Cerca de 700 mil pessoas estão já a receber ajuda alimentar e é necessária mais assistência de emergência, segundo o Programa Alimentar Mundial (PAM), que está a trabalhar com o Governo malgaxe e com outras agências humanitárias.
“As colheitas falham constantemente, por isso as pessoas não têm nada para colher e não têm nada para renovar o seu ‘stock’ alimentar”, disse a responsável pela comunicação do PAM em Madagáscar, Alice Rahmoun, citada pela agência de notícias norte-americana.
Mais de 90% da população da região do “sul profundo” de Madagáscar vive abaixo do limiar da pobreza, o que deixa as famílias extremamente vulneráveis, segundo a Amnistia Internacional.
“Todas as agências humanitárias estão a trabalhar juntas para tentar evitar que esta crise se transforme em fome”, disse o vice-representante da Unicef em Madagáscar, Jean-Benoît Manhes, à AP.
“Mas estamos a testemunhar uma deterioração que requer um aumento dos recursos”, alertou.
“Para dar uma ideia, nos meses de julho e agosto 14.000 crianças foram tratadas contra desnutrição aguda grave. Normalmente esse é o número de crianças que tratamos num ano inteiro”.
Quatro anos consecutivos de seca destruíram culturas e esgotaram as reservas alimentares nas comunidades agrícolas do “Grande Sul” de Madagáscar, explicou Manhes.
Os agricultores do sul de Madagáscar estão habituados a épocas secas, normalmente de maio a outubro, mas este ano está a ser muito pior, disseram alguns à AP.
O solo está tão duro que é difícil plantar milho, arroz ou mandioca, culturas que tradicionalmente se iniciam em novembro.
“É impossível cultivar aqui neste momento”, disse Nathier Ramanavotse, 68 anos, presidente da Câmara de Maroalomainty, no extremo sul de Madagáscar.
Segundo o autarca, “não há outro trabalho para fazer dinheiro” e muitas pessoas comeram as suas sementes porque é a única coisa comestível que têm em casa. “É uma tentação insuportável quando se tem fome”.
Muitas famílias viraram-se para soluções de último recurso para sobreviver, como comer folhas de cato ou tubérculos.
“Estamos a comer coisas de que nem sabemos os nomes. Para ter água temos de escavar no rio Mandrare, que está muito seco no momento, e dá muito trabalho”, disse outra residente, Liafara, que tem apenas um nome.
Mãe de cinco filhos, Liafara, 37 anos, diz que é difícil esticar a comida para alimentar a família.
“Se tivermos um bocadinho de dinheiro, compramos arroz para comer à noite. Cozinhamos com muita água para partilhar entre todos”, contou. “Mas muitas vezes à noite não conseguimos dormir. Damos voltas na cama porque temos fome”.
A família vive em Amboasary-Atsimo, epicentro da crise alimentar onde 14.000 pessoas vivem em condições catastróficas, segundo as últimas estatísticas do PAM.
“Os meus filhos, como todos os da aldeia, estão muito fracos. Neste momento já não vão à escola porque não conseguem concentrar-se devido à fome. Vendemos o que temos em casa para comer. Já não temos mobília. Até já vendemos a porta de casa para obter algum dinheiro”, disse.
Estima-se que mais de 500.000 crianças com menos de cinco anos no extremo sul de Madagáscar venham a sofrer de desnutrição aguda até abril de 2022, segundo o Quadro Integrado de Classificação da Segurança Alimentar. Dessas, mais de 110.000 já sofrem de desnutrição aguda severa e precisam de ação urgente.
A organização não-governamental brasileira Fraternidade Sem Fronteiras instalou 14 centros nutricionais na região de Androy para alimentar e dar ajuda de emergência a crianças desnutridas.
“A situação não está a melhorar de todo”, disse Felly Zihal, coordenador do programa do grupo no sul de Madagáscar. “Há casos de crianças que praticamente já não têm carne. Já só têm o esqueleto e a pele”.
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