Theresa May, primeira-ministra britânica, celebrou ontem um “acordo técnico” com a União Europeia para a saída do Reino Unido da UE. Mas o “rascunho” acordado em Bruxelas está longe de ser o definitivo. Para já, terá de convencer os membros do governo, em particular os mais eurocéticos, a aprovarem os termos desta saída.

Se conseguir convencer os seus pares, em especial os adeptos de um hard Brexit, a chefe do governo não poderá ainda gritar “vitória” e terá que aguardar que qualquer acordo seja aprovado no Parlamento em Londres, onde uma votação favorável está longe de ser um dado adquirido.

Manuel Lobo Antunes, embaixador português no Reino Unido falou com o SAPO24 enquanto Londres e Bruxelas ultimavam o “draft” e, consequentemente, antes da chamada individual de membros do executivo a Downing Street, ontem, e do Conselho de Ministros, desta tarde.

Falou sobre da heterogeneidade a nível profissional, “um leque amplo e vasto” dos cerca de 400 mil pessoas que constituem a comunidade portuguesa no Reino Unido. Advogados, artistas, pintores e profissionais que asseguram o sistema nacional de saúde britânico, entre outros.

Ficou surpreendido e contente com “muitos jovens” que aterraram recentemente no Reino Unido, embora reconheça que os números diminuíram (n.d.r. o Instituto de Pessoal e Desenvolvimento (CIPD), associação profissional britânica para a gestão de recursos humanos indica que de junho de 2017 a junho de 2018 se inscreveram na Segurança Social britânica (requisito para trabalhar no país) 19.332 portugueses, menos 28% do que entre junho de 2016 e junho de 2017 (26.905). Um fluxo que pode “estabilizar ou aumentar” assim que tudo ficar resolvido, acredita.

O turismo e as exportações do setor automóvel são duas áreas que podem sofrer com a saída do Reino Unido da União Europeia segundo um estudo promovido pela CIP – Confederação Empresarial de Portugal, sendo que a queda das exportações portuguesas pode oscilar entre de 15% e 26%.

Olhando para as perdas e oportunidades apontadas no estudo defende que Portugal terá que “desenvolver políticas que compensam com ganhos noutras aéreas: no turismo e acolhimento de cidadão britânicos que queiram ter residência em Portugal”, sendo que regista um “maior número de cidadãos do Reino Unido a escolher Portugal para se fixar”. Apesar do Brexit, Lobo Antunes acredita que “muito será como dantes”.

Por fim, diz que “Portugal é muito mais conhecido do que aquilo que imaginava”, facto que o surpreendeu. Um conhecimento que advém da aliança histórica, e que Ronaldo, Mourinho e outros ajudaram.

Um "acordo possível" sobre o Brexit "é melhor que um não-acordo"? Ou como disse recentemente o antigo primeiro-ministro Tony Blair "qualquer acordo que o Governo obtenha é sempre pior do que o Reino Unido ficar na UE".

São decisões e opções que o Reino Unido e a classe política britânica têm de tomar. Não posso, nem devo pronunciar-me. Agora, o que parece relevante é o que a União Europeia tem dito, assim como o governo português, que é importante ter um acordo. Entendemos que ter um acordo é a melhor solução para as relações futuras entre a União Europeia e o Reino Unido. Essa é o ponto de vista da UE que me compete propor e defender.

"É importante ter um acordo"

Mas nesse acordo, há́ ainda risco de ser chumbado no Parlamento britânico?  

Com certeza, mas de novo é uma questão do Reino Unido, do seu governo e das suas instituições democráticas que deverão pronunciar-se sobre esse acordo, que decisões devem tomar e olhar para as eventuais consequências de uma boa redação desse acordo. Mas tudo isso são questões da competência do governo e do parlamento do Reino Unido.

Acredita que há hoje em dia condições políticas que possibilitem haver uma segunda consulta ao povo britânico?

Não há dúvida, é um facto, tem havido um cada vez maior número de opinion makers, políticos e parlamentares, e até membros do governo, o sr. John Johnson (ex-ministro dos Negócios Estrangeiros) que saiu do governo e veio defender um segundo referendo. De facto, estamos a assistir a uma onda crescente de políticos e comentaristas que sugerem e pedem um segundo referendo, designadamente o senhor Tony Blair (antigo primeiro-ministro britânico) que diz que só numa situação de impasse ou de um mau acordo na ótica que não defenda os interesses dos cidadãos britânicos é que o povo deve ser chamado a um novo referendo sobre o que quer: manter o Reino Unido na UE ou aprovar o acordo que a sra. May possa obter, ou não aprovar acordo nenhum. E o Reino Unido sair sem acordo.

É sair entre o hard Brexit e o soft Brexit?

A verdade é que há muita gente que entende que não há lugar a esse referendo por razões políticas e de legitimidade democrática. Portanto, não é assente de forma nenhuma que possa haver um novo referendo. Há é cada vez mais vozes a defenderem um segundo referendo.

Estão o Reino Unido e a União Europeia a correr contra o tempo? A data de 29 de março de 2019 (data agendada para a saída do Reino Unido) está à porta...

Pois, evidentemente... há muito que o negociador da UE, o sr. (Michel) Barnier alerta para que o relógio esteja a andar. E naturalmente há um tempo para que o acordo celebrado possa ser aprovado no Parlamento no Reino Unido e no Parlamento Europeu e entrar em vigor a 29 de março. Temos prazos apertados.

"Muito será como dantes. Outras coisas serão diferentes... Mas muitas coisas se manterão. E queremos que se mantenham."

Nada será como dantes daqui para a frente nas relações Reino Unido-UE e Portugal-Reino Unido, esta última a mais velha aliança?

Muito será como dantes. Outras coisas serão diferentes. É evidente que o Reino Unido deixa de estar na UE e, face a este espaço europeu e a Portugal enquanto membro da Europa comunitária, o Reino Unido passa a ser um país terceiro, com as consequências legais que esse facto acarreta. Mas muitas coisas se manterão. E queremos que se mantenham. Queremos que a comunidade portuguesa aqui [no Reino Unido] se mantenha, que as relações comerciais continuem a crescer e que os britânicos continuem a visitar Portugal. Queremos continuar a ter uma parceria forte no domínio da segurança e da defesa. Portanto, em todas estas áreas queremos que as coisas se mantenham ou evoluam positivamente. Noutras, há um facto jurídico, legal e político que o Reino Unido não estará no mesmo espaço económico e na Europa onde Portugal se integra.

Como olham empresas e a emigração portuguesa para esta questão. Não houve, ou não está a haver, a temida debandada? Mas, no entanto, há menos emigrantes portugueses a entrarem em solo britânico?

Sim, essa é a indicação que tenho, embora sem números concretos. Parece haver menos procura, digamos assim, do Reino Unido por parte dos cidadãos europeus e portugueses. É normal numa situação ainda de incerteza quanto ao futuro, mas estou convencido que, assim que as circunstâncias sejam clarificadas, e o Reino Unido nos diga o que pretende fazer relativamente a política de emigração como Estado não-membro da UE, que tudo definido, esse fluxo possa estabilizar ou aumentar.

Há um padrão tipo do emigrante português em Inglaterra...fala-se muito dos setores da saúde e da parte financeira.

Sim, arquitetos, profissionais liberais, muitos jovens, artistas, pintores, dançarinos, finanças, advogados e quem esteja no serviço nacional de saúde. É um leque muito vasto e muito amplo. Ultimamente são muito jovens e eu tenho muito gosto nisso.

Mesmo com o Brexit muitos jovens escolhem, por exemplo, Londres. E já o tinham feito aquando da recente crise que levou à “fuga de cérebros” de Portugal...

Sim, Londres continua a ser um ponto de atração absolutamente extraordinário porque oferece qualidades de ensino, de formação e investigação. São excecionais e as pessoas vão à procura da qualidade. Se o Brexit tornar as coisas mais difíceis, os fluxos mais difíceis e encorajar as pessoas que aqui estão a procurar outros sítios, naturalmente e é obvio que se refletirá nesses fluxos. Mas por enquanto não sucedeu.

"Tem havido um maior número de cidadãos do Reino Unido a escolher Portugal para se fixar"

Nas relações bilaterais Portugal-Reino Unido, o turismo britânico em Portugal ou a aquisição de imobiliário de uma população mais sénior pode ser afetado, ou podemos ganhar com esta saída da União Europeia como se tem dito?

A indicação que tenho é que tem havido um maior número de cidadãos do Reino Unido a escolher Portugal para se fixar. Está a referir-se ao estudo da CIP onde há riscos e oportunidades. Está por demonstrar, são hipóteses, mas evidente que haverá perdas e oportunidades e é isso que temos que explorar e compensar em caso de perdas, temos que desenvolver políticas que compensam com ganhos noutras aéreas: no turismo e acolhimento de cidadão britânicos que queiram ter residência em Portugal.

Portugal e as empresas portuguesas são conhecidas no Reino Unido. É um país apetecível?

Devo dizer-lhe que Portugal é muito mais conhecido do que aquilo que imaginava. É raro o britânico com quem falo que não tenha já estado em Portugal. E muitos têm estima e alguns residência. É absolutamente extraordinário. Não tinha essa consciência e foi uma surpresa.

Deve-se a quê? À relação histórica de mais de 600 anos ou a Ronaldo e Mourinho?

Da relação histórica. Muitos falam da antiga aliança e a aliança mais antiga da Inglaterra na Europa com outro Estado. Fico contente.

"Devo dizer-lhe que Portugal é muito mais conhecido do que aquilo que imaginava"

E Ronaldo também ajudou...

Sim Ronaldo, Mourinho, tanta gente. Um enorme número de jogadores, Bernardo Silva, treinadores, uma lista imensa de pessoas ligadas ao desporto e ao futebol sobretudo que está aqui no Reino Unido... mas não só.

Com ou sem Brexit, o senhor embaixador ficará no país?

Os mandatos dependem dos governos. Posso ficar aqui até reformar-me ou ir embora amanhã. Será o governo português a decidir sobre o meu futuro. É uma carreira de função pública e estou à disposição do governo. E enquanto aqui estiver irei apoiar a comunidade lusa no enquadramento do Brexit e não só. Ajudá-los a ser conhecidos e a promover as organizações e empresas.