas a história teve alguns momentos complicados, ou pelo menos assim conta um livro que vem dar alguma luz ao assunto. Aos 17 anos, o jovem ter-se-á declarado à professora e prometido que um dia havia de casar com ela. Os pais de Macron, porém, não terão gostado da ideia e pediram à mulher para que se afastasse do filho. Emmanuel é, então, enviado para Paris, onde termina o ensino secundário, antes de ingressar na licenciatura em Filosofia.
A verdade é que anos mais tarde, Brigitte se divorcia do marido e casa mesmo com o ex-aluno. Macron orgulha-se dos sete netos, dos três filhos de Brigitte.
Tudo isto acontece num país que não costuma dar importância à vida amorosa dos seus políticos. Desde que se mantenham honestos. Por isso, quando rumores de que, na verdade, a relação com Brigitte Trogneux era um embuste para esconder um caso extraconjugal com Mathieu Gallet, chefe executivo da Rádio França, Emmanuel Macron viu-se obrigado a negar os rumores.
O problema não estava no facto de Macron ser homossexual. Pelo contrário, o que os franceses viram com maus olhos foi a possibilidade de o candidato presidencial estar a mentir; de estar a usar a sua história de amor adolescente tornado casamento para colher popularidade e, com isso, votos.
“Se disserem que levo uma vida dupla com o senhor Gallet é porque o meu holograma escapou”, disse Macron numa reunião com ativistas do movimento que lidera. O assunto já não é novo, porém, as últimas suspeitas parecem ter sido levantadas pelo site de notícias russo ‘Sputnik’, que pega em alegadas declarações de um deputado do partido Republicano francês, do adversário François Fillon.
Se o objetivo era realmente atacar a imagem de Macron, não sabemos. Mas também não resultou. O candidato do En Marche! lidera nas intenções de voto na primeira volta do sufrágio e na segunda, em maio, deverá derrotar Le Pen com mais de 60% dos votos, segundo as sondagens - sondagens que depois dos resultados inesperados com o Brexit e a eleição de Trump devem ser lidas com cautela.
Depois da licenciatura, Macron vai então para a Escola Nacional de Administração e daí segue para a Inspeção-Geral de Finanças, um organismo de administração pública francesa.
Mas lá não ficou durante muito tempo. Em 2008, Emmanuel Macron vai trabalhar para o grupo bancário Rothschild, onde guiou a venda do negócio da alimentação da farmacêutica americana Pfizer à suíça Nestlé, no valor de 9 mil milhões de euros. Terá ficado milionário no processo.
Quatro anos depois de chegar à Rothschild, François Hollande, vencedor das eleições presidenciais de 2012, leva-o para o palácio do Eliseu, para ser chefe-adjunto do pessoal. Em 2014, o também socialista Manuel valls, então o primeiro-ministro francês, chama-o para o lugar de Arnaud Montebourg, o ministro da Economia e Finanças que vinha da ala mais à esquerda do PS francês.
As ligações à banca granjearam-lhe alguma desconfiança dos camaradas mais à esquerda no Partido Socialista (PS). Mas também as suas medidas laborais criaram algum desconforto e iam derrubando o governo de Manuel Valls com uma moção de censura.
No verão do ano passado, enquanto ainda era ministro da Economia, foi atacado por opositores à reforma da lei do trabalho. Os manifestantes atiraram-lhe ovos durante uma visita oficial a Montreuil, a leste de Paris. Na mesma altura, várias polémicas ensombravam as perspetivas do recém lançado movimento En Marche! (isto numa altura em que Macron não tinha ainda anunciado oficialmente a sua candidatura ao Eliseu).
As câmaras da televisão francesa BFM captaram o momento em que o então ministro da Economia diz a dois grevistas em protesto contra a lei do trabalho que “a melhor forma de pagar um fato é trabalhar”. “O meu sonho é trabalhar”, diz o interlocutor de Macron.
As palavras caíram mal no país e as redes sociais não perderam tempo para criticar o jovem ministro. Há quem o compare ao Lobo de Wall Street, a personagem interpretada por Leonardo DiCaprio no filme de Martin Scorsese, baseado na história verídica de Jordan Belfort (que acabou preso por fraude e lavagem de dinheiro). É que Macron está envolvido nalguns problemas precisamente por causa de dinheiro.
Conta o jornal francês ‘Le Figaro’ que depois de ano e meio a discutir com a administração fiscal gaulesa, Emmanuel Macron terá admitido que ia pagar o chamado “imposto sobre fortuna”, a que se escusara por ter declarado valores abaixo dos 1,3 milhões, a referência para o imposto criado pelo ainda presidente François Hollande.
Os serviços fiscais reavaliaram o património do casal Macron, tendo o agora candidato presidencial de pagar retroativos sobre a fortuna, referentes a 2013 e 2014. No passado, Macron criticou o imposto de Hollande, dizendo que a supertaxa fazia de França uma “Cuba sem o sol”.
Porém, as contas de Emmanuel Macron agora são outras e as propostas do programa para a presidência variadas. Para a função pública quer permitir aos atores no terreno que desempenhem as suas funções de forma diferenciada, personalizada e adaptada às necessidade dos franceses, pode ler-se no site.
Se for eleito propõe também medidas que impulsionem a economia francesa, como por exemplo cortar o peso dos impostos às empresas. Mas também diminuir os impostos sobre os trabalhadores com rendimentos mais baixos.
Para os próximos cinco anos prevê 50 mil milhões de euros em investimento público. Macron quer poupar 60 mil milhões diminuindo o desemprego para os 7% (no último trimestre de 2016, segundo os dados mais recentes, esteve nos 9,7%).
Para a educação desenha sete objetivos, entre eles: fazer das creches um instrumento na luta contra as desigualdades; priorizar o ler, escrever e contar desde o pré-escolar, o jardim de infância e a primária, nomeadamente diminuindo para 12 (metade do número atual) o número máximo de alunos por turma; garantir a cada jovem uma inserção com sucesso no mercado de trabalho; melhor acompanhar os professores; reforçar a autonomia das escolas e reforçar a relação com os pais.
Para além disso, propõe ainda criar um passe cultural de 500 euros para todos os jovens de 18 anos, que lhes aceder a museus, teatros, cinema, concertos livros ou música.
Macron tenciona, se for eleito, apresentar até ao final do ano uma lei restabelecendo o serviço militar obrigatório e universal, envolvendo cerca de 600.000 jovens anualmente. A medida não figurava no programa eleitoral de Emmanuel Macron, mas é defendida há algum tempo pelo centrista François Bayrou, que abdicou de se candidatar para apoiar Macron.
O candidato independente anunciou também a intenção de aumentar o orçamento da Defesa para 2% do Produto Interno Bruto (PIB), contra 1,8% atualmente, até 2025. Mas, precisou, a reintrodução do serviço militar obrigatório, com um custo que estimou em dois mil milhões a três mil milhões de euros anuais, não será financiada pelo orçamento da Defesa.
Com a segurança nacional na ordem do dia, Macron propõe recrutar 10 mil polícias suplementares nos próximos cinco anos, efetivos que serão alocados em primeiro lugar às zonas prioritárias.
Os dados estão lançados, mas o currículo brilhante no mundo dos negócios não o prepara propriamente para um cargo político. É que Macron nunca foi eleito para nenhum cargo público e é muito mais novo que todos os seus antecessores da Cinquième République.
Superou a primeira prova, conquistando 24,01% dos votos na ronda de 23 de abril. Agora, apoiado por toda a gente, da esquerda à direita está mais perto de ser o próximo presidente de França. Todavia, o apoio que o aproxima do Eliseu é a mesma força que o afasta desse tal Macron independente, que vinha de fora do sistema.
François Hollande (atual presidente socialista), Nicolas Sarkozy (antigo presidente republicano) e até Barack Obama, o anterior presidente dos Estados Unidos da América, já vieram declarar o apoio a Macron.
Numa intervenção de última hora, no final da campanha para a votação de domingo, Obama expressa o apoio ao candidato porque “o sucesso de França importa ao mundo inteiro”, diz num vídeo divulgado no Twitter. Macron porque apela “à esperança e não ao medo das pessoas”, diz o antigo presidente, sucedido por Donald Trump no início deste ano.
Mas o apoio vem de muitos mais lados: do antigo ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, ao ex-primeiro-ministro português Pedro Passos Coelho,
Na passada terça-feira, 3 de maio, um debate de mais de duas horas opôs Macron e Le Pen na televisão francesa. O combate foi duro. Duríssimo. Ainda assim, os media franceses viram em Macron o vencedor. Todavia, nenhum deles saiu bem da fotografia.
No meio de ataques pessoais, discordaram no futuro que querem para o país. Como resolver a economia, como resolver o terrorismo, como resolver a França? Le Pen chamou arrogante, mimado, banqueiro de sorriso malicioso que conspira com os islamistas, complacente com o terrorismo, acusando o antigo ministro de Hollande de querer desmembrar o país a favor dos “grandes interesses económicos”.
Macron não ficou atrás: mal informada, corrupta, perigosamente nacionalista, mentirosa cheia de ódio que se alimenta da miséria de França que há de trazer uma guerra civil ao país, disse o candidato no debate, que foi visto por 16,5 milhões de pessoas.
Nos dias a seguir à primeira-volta, Macron contrariava a ideia de alguns comentadores de que a vitória na segunda ronda estava certa: “Nada está ganho. É preciso lutar!”. Na reta final, as sondagens continuam a dar-lhe a vitória. Mas o próximo presidente de França é escolhido por votos expressos e não por percentagens de intenções de voto.
[atualizado a 5 de maio com informação sobre o resultado da primeira volta, bem como da campanha para a segunda volta]
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