O dia eleitoral começou para muitos parisienses com uma preocupante dúvida sobre o nível de participação. Nas redes sociais, muitos foram os que notaram uma afluência mais baixa no momento de votar, comparado com a primeira volta. Perto da estação de metro Botzaris, na escola do bairro da rua Villette, no Paris 19, o responsável pela mesa de voto tranquilizou os votantes angustiados que temeram que uma fraca participação favorecesse Marine Le Pen, candidata da Frente Nacional. "A participação é honrosa". Será?
A incógnita à volta da abstenção foi sem dúvida o maior aliado da candidatura da extrema-direita. O socio-físico Serge Galam, que tinha previsto através da análise a big data a surpreendente vitória de Donald Trump nos EUA, considerou que a vitória da Marine Le Pen não era de descartar. Entrevistado pela revista Le Point, sugeriu que para “os eleitores de Fillon e de Mélenchon (...) votar Macron na segunda volta representa um custo ético e ideológico. (...) Pode haver uma abstenção não assumida." Abstenção que poderia contrariar fortemente as previsões dos institutos de sondagem.
No Parque das Buttes Chaumont, no bairro da escola La Villette, bairro cultural e socialmente cosmopolita, os parisienses aproveitam o fim de três horas seguidas de chuva para arejar. Mesmo assim o assunto favorito dos franceses, a meteorologia, não é o tema que voa no ar. Num banco, com um olhar severo e preocupado, uma mãe de família, rodeada do marido e do filho, desabafa que a eleição lhe foi roubada. Quer conservar o anonimato e guardar em segredo a identidade de quem votou na segunda volta. Porém, não demora muito a perceber que o casal escolheu François Fillon na primeira volta, mais por dever e lealdade ao partido que por adesão ao candidato. Não têm palavras mansas para criticar os jornalistas que "roubaram" o debate aos franceses obcecados, dizem eles, pelo "Penelopegate".
"O Macron é o candidato dos media, não há dúvida”, referem.
Como no clímax de uma produção hollywoodiana, a menos de 48h do desfecho eleitoral o fórum anónimo 4chan publicou 9 gigabytes de documentos privados da equipa de campanha do "En Marche", movimento liderado por Macron. Divulgados por Jack Posobiec, militante americano pró-Trump, e partilhados sem escrúpulos pelos militantes e quadros da Frente Nacional, esta "jogada de Poker" teve pouco impacto sobre o ambiente geral do jogo eleitoral. Mesmo se existisse algo nestes documentos que colocasse em causa a integridade de Emmanuel Macron, a comissão eleitoral pediu para que fosse respeitado o silêncio republicano que prevalece nas últimas 48h de um escrutínio. Silêncio respeitado por todos os meios de comunicação franceses, sem exceção, o que confirma, para alguns, o estatuto de Macron enquanto candidato protegido pelo sistema.
De volta ao Parque das Buttes Chaumont, um casal de idosos, habitantes da rua Botzaris desde 1931, ali perto, conversam secretamente com uma vizinha conhecida desde 1969, ela com 57 anos. Sente-se alguma suspeita no olhar quando se lhes pergunta em quem votaram. A resposta obtida não deixa margem para dúvidas. "Chegou a hora de ter uma mulher no poder, os homens só se metem em confusão", referem. Macron é chamado de todos os nomes e nenhum crédito lhe é dado. "Com este carapau vai ser uma confusão, ele nunca terá uma maioria para governar", acrescentam. Uma vez mais, o anonimato é pedido — ser de extrema-direita em Paris não permite assumir as suas convicções.
A nível nacional, Paris não representa mais do que a si própria no que às intenções de voto diz respeito. Na primeira volta de 23 abril, o voto na extrema-direita nem chegou a 5% dos votantes. Antes pelo contrário: a capital francesa, “cidade mundo” por definição, simboliza para a maioria uma "Babilónia dos tempos modernos" que perdeu toda a noção da realidade quotidiana vivida pelo francês de classe média. Emmanuel Macron venceu aqui na primeira volta, com com 34,83% (10 pontos acima do resultado nacional), seguido do François Fillon, do partido conservador "Les républicains" e de Jean-Luc Mélenchon do movimento "Les Insoumis".
Às 17h, o alívio começa a aparecer nas redes sociais, por parte dos partidários de uma derrota da Frente Nacional. Como é hábito, as primeiras projeções começam a surgir e os jornais belgas e suíços, que não têm obrigação de respeitar o silêncio imposto pela lei eleitoral francesa, anunciam a vitória de Macron, com 62% a 64% dos votos.
A derrota de Marine Le Pen, depois do desastroso debate presidencial da quarta-feira passada, parece confirmar-se.
Os últimos dias de campanha de Le Pen foram um verdadeiro pesadelo. Durante uma visita à Catedral de Reims, no norte de França, aconteceu algo de inédito e fatal para a imagem da filha de Jean-Marie. Jovens militantes alegadamente ligados à esquerda acompanharam a sua saída da igreja com gritos de "Marine, devolve o dinheiro" (gritos, esses, que antes estavam reservados a François Filllon). A deputada europeia da Frente Nacional é acusada de utilizar indevidamente o orçamento consagrado aos assistentes parlamentares. As imagens da fuga da candidata falam por si. Por outro lado, um jornalista italiano do Il Corriere della Serra assegura que, durante uma entrevista, Marine chamou François Fillon de "Merda". “Last but not least” as últimas sondagens autorizadas na passada sexta-feira indicam uma subida das intenções de voto para o oponente Macron.
Na bonita esplanada do Pavillon du Lac, dentro do Parque, uma família aceita finalmente dar a cara. São os Deltour, pai, mãe e filha. O pai, habituado a votar no partido da direita, “Les Républicains”, escolheu Macron desde a primeira volta. O jovem candidato representa, segundo ele, uma França moderna, virada para Europa, que tem em conta a realidade económica de um mundo "mundializado". A filha, habituada a votar no Partido Socialista, votou como o pai pela primeira vez. O jovem candidato uniu politicamente esta família parisiense pela primeira vez. Este momento de paz na família será de curto prazo, uma vez que as legislativas tornam-se rapidamente num momento de discórdia. Votar ou não no movimento “En Marche”? Esta é a questão.
Na Praça da Pirâmide do prestigioso Palácio do Louvre, os primeiros militantes do movimento “En Marche” começam a chegar. Pela primeira vez na história da Quinta República Francesa, a esquerda não festeja uma vitória na praça da Bastilha, ou a direita na praça da Concórdia. É a hora do centro celebrar.
Às 20 horas, "hora H" dos primeiros resultados oficiais, Emmanuel Macron é oficialmente anunciado como o novo presidente da República Francesa, com mais de 65%. Num apartamento perto do Quai de Loire, sempre no Paris 19, um grupo de amigos reuniu-se. No instante em que as primeiras projeções são anunciadas, um peso enorme libertou-se do estômago de cada um. Todos votaram Macron na segunda volta. Para Marion, Christel, Jennifer e Tibo, o resultado desta noite é uma vitória de um democrata sobre o fascismo.
As reações não tardaram a chegar e o novo jogo eleitoral, o das legislativas, não dá fôlego. Enquanto uns asseguram o resultado obtido, outros tentam salvar o que lhes resta de potenciais votantes.
A primeira a aparecer é Marine, com um ar de quem já sabe há muito que não será desta. A finalista da corrida presidencial fala de "uma desagregação da paisagem política" e promete trabalhar, a partir desta data, para uma “recomposição das forças patriotas e anti-mundialistas”. Fala ainda da Frente Nacional como o principal partido de oposição ao novo Presidente eleito. O machado de guerra não é para enterrar.
Depois, a declaração da instituição que mais sofreu deste processo eleitoral, o Partido Socialista. Jean Cambadélis, primeiro secretário da rua Solférino, sede do partido, saúda a vitória clara do líder do “En Marche” e de uma República preservada. Mas ao mesmo tempo que realça "o espírito de diálogo necessário para juntar os franceses", especifica que ninguém se pode satisfazer com 11 milhões de votantes na extrema-direita.
Mélenchon e o movimento “Les Insoumis” depois de ter felicitado brevemente o novo presidente, declarou que hoje termina o mandato "mais lamentável de Quinta República", aludindo a François Hollande. Sem olhar para o PS, e apesar das divisões internas com os aliados comunistas, o patriarca da esquerda da Esquerda acredita que "uma nova maioria" em torno da referida ideologia política "é possível".
Na direita tradicional, os "Les Républicains", as reações são contraditórias. De um lado, o antigo candidato nas primárias da Direita, o ambicioso Bruno Le Maire, declara que estaria pronto para "trabalhar numa maioria presidencial" e acrescenta que "o momento é demasiado grave para sectarismos" e cores partidárias. Estas palavras não são do apreço de François Baroin, chefe dos conservadores para as próximas legislativas, que ameaça de exclusão quem estiver de olho na próxima maioria presidencial.
De volta ao apartamento do Quai de Loire, e chegado o momento do discurso do novo presidente, sente-se a emoção e o consolo de um desfecho feliz. Contudo, passada a alegria de ter evitado um desastre eleitoral, os 11 milhões de pessoas que votaram a favor da extrema-direita (melhor resultado de sempre de Frente Nacional), não deixam de preocupar. Por outro lado, a elevada taxa de abstenção, a maior registada em eleições presidenciais desde 1969, e os 12% de votos em branco (também um recorde), relativizam consideravelmente o plebiscito no novo Presidente. Por último, para estes parisienses do centro e da esquerda, votar no movimento “En Marche” nas próximas eleições legislativas, já em junho, é longe de ser óbvio.
Numa sondagem Ipsos/Spora Steria, publicada hoje, 61% das pessoas interrogadas não desejam que Emmanuel Macron obtenha uma maioria absoluta na Assembleia Nacional.
Ou seja, nada está feito...
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