Convidado a falar numa reunião do Conselho de Segurança sobre a guerra em Gaza, Christopher Lockyear traçou um retrato impressionante das consequências da guerra do ponto de vista humanitário e não poupou críticas abertas a Israel e aos Estados Unidos por se oporem um cessar-fogo.
O secretário-geral da MSF recordou os diplomatas que Israel bombardeou em diversas ocasiões os comboios humanitários dos MSF e prendeu os seus trabalhadores, o que significa que “a resposta humanitária em Gaza é uma ilusão, uma ilusão conveniente que perpetua a narrativa de que esta guerra está a ser travada de acordo com as leis internacionais”, negando enfaticamente que isso esteja a acontecer.
“Hoje, em Gaza, os esforços para se prestar assistência são ao acaso, oportunistas e totalmente inadequados. Como podemos prestar ajuda que salva vidas num ambiente onde a distinção entre civis e combatentes é desconsiderada?”, questionou.
“Como podemos sustentar qualquer tipo de resposta onde os trabalhadores médicos são alvo, atacados e difamados por ajudarem os feridos?”, acrescentou.
Por outro lado, Lockyear opôs-se à tese israelita de que os hospitais bombardeados pelo seu exército foram usados pelo grupo islamita Hamas como base operacional porque, segundo o representante dos MSF, não foi fornecida ”nenhuma prova verificada de forma independente”.
“Estes ataques indiscriminados, bem como os tipos de armas e munições utilizados em áreas densamente povoadas, mataram dezenas de milhares de pessoas e mutilaram outros milhares. Os nossos pacientes apresentam lesões catastróficas, amputações, membros esmagados e queimaduras graves. Eles precisam de cuidados sofisticados. Eles precisam de uma reabilitação longa e intensiva. Os médicos não podem tratar estes ferimentos num campo de batalha ou nas cinzas de hospitais destruídos”, frisou.
Lockyear sublinhou como os cirurgiões ficaram sem alternativa e tiveram de realizar amputações sem anestesia em crianças.
O secretário-geral dos MSF direcionou então as suas críticas para os Estados Unidos, que, como membro permanente do Conselho de Segurança, tem feito uso do seu poder de veto para bloquear resoluções que exigiam um cessar-fogo humanitário imediato em Gaza.
A situação mais recente aconteceu na terça-feira, com Washington a vetar um projeto proposto pela Argélia sob o argumento de que poderia interferir nas negociações pela libertação de todos os reféns detidos pelo Hamas.
“Reunião após reunião, resolução após resolução, este órgão não conseguiu resolver eficazmente este conflito. (…) Estamos chocados com a vontade dos Estados Unidos de usar os seus poderes para obstruir os esforços para adotar resoluções”, criticou Christopher Lockyear.
“Por três vezes este Conselho teve a oportunidade de votar a favor de um cessar-fogo tão desesperadamente necessário, e por três vezes os Estados Unidos usaram o seu poder de veto de forma consistente”, observou.
Na terça-feira, após o veto, a embaixadora norte-americana junto à ONU, Linda Thomas-Greenfield, anunciou que os Estados Unidos irão propor a sua própria resolução que pede um cessar-fogo “temporário” e “assim que possível” no enclave.
Mas essa opção foi criticada pelos Médicos Sem Fronteiras, que se opõem à instrumentalização do humanitarismo.
“O povo de Gaza precisa de um cessar-fogo, não quando for viável, mas agora. Eles precisam de um cessar-fogo sustentado, não de um período temporário de calma. Qualquer coisa abaixo disso é negligência grave”, advogou Lockyear.
“A proteção dos civis em Gaza não pode depender de resoluções deste Conselho com humanitarismo instrumentalizado para disfarçar objetivos políticos”, afirmou.
O secretário-geral dos MSF sublinhou que as consequências de rejeitar o direito humanitário internacional irão repercutir “muito além de Gaza”, avaliando que serão ”um fardo duradouro para a nossa consciência coletiva”.
“Isto não é apenas inação política. Tornou-se cumplicidade política”, acusou.
Embora as críticas aos Estados Unidos tenham sido contundentes, o vice-embaixador norte-americano na ONU, Robert Wood, respondeu que as negociações para uma trégua são longas e nem sempre trazem resultados rápidos, mas voltou a culpar o Hamas por tudo o que acontece em Gaza, repetindo as teses de Israel.
“Um milhão e meio de civis em Rafah e outros civis em Gaza não estariam em perigo se o Hamas respeitasse as leis da guerra, não se entrosasse entre civis, não se escondesse em complexos de túneis sob hospitais e não cometesse outras atrocidades”, argumentou.
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