“Todos os compromissos de neutralidade carbónica, que Portugal foi o primeiro país do mundo a afirmar, são filhos do acordo de Paris”, afirmou João Pedro Matos Fernandes em entrevista à agência Lusa, a propósito dos cinco anos do entendimento alcançado em 12 de dezembro de 2015, salientando que “é óbvio que há muito por fazer”.
O ministro do Ambiente e da Ação Climática considera que o acordo “é a base do que é preciso fazer para travar as alterações climáticas”, apesar de reveses como a saída dos Estados Unidos durante a administração Trump, que o presidente eleito Joe Biden já prometeu reverter.
No entanto, afirma-se otimista para o que se passará no próximo ano em Glasgow, Escócia, quando chegar a hora de os signatários do acordo apresentarem os seus compromissos mais ambiciosos, as chamadas contribuições determinadas nacionalmente (NDC).
Matos Fernandes afirma esperar que os chefes de estado europeus cheguem a acordo para aprovar ainda este ano uma lei do clima e salienta que a China aponta para ser neutra em emissões carbónicas em 2060.
“Com isso, os três grandes blocos industriais do mundo vão mesmo no bom caminho”, refere Matos Fernandes, reconhecendo que no caso europeu, onde tem de haver unanimidade, há países, como a Polónia ou a Roménia, que esperam mais do fundo disponível para a transição para economia verde, deixando de contar com o carvão.
“Quero acreditar que a Europa vai conseguir ter esse acordo e, sobretudo, honrá-lo”, declarou, apontando outros pontos onde a transição para sair de economias baseadas nos combustíveis fósseis será mais difícil, como os países do Golfo Pérsico, dependentes quase em exclusivo da exploração de petróleo.
“Há mesmo muito para fazer no mundo, por isso é que é fundamental cuidarmos de duas coisas: primeiro, perceber que a questão das alterações climáticas não é futuro, é presente. Tem que haver verbas para a adaptação, já não vamos a tempo de investir tudo na mitigação. A segunda é auxiliar as economias que mais precisam e as outras que, não precisando, vão ser de facto muito alteradas”, considera.
Quanto a Portugal, que no seu Plano Nacional de Energia e Clima definiu 2050 como data para a neutralidade carbónica, Matos Fernandes reitera que o país tem “uma necessidade evidente” de ser exigente, uma vez que está a perder costa com o avanço do oceano e tem uma seca permanente a sul.
“Eu acredito que pode haver condições para, continuando a crescer, podermos ser neutros em carbono ainda antes de 2050. Acho que essa meta pode ser antecipada, mas não devemos andar sempre a brincar com as metas”, salienta.
O segredo poderão ser “as novas tecnologias que estão a chegar ao mercado e com as quais o roteiro [para a neutralidade carbónica] não contou”, refere, indicando que a pandemia da covid-19 pode agir como um fator de aceleração.
“Ninguém me peça para chamar oportunidade a uma pandemia que tem matado milhões de pessoas mundo fora, mas é um facto que resulta da pandemia a valorização de um conjunto de coisas para as quais andávamos alheados: o silêncio nas cidades, a qualidade do ar, as cadeias curtas de produção e consumo, o valor da ruralidade e a consciência de que não se pode discutir a longo prazo a saúde humana sem discutir em paralelo a saúde animal e ambiental”, afirma.
Se a pandemia não altera o rumo, pode permitir “que seja de facto alterado o ritmo” a que se caminha para a sustentabilidade, argumenta João Pedro Matos Fernandes.
“A banalização dos processos de baixo carbono vai poder ter um papel muito importante”, considera, apontando o exemplo da aviação, onde em 2030 poderão estar já em construção modelos elétricos, “avanços tecnológico com que não se contou e que muito provavelmente vão surpreender pela positiva num prazo muito antes de 2050″.
Recuando a 2015, o acordo conseguido saiu de “uma convergência de vontades que era difícil de imaginar”, recorda, frisando que “tudo parecia que nunca mais começava, depois que nunca mais acabava”.
“Ninguém era mais caloiro do que eu naquela sala. Tomei posse numa quinta-feira e no domingo à noite estava em Paris. Andámos muito à volta dos dois graus [de limite de aquecimento global até ao fim do século] e, já muito perto do fim, a ambição passou dos dois graus para o grau e meio. O que eu recordo é uma satisfação muito grande por um processo multilateral, como não havia precedentes”, e que se deve muito ao papel da diplomacia francesa, lembra.
Se na altura “a onda foi muito positiva”, seguiram-se reveses: “os Estados Unidos a dizer ‘não’, um crescimento das emissões logo a seguir”, a tonelada de carbono no mercado de emissões a descer de preço em vez de subir, como previram os especialistas.
“Obviamente, [a saída dos Estados Unidos] foi uma má notícia. Mas uma grande democracia como os EUA é muito mais do que a sua administração e por isso encontramos alguns dos estados, como a Califórnia, algumas cidades, como Nova Iorque, que sempre estiveram do lado de Paris, do cumprimento das suas metas e da maior ambição”, destaca.
“Mas caso o senhor Trump tivesse continuado como presidente, os estragos seriam muito maiores porque a política que vinha de trás, do senhor Obama, ia mesmo ser completamente dissipada, ia deixar de ter consequências positivas na economia e muitos poderiam vir a utilizar o fraco exemplo” dos Estados Unidos nos últimos quatro anos.
Mas Matos Fernandes destaca que “a primeira grande notícia positiva em prol dos objetivos de Paris foi mesmo o movimento estudantil” pelo clima, encabeçado pela jovem ativista sueca Greta Thunberg, mesmo que tenha suscitado um ativismo que considera mais regressivo que positivo.
“Aqueles que acham que se deve acabar com as democracias liberais para impor um modelo totalitário, de facto, não vão ter a sua satisfação e alguns dos que se dizem intérpretes, nomeadamente daquilo que diz a Greta Thunberg, que eu nunca ouvi dizer tal coisa, mas alguns que acham que são intérpretes dela em Portugal, de facto defendem um modelo de, no limite, fim do estado democrático e do estado de direito para impor as suas vontades”.
Matos Fernandes aponta para o crescimento da população mundial, que a cumprirem-se as previsões atingirá 10 mil milhões de pessoas em 2050 e considera que “para isso, a economia tem que crescer”.
“Não há outra forma de gerar bem-estar para este acréscimo da população se a economia não crescer. Não pode é crescer como no passado, tem que crescer neutra em carbono, gerado recursos e cabendo dentro dos limites do sistema terrestre, que já não vale a pena discutir”, defende.
“Isso significa que para cumprirmos as nossas metas, os nossos objetivos, temos que investir, a ideia não é voltarmos a viver numa gruta, a ideia é investirmos nas nossas casas por forma a que elas sejam neutras do ponto de vista energético, das emissões carbónica”, acrescenta.
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