“Se calhar, nas últimas três décadas, não tivemos um número tão significativo de pessoas a manifestarem-se em plena Praça Velha, como estamos a ter hoje aqui. Isto demonstra que as pessoas começam a assumir as questões do trabalho como fundamentais”, afirmou, em declarações aos jornalistas, o coordenador do Sindicato dos Trabalhadores de Indústrias Transformadoras, Alimentação, Bebidas e Similares, Comércio, Escritórios e Serviços, Hotelaria e Turismo dos Açores (SITACEHT/Açores), Vítor Silva.
Os trabalhadores do comércio da ilha Terceira convocaram, pela primeira vez, uma greve de três dias específica para o setor, para reivindicar um contrato coletivo de trabalho “digno”, depois de as negociações entre o SITACEHT e a Câmara de Comércio de Angra do Heroísmo (CCAH) terem falhado.
Já tinham saído à rua, em manifestações, em outubro e janeiro, mas hoje o número de participantes foi mais do dobro das anteriores.
Durante mais de uma hora, com cartazes na mão, gritaram frases como “Tenham vergonha, merecemos um subsídio de alimentação”, “Não vamos desistir, continuaremos a lutar”, "Não podemos aceitar empobrecer a trabalhar” ou “Para os patrões são milhões, para os salários nem tostões”.
Segundo Vítor Silva, “mais de 200 pessoas” aderiram à greve, o que levou ao “encerramento de algumas superfícies” comerciais na sexta-feira.
“É a primeira greve dos trabalhadores das grandes superfícies comerciais. É um número muito significativo. Além disso, houve uma contrainformação terrível. Houve intimidação, represálias e uma tentativa de desmobilização muito significativa, mas mesmo assim não conseguiram”, frisou.
Sem resposta da CCAH à proposta de contrato coletivo de trabalho, o sindicato vai tentar negociar contratos “empresa a empresa”, mas se também falharem, admite novas manifestações, desta vez à porta das empresas, com folhetos em várias línguas, para “informar os clientes e os turistas das condições de trabalho que existem nos Açores”.
“O que eu prevejo, se nada for feito no imediato, é que vamos ter um verão muito quente do ponto de vista laboral, não só em relação à ilha Terceira, mas a outras ilhas dos Açores”, apontou.
Sandro Ferreira trabalha há 17 anos numa superfície comercial na ilha Terceira e aderiu à greve para reivindicar um contrato coletivo de trabalho que “dê algumas garantias” e proteja os trabalhadores no futuro.
“Já há algum tempo que não temos contrato coletivo de trabalho e o contrato coletivo de trabalho que foi assinado pelos vistos é ilegal e foi feito com um sindicato que não nos representa”, alertou.
Márcia Patrício já trabalhou numa grande superfície comercial, mas à semelhança de "muitas pessoas" abandonou o setor em busca de melhores condições de trabalho.
Juntou-se à manifestação em solidariedade com os antigos colegas, que diz estarem “desmotivados”.
“O comércio está pela hora da morte. Os preços são exorbitantes. O IVA foi retirado, mas o que é que eles fizeram? Aumentaram os preços dos produtos. Ninguém beneficiou. Fazem milhões e milhões de lucro e têm funcionários descontentes, que não têm vontade de ir trabalhar e quando não têm vontade de ir trabalhar não rentabilizam a empresa”, afirmou.
À luta dos trabalhadores do comércio juntaram-se ainda na manifestação as ajudantes de educação de Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e Misericórdias, que reivindicam um horário semanal de 35 horas.
“Vivemos uma grande discriminação. Nas mesmas instituições há funcionários que trabalham 35 horas e outros que trabalham 39. Ganhamos o mesmo vencimento e conseguimos ter, na mesma sala, horários diferentes”, justificou Marina Vieira.
Nos cartazes e nos cânticos foi deixada também uma palavra de solidariedade aos trabalhadores da cooperativa Praia Cultural, alvo de um processo de reestruturação, que prevê a redução de 65 a 80 postos de trabalho.
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