Em entrevista à agência Lusa, a propósito de dois anos de mandato, assinalados hoje, o almirante antecipou as prioridades que a Marinha apresentará ao próximo Governo em 2024, ano em que será novamente discutido o sistema de forças.
A compra de mais dois submarinos "daqui a seis anos" está nos planos de Gouveia e Melo, que argumenta que a área geográfica portuguesa “assim o exige”.
“Os submarinos, além disso, permitem observar o ambiente sem mexer com o ambiente, porque ninguém sabe que eles estão lá, e isso é uma função muito útil para o Estado, que pretende controlar o seu mar também de forma discreta e descobrir atividades que não consegue descobrir de outra forma porque não tem uma capacidade de superfície que consiga realmente ocupar um espaço tão grande”, explicou Gouveia e Melo, submarinista.
Estes dois novos submarinos, que o CEMA pretende de menor dimensão, juntar-se-iam ao Tridente e ao Arpão, os dois únicos submarinos de que a Marinha dispõe atualmente, o que coloca dificuldades quando um deles necessita de reparações.
Quanto às fragatas, Gouveia e Melo assinalou que a atual Lei de Programação Militar já prevê verbas para a sua renovação e disse que pretende modernizar “mais duas no prazo de três anos”.
Em breve será assinado o contrato para a aquisição de dois navios reabastecedores, que serão simultaneamente “navios logísticos de transporte”, o que “poupa investimento mas dá mais capacidade” ao ramo, acrescentou.
Gouveia e Melo destacou ainda a aquisição dos seis Navios Patrulha Oceânicos (NPO), cuja assinatura do contrato foi entretanto marcada para o dia 29.
O CEMA disse que conta ter os patrulha oceânicos ao serviço da Marinha "em princípio em 2030, 2031”, navios que terão uma capacidade de guerra anti submarina que os quatro já construídos não têm.
“Estamos numa área crucial para os movimentos logísticos entre as Américas e a Europa e isso é crucial para o movimento logístico da NATO. Se nós portugueses, que temos os Açores, não participarmos ativamente na proteção dessas linhas de comunicação marítimas, sejam elas de dados, de transporte de carga ou de pessoas, de alguma forma estamos a diminuir o nosso valor estratégico dentro da própria coligação”, argumentou.
O primeiro dos seis navios, que chegará em 2026, tinha entrega inicialmente prevista para este ano, mas o processo atrasou-se depois de o Tribunal de Contas ter chumbado duas vezes o visto do contrato que o Ministério da Defesa pretendia celebrar com a IdD Portugal Defence – a ‘holding’ estatal que gere as participações públicas nas empresas da Defesa - para a gestão do programa de aquisição.
Ainda no início de 2024, a Marinha vai iniciar “o projeto de patrulhas de média dimensão” que vão substituir patrulhas mais envelhecidos e têm “um desenho muito próprio” concebido pela Armada.
Gouveia e Melo defendeu que estes patrulhas “podem certamente ser vendidos no Golfo da Guiné e noutras regiões que precisam daquele tipo de navios para começar a construir uma Marinha”, constituindo-se também como um “produto de exportação”.
Questionado sobre a atual crise política e que consequências pode ter nos investimentos da Armada, o almirante respondeu que “a instabilidade afeta sempre de alguma forma, mas afeta de forma temporalmente curta” e que “o que é importante é a conceção de um país que é marítimo”.
“Estou convencido que todos os governos, mais à esquerda ou mais à direita, com pequenas nuances, percebem esta necessidade, portanto, estou muito convencido que a longo prazo a estratégia não será afetada”, disse.
Gouveia e Melo alerta para "pressão psicológica grande" na Marinha e pede ao poder que ollhe para os militares
O chefe do Estado-Maior da Armada considera que a falta de efetivos na Marinha está a criar uma "pressão psicológica interna grande" e aconselha o poder político a olhar para as classes sem poder reivindicativo, como os militares.
Em entrevista à agência Lusa, por ocasião do segundo ano do seu mandato, que se cumpre hoje, o almirante Gouveia e Melo avisa que "um sistema político democrático equilibrado tem que conseguir perceber que quem não tem o direito a manifestar-se deve ser protegido". Se não o fizer, "pode causar uma distorção tão grande que pode ser perigoso para o sistema", alerta.
"Se o sistema democrático não perceber isto, também não percebe o que é democracia", conclui o chefe da Marinha.
Gouveia e Melo reconhece, por outro lado, que a Marinha tem "cerca de 1.500 efetivos a menos", dos aproximadamente 8.000 de que deveria dispor, que "fazem muita falta".
"Não podemos estar permanentemente a sacrificar as mesmas pessoas, exigir das mesmas pessoas, porque também há um processo de saturação natural. Uma coisa é exigir durante um período, outra coisa é exigir para sempre", desabafa o almirante chefe da Armada, afirmando sentir "muito orgulho" no seu pessoal.
Lembra que a marinha enfrentou os fogos, a pandemia e as operações "tudo em simultâneo", o que gerou uma "pressão psicológica interna grande" que o ramo tenta "aliviar e mitigar".
No entanto, este responsável militar lembra que "as Forças Armadas são profissionais e muito qualificadas" pelo que não podem recrutar recursos humanos não qualificados.
Questionado sobre o poder reivindicativo dos militares, quando comparado com o de classes profissionais como os professores, os médicos ou os funcionários da administração pública, o almirante que foi responsável máximo pela vacinação durante a pandemia responde que "as exigências que se pedem aos militares devem ser justamente recompensadas e não injustamente", mas alerta para desequilíbrios nos pilares do sistema democrático que podem gerar problemas no futuro.
"Esse desequilíbrio já causou perturbações noutras sociedades e nós vivemos um momento crítico das democracias, devemos estabilizar o que são os pilares da democracia e esses pilares devem estar estáveis", defende, avisando o poder para a existência de "muitos oportunistas que gostariam de desestabilizar esses pilares com falsas promessas, falsas soluções, soluções rápidas que podem ser contagiosas em determinados cenários".
Para concluir o raciocínio, Gouveia e Melo alerta que "a democracia na Europa pode ser colocada em causa no futuro". Diz mesmo que "dentro do bloco europeu há sociedades com sintomas quase de esquizofrenia não democrática", o que reforça a necessidade de defesa dos pilares do sistema democrático, nos quais as Forças Armadas se inserem.
"Temos de defender a democracia e temos de a defender todos os dias. Com bom senso e com equilíbrio de todos, mas ter cuidado em não deixar que uma parte da sociedade que não se pode manifestar, estatutariamente, para proteção da própria sociedade, não passe a ser um ‘underdog’ e a parte desfavorecida dessa sociedade só porque não se pode manifestar", defende.
Quanto às remunerações nos ramos, o chefe do Estado-Maior da Armada entende que são baixas, apesar de entender que "as remunerações têm de ser vistas num contexto nacional", cabendo aos militares "alertar para o problema", mas não resolvê-lo.
"Sou militar há 44 anos. Se tivesse sete vidas, eventualmente gastava uma vida a fazer outra coisa, mas voltava a fazer nas outras seis vidas a mesma coisa. Ser militar é muito mais que ganhar um ordenado, é uma vocação e é uma vida que nos enche com experiências que não existe em nenhum outro sítio", salienta, concluindo: "tem de haver vocação e sem vocação, por mais dinheiro que se pusesse, as pessoas não vinham para cá".
* Por Ana Raquel Lopes e José Pedro Santos (texto) e José Sena Goulão (fotos), da agência Lusa
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