Nos dias a seguir a 07 de janeiro, moradores dos Moinhos, Pinheiro da Fonseca e das Fontainhas, zonas típica do Porto situada na encosta do rio Douro, perto da Ponte Infante D. Henrique, choravam por tudo o que tinham perdido nas inundações que causaram o caos em vários pontos da cidade, temendo novas enxurradas e insegurança habitacional.
Hoje, cinco meses após a intempérie, os moradores queixam-se que pouco foi feito e que continuam sem saber se as habitações vão ser reabilitadas ou se vão mudar de casa.
Maria de Santos, 84 anos, reformada a morar no bairro dos Moinhos, na freguesia de Bonfim, lembra-se “como se fosse hoje” da queda que deu em casa quando ficou inundada naquele dia, devido às chuvas torrenciais.
“Estava sentada na cama, o meu filho tinha ido à rua, porque soube que vinha toda a água para aqui, foi e veio a correr. Ele saltou pela janela, que nem podia abrir a porta. Veio para aqui, ele estava aqui fora e eu estava lá dentro sozinha. E eu, ao abrir a porta, escorreguei, caí e não me levantei mais. O meu filho é que me levantou”, descreve Maria dos Santos.
Segunda a moradora, que continua a coxear desde a enxurrada, a inundação chegou ao frigorífico, máquina de lavar, micro-ondas.
“Foi tudo para o lixo, tudo. Estou a falar a verdade”, conta Maria Santos, revelando que recebeu a visita do senhorio há cerca de duas semanas, que lhe disse que está destinado depois do São João — feriado da cidade – “resolver” o assunto indo viver para outra casa.
Maria dos Santos diz estar desesperada por uma casa nova, porque está farta de morar naquelas condições, com filho, nora e dois netos.
Damião Gomes, 74 anos, ex-combatente da Guerra Colonial em Angola, também mora no bairro dos Moinhos e aguarda por uma solução há cinco meses.
Do dia das enxurradas, Damião Gomes recorda que a água andava a um metro na rua, e que na sua casa o teto veio abaixo.
“Foi muita coisa à vida. Quando cheguei a casa tinha meio metro de água. Depois lá foi escoando. Uma máquina de lavar sei que está estragada”, disse.
Damião Gomes recorda que nos dias seguintes à intempérie o bairro dos Moinhos recebeu a visita do presidente da Junta e da Proteção Civil, contudo, até hoje não recebeu apoio ou comunicação oficial sobre para onde irá viver em segurança.
“Segundo aquilo que a gente sabe, a Câmara [do Porto] já comprou [as casas]”.
Ana Oliveira, moradora há 40 anos naquele bairro, conta que soube que três moradores já saíram de lá por as casas estarem em perigo, mas desconhece o que vai suceder no seu caso.
“Estou habituada ao bairro. Aqui é sossegado e não tenho vizinhos que me chateiam”, disse, revelando que gostaria de ficar.
No dia da chuva torrencial, João Fernandes, morador nas Fontainhas, recorda que a mulher estava a trabalhar e que tinha ficado a tomar conta das crianças, um menino de 10 anos e um bebé de meses.
“Na altura, o teto começou a cair todo, porque começou a ficar muito ensopado, porque é teto falso, não era teto de cimento. Começou a cair todo. Hoje em dia, tenho o teto assim como o viu. E até hoje ainda não resolveram nada”, diz, temendo o pior.
Segundo João, a mulher chegou a ir à câmara e a fazer pedidos para receber na habitação uma inspeção, mas como a casa não está em nome de nenhum as autoridades disseram que não podiam fazer nada.
“Estamos aqui em risco. A casa só foi emprestada (…). Se a dona da casa um dia nos mandar embora, nós temos que ir. Já pedimos à Câmara, mas a Câmara não nos ajuda em nada”, disse João Fernandes, recordando que as assistentes sociais também visitaram a habitação em risco, mas a resposta foi que não podiam resolver nada.
Na baixa do Porto, alguns comerciantes lesados pelas inundações de janeiro continuam sem respostas aos prejuízos identificados e desesperam por apoios governamentais. Outros criticam a falta de limpeza das ruas e do escoamento da cidade.
José Passos, proprietário de um restaurante com portas para as ruas das Flores e Mouzinho da Silveira, junto à Estação de São Bento, recorda que, naquele dia, o estabelecimento foi inundado no piso zero e no -1, onde está instalada a cozinha e casas de banho.
As cadeiras das esplanadas foram parar à Praça do Cubo, na Ribeira.
Questionado sobre as indemnizações das seguradoras, José Passos recorda que investiu cerca de 30 mil euros na substituição do chão do restaurante, mas revela que continua a aguardar resposta das seguradoras e dos apoios estatais.
“A Câmara Municipal do Porto encaminhou-nos para o governo, para um ‘website’ que vai fazer a tal triagem e que é relacionado com catástrofes naturais (…). Sim, nós já respondemos que terminava no dia 02 de maio, mas não é suficiente, porque nós já fizemos o investimento financeiro”, desabafou.
O empresário estima que a espera vá ser longa: “Não temos expectativas de receber nos próximos tempos, infelizmente”.
Adelaide Campota, 49 anos, lojista no estabelecimento Artigos Religiosos, na Rua Mouzinho da Silveira em frente à cratera na estrada que a força da água abriu a 07 de janeiro, acredita que foi “Graças a Deus que não aconteceu nada” à sua loja.
A lojista considera que a cidade está “muito abandonada” no que diz respeito à limpeza e que se calhar por isso é que as enxurradas aconteceram.
“A limpeza de ruas está muito fraquinha, mas também além das ruas tem que haver aquela limpeza de escoamento de águas. (…) Eu acho que, nesse sentido, a Câmara não está a fazer um bom trabalho” ou quem está a fazer as obras [da nova linha do Metro]”, lamenta.
Questionada sobre indemnizações aos lojistas, Adelaide diz que sabe que alguns continuam à espera de soluções.
“Com aqueles que eu falo, ainda não receberam nada. (…) “Nós, graças a Deus, não tivemos nada. Porque também quando estava a acontecer a água vir pela Rua Trindade Coelho, que fica mesmo em frente à nossa loja, aconteceu que abriu um buracão aqui enorme e a água (…) foi sugada pelo buraco na Mouzinho da Silveira”, contou.
A agência Lusa solicitou informações à Câmara do Porto sobre a compra de casas nas zonas de risco nas Fontainhas e fonte oficial da autarquia remeteu explicações para as declarações feitas em 22 de maio pelo vereador do Urbanismo, Pedro Baganha.
A Câmara do Porto está a desencadear os procedimentos necessários para adquirir a ilha dos Moinhos, que em janeiro foi afetada pelas enxurradas, reforçando ser “prematuro” apontar um futuro para aquela zona.
“Estamos neste momento nos procedimentos tendentes à aquisição da totalidade da ilha. Esses procedimentos passam por avaliações preliminares dos contactos com os proprietários, o que está em curso”, disse então o autarca.
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