“É sobre a memória e respeito dos que tombaram pela causa, dos que lutam dia e noite desde a campanha eleitoral até hoje nas ruas e muito mais, que recomendava para a não tomada de posse madrugadora do Podemos na Assembleia da República. É uma questão de respeito, antes de tudo”, declarou Venâncio Mondlane, numa carta aberta dirigida hoje ao presidente do Podemos, partido que apoiou a sua candidatura.
O partido até agora extraparlamentar Povo Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), registado em maio de 2019 e composto por dissidentes da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), viu a sua popularidade aumentar desde o anúncio, em 21 de agosto, do apoio à candidatura de Mondlane nas presidenciais, em resultado de um “acordo político”, pouco tempo depois de Mondlane ter a sua coligação (CAD) rejeitada pelo Conselho Constitucional por “irregularidades”.
Segundo Mondlane, a tomada de posse dos deputados do Podemos em 13 de janeiro, um processo já confirmado por diferentes órgãos do partido, vai violar o acordo político, um documento que não é ainda público.
“Eu nunca me opus à tomada de posse e assento na Assembleia da República, apenas me oponho que esse ato tenha lugar de forma mais vencida, em que nem sequer os princípios de reivindicação apresentados ao regime tenham sido tidos nem achados”, frisa na carta Mondlane, para quem, à luz da lei, a não tomada de posse não implica a perda do mandato.
Para Venâncio Mondlane, a tomada de posse dos deputados do partido Podemos vai “enfraquecer a luta”.
“O processo eleitoral foi fraudulento, tendo inclusive o Podemos ficado prejudicado em cerca de 90 assentos parlamentares”, lê-se ainda na carta de Mondlane, que dá um prazo de três dias para o presidente do partido responder se vai ou não cumprir com algumas das principais cláusulas do acordo.
Num comunicado distribuído na segunda-feira, dias após o assessor de Venâncio Mondlane classificar a tomada de posse como possível traição, o Podemos acusou Mondlane de violar “de forma grave” o acordo pré-eleitoral, rejeitando ter cometido qualquer traição e frisando que os deputados vão tomar posse.
O Podemos é fruto de uma dissidência de antigos membros da Frelimo, que pediam mais “inclusão económica” e abandonaram o partido no poder, na altura, alegando “desencanto” e diferentes ambições.
Os resultados promulgados pelo CC no dia 23 apontam o Podemos como maior partido de oposição em Moçambique no próximo parlamento com 43 assentos, tirando um estatuto que era da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) desde as primeiras eleições multipartidárias, em 1994.
Dos 250 assentos que compõem a Assembleia da República, a Renamo passou de 60 deputados, que obteve nas legislativas de 2019, para 28 parlamentares.
A Frelimo, no poder desde a independência, manteve-se com uma maioria parlamentar, com 171 deputados.
Nas presidenciais, o CC, última instância de recurso em contenciosos eleitorais, proclamou Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frelimo, como vencedor, com 65,17% dos votos.
A eleição de Chapo como sucessor de Filipe Nyusi é, contudo, contestada nas ruas e o anúncio do CC aumentou o caos que o país vive desde outubro, com manifestantes pró-Mondlane — candidato que, segundo o Conselho Constitucional, obteve apenas 24% dos votos, mas reclama vitória — em protestos a exigirem a “reposição da verdade eleitoral”, com barricadas, pilhagens e confrontos com a polícia.
Confrontos entre a polícia os manifestantes já provocaram quase 300 mortos e mais de 500 feridos, segundo organizações da sociedade civil que acompanham o processo.
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