“Eu acho que muitas empresas vão preferir fechar, despedir e prescindir de instalações arrendadas que tenham, do que assumir compromissos de dívida adicional sem receita adicional”, disse Rui Nuno Baleiras em entrevista à Lusa.
O atual coordenador da UTAO, que dá apoio à Comissão de Orçamento e Finanças (COF) do parlamento, considera que com as medidas atuais de apoio às empresas a capacidade produtiva nacional não ficará intacta.
“Os encargos que são devidos durante este período de pandemia não são anulados. O pagamento deles passa para a frente, só que a receita para os pagar não passa para a frente, desaparece para sempre”, afirmou o economista.
Para Rui Nuno Baleiras, muitas pequenas empresas, como cabeleireiros ou restaurantes, não terão “capacidade de amortizar esses empréstimos que estão a ser disponibilizados, por muito reduzida que seja a taxa de juro”, o mesmo se passando com obrigações fiscais ou contributivas ou moratórias no pagamento de créditos e rendas.
O coordenador da UTAO considerou ainda que as linhas de crédito são também um risco público acrescido, dado que “se as empresas não pagarem o capital das linhas de crédito, quem o vai pagar é o Estado”, ou seja, “os contribuintes”, dada a garantia estatal já anunciada para esses instrumentos.
Por outro lado, o possível fecho de empresas poderá “destruir capacidade produtiva e tornar a recuperação económica muito mais lenta e difícil”, considera Rui Nuno Baleiras.
“No fundo, é aprendermos com o que aconteceu no passado. A última crise económica e financeira que o país passou mostrou que quando regressou a procura, nomeadamente a procura externa pelos nossos bens e serviços, havia imensa dificuldade de encontrar pessoal especializado em determinadas áreas, por exemplo na construção”, lembrou o também professor na Universidade do Minho (UM).
O coordenador da unidade parlamentar considerou inclusivamente que a receita que está a ser aplicada, “no que diz respeito à cobertura das despesas públicas”, é semelhante à da crise passada.
“Por isso receio um desastre financeiro para os contribuintes, sobretudo naquelas economias que tiverem uma perceção de risco por parte das entidades financeiras”, disse à Lusa, acrescentando a “agravante” da crise atual ser global.
Rui Nuno Baleiras relembrou que na crise anterior “havia economias que eram superavitárias, e portanto houve financiamento disponível à escala global para financiar as necessidades que surgiram nas geografias deficitárias em termos líquidos”.
“Desta vez, as necessidades de financiamento adicional são brutais, e em todo o mundo. Da China aos Estados Unidos, passando também por imensas economias em desenvolvimento. Estas soluções que estão a ser montadas, baseadas em premissas do passado, nomeadamente a capacidade de os agentes económicos apoiados amortizarem a dívida que agora vão acumular, assenta numa premissa que para mim é falsa: é a de que vai haver poupança suficiente à escala global para financiar estas necessidades de endividamento”, considerou.
“Como todos os países vão estar à procura desse financiamento, ele não vai chegar para todos”, prosseguiu.
Nesse âmbito, o professor universitário antecipou que Portugal poderá ser uma das economias “em maiores dificuldades, apesar de ter fundamentos económicos relativamente sólidos”, uma vez que tem, “ainda, uma economia muito alavancada em dívida”.
Rui Nuno Baleiras crê que o risco de medidas de austeridade pós-pandemia “é por demais evidente”, dado o atual “‘status quo’ internacional”.
“A nossa vulnerabilidade enorme, para fazer face a um volume brutal de dívida pública do Estado, é o peso do passado que temos às nossas costas”, disse, lembrando “a posição de investimento internacional extremamente negativa” de Portugal, de cerca de -100% do Produto Interno Bruto (PIB), “uma posição devedora líquida das maiores do mundo entre as economias desenvolvidas”.
Rui Nuno Baleiras relembrou ainda que no que diz respeito ao rácio de dívida pública sobre o PIB, “malgrado o progresso das finanças públicas nos últimos anos, a verdade é que o ponto de partida nesta crise é de 117%, quando em 2008, que é o início da outra crise, era substancialmente inferior”.
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