A diretora de informação do canal público estava há semanas debaixo de polémicas com a equipa do programa de investigação "Sexta às 9" e colocou esta segunda-feira o lugar à disposição. A saída foi aceite pelo Conselho de Administração (CA) da RTP.
Segundo o canal público, o Conselho de Administração "aceitou a saída de Maria Flor Pedroso do Cargo". Citada pela televisão, a jornalista explica, nos motivos invocados, que “face aos danos reputacionais” causados à empresa, não teria “condições para uma trabalho sério, respeito e construtivo, como sempre tem feito”.
“Após auscultação dos motivos invocados pela Diretora e exclusivamente por esses motivos, o CA considera que não tem outra alternativa que não seja aceitar essa decisão”, lê-se num comunicado da Administração da RTP, citado pelo canal público.
A equipa liderada por Gonçalo Reis destaca a “idoneidade” e o “currículo irrepreensível”, da jornalista, acreditando que “a linha editorial que vinha a ser seguida pela direção, assente num jornalismo objetivo e rigoroso, livre e independente, isento e plural, é a matriz de uma serviço público de excelência, em absoluto contraste com a crescente tendência para um jornalismo populista e sensacionalista”. Estilo que repudia “veementemente” e considera “imperativo combater”.
“O CA nomeará em breve uma nova direção à qual continuará a exigir a implementação das melhores práticas, para que o jornalismo feito pela RTP seja o mais completo, o mais sério, o mais credível e o mais isento, ao total serviço do público”, conclui o comunicado.
ISCEM, Sandra Felgueiras e o Conselho de Redação
O Conselho de Redação da RTP tinha convocado para hoje um plenário de jornalistas sobre o conflito entre a equipa do "Sexta às 9", coordenado pela jornalista Sandra Felgueiras, e a diretora de informação da televisão pública, Maria Flor Pedroso.
Em causa está um relato feito pela coordenadora do programa, em 11 de dezembro, numa reunião com o Conselho de Redação (CR) a propósito do programa sobre o lítio, em que adiantou que o "Sexta às 9" estava a investigar suspeitas de corrupção no âmbito do processo de encerramento do Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM), que passava pelo alegado recebimento indevido de "dinheiro vivo".
Nesse âmbito, Sandra Felgueiras acusou Maria Flor Pedroso de ter transmitido informação privilegiada à visada na reportagem [diretora do ISCEM, Regina Moreira], o que a diretora de informação da RTP "rejeitou liminarmente", de acordo com as atas do CR e com a posição enviada à redação pela diretora de informação da RTP na passada sexta-feira, a que a Lusa teve acesso.
Na posição escrita sobre a "verdade dos factos", Maria Flor Pedroso garante que "nunca" informou a diretora do ISCEM sobre a investigação.
"Nada foi falado sobre o contrato de compra e venda do imóvel ou outros dados da investigação. A diretora de informação limitou-se a defender os interesses da RTP ao tentar contrariar a recusa de uma entrevista", garante Maria Flor Pedroso, no texto.
De acordo com convocatória do CR da RTP, os membros do órgão consideram que "a gravidade dos acontecimentos revelados obriga à auscultação de todos os elementos da redação", pelo que é convocado um plenário de jornalistas para hoje com um único ponto da ordem de trabalhos: "situação DI/Sexta às 9".
Lítio e as eleições
A polémica começou antes. O presidente do PSD manifestou-se convicto de que o adiamento do programa da RTP “Sexta às 9” sobre lítio se deveu a “razões políticas”, depois de ter ouvido no parlamento a jornalista responsável pelo programa e a Direção de Informação.
Sandra Felgueiras afirmou que "era possível" ter emitido o programa "Sexta às 9" em 13 de setembro com o tema do lítio, acrescentando que antes o programa nunca tinha sido suspenso durante campanhas eleitorais. Já Maria Flor Pedroso afirmou no parlamento que "não chegou a informação de que havia notícia" sobre o lítio à direção da estação, referindo-se ao adiamento do programa 'Sexta às 9'.
"Esta direção de informação não guarda notícias na gaveta. À direção de informação, à coordenação da RTP, não chegou a informação de que havia a notícia X e que estava pronta para ir para o ar", disse Maria Flor Pedroso no parlamento sobre a emissão do programa 'Sexta às 9' que foi adiada para outubro.
A investigação em causa contou com o depoimento do antigo presidente da Câmara do Porto, Nuno Cardoso, que disse ter avisado, em reunião, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, e o secretário de Estado João Galamba das alegadas ilegalidades decorrentes da concessão da exploração de lítio a uma empresa que tinha sido recentemente criada.
Dois dias após o encontro, João Galamba assinou o contrato para a construção da refinaria de lítio, um negócio, segundo a investigação de Sandra Felgueiras, avaliado em, pelo menos, 350 milhões de euros.
Paralelamente, o episódio do “Sexta às 9” avançou ainda que o antigo secretário de Estado Jorge Costa Oliveira estava também ligado ao negócio, como consultor financeiro.
Mais de uma centena de jornalistas defende Maria Flor Pedroso
Entretanto, até às 18:00 de domingo, mais de 130 jornalistas tinham subscrito um abaixo-assinado em defesa de Maria Flor Pedroso, uma iniciativa que arrancou na sexta-feira e conta com nomes de profissionais de várias gerações e meios, desde Adelino Gomes, Henrique Monteiro, Anabela Neves, Francisco Sena Santos, Rita Marrafa de Carvalho, São José Almeida ou Sérgio Figueiredo.
"Confrontados com o grave ataque público à integridade profissional da jornalista Maria Flor Pedroso, os jornalistas abaixo-assinados não podem deixar de tomar posição em sua defesa, independentemente das questões internas da empresa onde é diretora de informação, que manifestamente nos ultrapassam", referem os 133 jornalistas que subscrevem o documento.
No abaixo assinado, com quatro pontos, os jornalistas - de várias redações - apontam que "Maria Flor Pedroso é jornalista há mais de 30 anos, sem mácula", uma "jornalista exemplar" e "reconhecida e respeitada pelos pares".
Os subscritores defendem que a diretora de informação da RTP "é uma das mais sérias profissionais do jornalismo português", tendo chegado "por mérito ao cargo que atualmente ocupa".
Maria Flor Pedroso é "defensora irredutível do jornalismo livre, rigoroso", "sem cedências ao mediatismo, a investigações incompletas, ou à pressão de poderes de qualquer natureza", sublinham no abaixo-assinado.
Recordam ainda que a profissional "foi escolhida pelos pares para presidir à Comissão Organizadora do 4.° Congresso dos Jornalistas Portugueses, uma iniciativa que se revelou um marco na discussão dos problemas da profissão".
Maria Flor Pedroso "é frontal", "rejeita favores" e "nunca foi acusada de mentir", salientam no seu abaixo-assinado.
*Com Lusa
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