“Estava um pouco preocupada... para dizer a verdade, bastante preocupada. Vieram-me à cabeça pensamentos como ‘porque é que não me inscrevi com um grupo?’ ou ‘o que é que vou fazer sozinha numa JMJ?’”. É assim que Martha começa por descrever ao SAPO24 a decisão de vir sozinha para Portugal, para participar no encontro de jovens com o Papa.
“Eu já tinha participado na JMJ de 2016 e sabia que se devia ir com um grupo, porque é muito mais divertido estar com alguém, ter alguém com quem falar, partilhar emoções, alegrias, pensamentos, fé e tempo”, evidencia. “Se formos com um grupo, crescemos juntos, ajudamo-nos uns aos outros, ficamos amigos”.
Ao início, tudo fazia crer que não seria assim, o que a deixou com receio de se “sentir muito sozinha sem um grupo”. Contudo, diz, o que aconteceu a seguir foi “providência”. “Consegui juntar-me a um grupo português. Com a ajuda de um padre que conhecia da JMJ de Cracóvia e com o coração aberto do povo português, pude juntar-me ao Grupo de Jovens de Dois Portos e Runa”, no concelho de Torres Vedras, explica.
Ao relembrar esse momento, Martha diz que se sente “a sorrir por dentro”, já que se sentiu acolhida “desde o primeiro momento”. Para isso ajudou também o facto de ficar em casa de uma família portuguesa, que já conhecia de uma outra breve vinda a Portugal.
“É preciso dizer que eu não falo português e não conhecia ninguém deste grupo da paróquia. E logo no primeiro encontro, na igreja de S. Pedro, para onde os meus ‘pais da JMJ’ portugueses me levaram, os jovens do grupo eram tão alegres e simpáticos que me fizeram sentir bem-vinda e com vontade de fazer parte. Até me apresentaram o meu tradutor pessoal”, recorda.
Quanto à família que a recebeu em casa, garante que nunca conheceu “pessoas tão simpáticas”. “Nem sequer encontro as palavras certas para descrever o amor que puseram em tudo o que fizeram por mim e o esforço que fizeram para que me sentisse em casa. Levaram-me até Fátima — ainda bastante longe — e, sabendo que eu adoro o mar, até me levaram duas vezes à praia em Santa Cruz”, enumera Martha. “A sua hospitalidade e a sua forma calorosa fizeram-me sentir em casa”.
“Se eu pensar no tipo de pratos e bolos diferentes que a minha mãe portuguesa fez especialmente para mim, já estou a ficar com fome outra vez”, confidencia.
Falar com “mãos e pés" também resulta
Num país em que não se percebe a língua, conseguir comunicar pode ser um desafio. Mas para esta peregrina tudo contava. Em casa, ninguém percebia inglês.
“Rimos muito porque estávamos a comunicar com ‘mãos e pés’ e com o Google Tradutor. Falo inglês, francês, polaco e alemão, mas não falo italiano, espanhol ou português. Nos primeiros três dias não percebi nada... nada mesmo! Foi bastante difícil. A mãe portugesa estava sempre a falar comigo e eu só arregalava os olhos sem perceber do que ela estava a falar. Com o grupo foi semelhante, mas aí eu tinha o meu tradutor e alguns dos jovens falavam muito bem inglês. Mesmo assim, se estavam a falar uns com os outros, eu estava a ouvir e não percebia”, recorda Martha.
No grupo, impôs-se um desafio: no final da Jornada Mundial da Juventude, a peregrina polaca tinha de saber dizer algumas coisas em português. “Tentaram ensinar-me, por exemplo, ‘chapéu verde’, porque era o que os voluntários usavam. E, de repente, comecei a compreender lentamente. Ou algo no meu cérebro fez clique e as palavras pronunciadas em português começaram de repente a ter raízes semelhantes às do francês, inglês e polaco, ou foi a grande amizade que cresceu e me fez começar a compreender. Estou convencida de que era a linguagem da amizade e do amor”.
Além do chapéu verde, Martha aprendeu a dizer outras coisas em português, embora o sotaque ainda a denuncie: “pequeno-almoço, comer, batata, frango, almoço, bolo, bandeira, vermelho, amarelo, verde, azul, espero, por favor, desculpa, onde?, sombra, frio, calor, água, eu adoro o mar, feliz, estou alegre”. E acrescenta, entre o português e o inglês: “Estou mesmo ‘alegre’. Vou ter muitas saudades da JMJ e de Portugal”.
O mundo coube todo em Lisboa
Para Martha, estar em Portugal, num evento com gente de todo o mundo, foi também uma forma de se encontrar com alguns amigos que não via há algum tempo.
“Separei-me do meu grupo português durante cerca de um dia para me encontrar com alguns amigos de Viena, do grupo de estudantes da Universidade Católica Austríaca KHG. Alguns deles são de facto austríacos, mas um é eslovaco, outro iraquiano, outro sueco. Consegui passar algum tempo com eles e dormi essa noite na escola onde eles estavam a dormir”, começa por contar. Mas não foi só.
“De manhã, deixei o grupo e encontrei a Julie, uma boa amiga de França que não via há sete anos. Encontrámo-nos na igreja de Santo António — o meu santo preferido, que por acaso também é português. Depois fomos juntas à Igreja da Graça para encontrar outra amiga que vive nos EUA e que entretanto se tornou irmã franciscana. Infelizmente não a consegui encontrar, mas encontrei um seu confrade e pedi-lhe para lhe enviar cumprimentos”, acrescenta.
Com tudo isto, o importante durante a semana foi desfrutar “cada segundo”. “O que mais gostei foi o facto de, apesar de estarem presentes países de todo o mundo com as suas diferentes mentalidades, a fé e o amor serem o que une toda a gente. Parecia que éramos todos irmãos e irmãs. Todas as nações com as suas bandeiras a vaguearem para se encontrarem num só lugar... os filhos do Senhor reunidos de todos os cantos do mundo para ouvirem o Evangelho de Deus proclamado pelo sucessor de São Pedro. Foi verdadeiramente edificante ver aquela unidade e alegria”.
Além de Lisboa, também Fátima, altar do mundo, ficou no coração de Martha. “Gostei muito A paz dos corações e a esperança nos olhos dos jovens na Via Sacra e nos campos era impressionante. Também foi muito comovente ver tanta gente ajoelhada à volta da capelinha a pedir perdão e a rezar pela ajuda de Deus através de Nossa Senhora”. E não tem dúvidas: “o tempo passado na JMJ em Portugal foi como um bálsamo para a minha alma”.
Polacos e portugueses… e os Papas
Já de volta a casa, Martha olha para Portugal e garante que o país não é assim tão diferente da sua terra natal. “Temos mentalidades muito semelhantes, as pessoas têm um coração muito aberto em ambos os países. E também já vi fotografias do traje popular português e é muito semelhante ao polaco e até mesmo algumas das canções populares”.
No campo da religião, há ainda outro aspecto que considera importante realçar. “O que une Portugal e a Polónia é também o amor a Nossa Senhora. O povo português tem apenas uma Rainha e é Nossa Senhora, tal como o povo polaco. Assim, parece que somos almas gémeas também porque temos uma e a mesma Rainha”.
Uma devoção que João Paulo II, polaco, também tinha. Devido às mesmas raízes, este é também um Papa que deixou marcas em Martha. “O que guardo de João Paulo II é a sua grandeza e o facto de ele dizer ao povo o que pensava. Lembro-me sempre da história de como chegou ao conclave, quase atrasado e com sapatos velhos. Isso mostra o que era realmente importante para ele: não a aparência exterior, mas a alma”.
E conta ainda outra história do seu conterrâneo. “Vem-me à cabeça a história do nosso Papa quando era professor na Universidade Católica de Lublin KUL, onde devia estar para fazer exames orais sobre ética com os alunos. Fora da aula, encontrou um aluno que estava à espera de fazer o exame. Este jovem nunca tinha estado presente nas aulas e confundiu-o com um outro estudante. Perguntou a João Paulo II — na altura ainda cardeal Karol Wojtyła — se o examinador era muito rigoroso, e depois, disse-lhe que não tinha ido às aulas durante todo o semestre porque estava a trabalhar para ajudar a família. Perguntou também ao futuro Papa, sempre a pensar que ele era um estudante, se ele era bom em ética. Wojtyła acenou com a cabeça e disse ‘bem, podia ser pior, acho que sei um bocadinho’”, recorda.
Depois, “o estudante perguntou-lhe se podia explicar-lhe o que era a ética para poder passar no exame com um examinador aparentemente rigoroso. Assim, o nosso futuro Papa sentou-se com ele e explicou-lhe tudo sobre ética. Discutiram o assunto durante muito tempo e o estudante fez muitas perguntas. Quando acabaram de falar, o Papa perguntou-lhe se podia ver o registo do exame do aluno — na altura, havia cadernos onde o examinador tinha de assinar. O aluno não percebeu porque é que ‘o seu simpático e inteligente colega’ lhe estava a pedir isso, mas o nosso futuro Papa explicou-lhe que era ele o examinador e que o deixava passar com uma boa nota”, termina Martha. “Gosto muito desta história, porque mostra como o nosso Papa era humilde. É também um exemplo de que devemos ser generosos, compreensivos e bondosos”.
Tal como João Paulo II, que criou a Jornada Mundial da Juventude, também o Papa Francisco tem sempre algo a dizer. E Martha reconhece-o. “O Papa Francisco está muito próximo dos jovens. Ele sabe que temos muitas preocupações e que temos de lidar com muitos problemas. Que duvidamos de nós próprios e não somos corajosos. No seu discurso, disse-nos que todos nós fazemos parte da Igreja. Todos nós e cada um de nós, todos, todos, todos”.
“Penso que o que ele quer que saibamos é que não nos devemos preocupar tanto com quem somos. Devemos preocupar-nos mais com quem somos aos olhos de Deus. Sim, pecámos, mas devemos levantar-nos e partir. Começar um novo começo. A mensagem do Santo Padre durante a JMJ em Portugal foi clara: não devemos ter medo, somos amados, somos importantes, somos redimidos por Cristo”, remata.
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