Num grupo no Facebook, uma publicação de um cartaz que anunciava a produção e venda de biscoitos caseiros do Carmelo de Santa Teresa em Coimbra trazia a dúvida, devido à mensagem que o acompanhava: estariam as Irmãs Carmelitas "a passar mal", como aí referido, necessitando destes donativos para suportar a comunidade?

No Carmelo onde esteve a Irmã Lúcia durante 57 anos estão, atualmente, 18 Irmãs que vivem em clausura. Ao SAPO24, a Madre Prioresa Ana Sofia explicou que a situação surgiu de "uma boa intenção" que pode ter terminado num equívoco para muitos dos que viram e partilharam o que foi publicado na rede social.

"Nós fazemos os biscoitinhos como muitos Carmelos e muitos Mosteiros de Clarissas e de Concepcionistas também fazem. É muito típico nosso, dos Conventos, fazer doces, compotas e por aí fora. Fazemos para vender, para nos sustentarmos. É uma forma de trabalharmos, como pobres que somos, e de ganharmos a nossa vida", começa por contar. "Mas não é, de todo, porque estamos a passar fome ou necessidades".

No Carmelo, apesar da clausura em que vivem, há sempre muito a acontecer além da oração. E há uma comunidade para gerir. "Acontece que vivemos de esmolas e, neste momento, as pessoas também estão com dificuldade em dar. Deixámos de ter os grupos de turistas e peregrinos que vinham muito à nossa igreja e deixámos de vender os nossos trabalhos, que eram terços, escapulários e alguns trabalhinhos de mão feitos em casa", aponta.

Com a pandemia, tudo mudou e foi preciso fazer alterações. "Mudámos de estratégia, deixámos de fazer esses trabalhos — deixaram de se vender — e passámos a fazer os biscoitos. No fundo são a forma de trabalharmos como pobres e de mantermos as nossas contas. Numa casa enorme como a nossa temos muitas contas para pagar ao fim do mês. Não está bem dizer que estamos a passar necessidade, porque isso não é verdade", garante a Madre Prioresa.

Quanto ao dito cartaz, este "não era para andar no Facebook, foi feito para ser divulgado mais a nível interno". "Era para termos aqui na portaria do nosso Convento, para as pessoas que aqui vêm saberem que temos os biscoitos à venda. Não sei como foi parar às redes sociais, talvez tenham divulgado entre alguns contactos que nos ajudam", reflete, frisando que "isto das redes sociais é como uma semente lançada ao vento".

"Temos um grupinho de leigas que nos estão a ajudar a vender nas paróquias, até em Lisboa, mas é uma coisa muito caseirinha e muito simples, sem alarido nenhum. Nas nossas redes sociais do Carmelo nem temos nada disso, como pode ser verificado. Fiquei muito surpresa quando me disseram que isso [a divulgação online] estava a acontecer. Acredito que foi com boa intenção, mas não estava correto dizer que estamos a passar mal, porque não é verdade", diz.

De dentro do Carmelo olha-se para o exterior e para os tempos vividos. "Se nós estivéssemos a passar mal, então como é que estarão outras pessoas? Estamos todos a viver momentos muito difíceis, sabemos que há muita falta de emprego, há muitas necessidades, há muita gente sem forma de se sustentar — mas não é de todo o nosso caso, embora também precisemos de pagar as contas ao fim do mês: a luz, a água, o gás, por aí fora. Por isso vivemos do nosso trabalho e é isso que gostava que as pessoas percebessem", afirma a carmelita.

Os biscoitos, esses, começaram a ser produzidos como forma de agradecimento a quem ajuda a comunidade. "Não queríamos fazer um grande alarido porque não temos capacidade de produção. Durante a pandemia, as pessoas começaram a trazer-nos muitas coisas do supermercado. Foram muito queridas, perguntavam o que precisámos e traziam. E nós oferecíamos um saquinho de biscoitos", explica.

"Começaram a gostar tanto que pediram para fazermos mais. Ao expandir um bocadinho,  tornou-se mais tipo comércio, mas no fundo é sempre com aquele caráter de mantermos o agradecimento e também algum nível de sobrevivência", refere.

"É uma forma de subsistência e não de dizer que estamos à beira do abismo. No início nem tínhamos um valor, as pessoas levavam e deixavam uma moeda ou duas ou o que quisessem. Não era para ganhar uma dimensão de redes sociais e destas coisas todas".

Desta forma, não é intenção do Carmelo que passe a ideia de que há falta de meios no local. "Não temos qualquer interesse que as pessoas pensem que estamos a passar necessidades e que nos deem dinheiro, às vezes com sacrifício e abdicando de coisas que precisam para nos dar. Não é de todo esse o nosso intuito, até nos sentimos mal se isso acontecer", reforça a Madre Prioresa.

Mesmo assim, o Carmelo não deixa de aceitar donativos, que chegam de forma espontânea. "O que as pessoas costumam fazer é pedir orações — pessoalmente, por email ou por telefone — e depois pedem o nosso número de conta para fazer um donativo", explica. "É sempre no sentido de que a pessoa sente livremente que o deve fazer, não é impulsionada nem fica constrangida com alguma situação. Cada pessoa pode sentir no seu coração a necessidade de ter este ato de generosidade". Por isso, "o número não está publicado em nenhuma das redes sociais, mesmo para não dar este sentido de que se está aqui a pedir. Isso é muito contra o nosso espírito, não andamos aqui à caça de dinheiro".

"Não queremos que pensem que estamos aqui sem fazer nada, à espera de que caia o dinheiro. Hoje as pessoas mais novas não têm tanto esta mentalidade de dar esmola, como acontecia antigamente. Hoje, têm as suas vidas, as suas dificuldades, muitas vezes não têm emprego e não têm posses para dar. Só temos de respeitar isso, não temos de ser um peso para ninguém, é esse o nosso princípio de vida", reflete.

A par da vida de todos os dias no Carmelo, começa também a desenrolar-se no local aquilo que virá a ser o arquivo dedicado à passagem da Irmã Lúcia por ali. Nesse sentido, existem também outras contas que vão surgindo — e que "a causa de beatificação não pode comportar, porque também tem muitas despesas".

"Estamos a tentar fazer o arquivo, mas vamos fazê-lo no passo que nós pudermos. As pessoas que estão a trabalhar no grupo de arquivo são voluntárias, ninguém está a receber nada. Claro que há despesas, mas vamos fazendo com calma: se pudermos comprar, compramos; se não pudermos esperamos pelo mês a seguir", explica a Madre Ana Sofia.

"Queríamos construir um espaço físico que tivesse mais condições de manutenção dos documentos, de organização de arquivo. Estamos a pensar nisso, mas este é um momento em que é tudo muito caro. Vamos fazendo ao ritmo que conseguirmos", diz. "Mais uma vez, não queremos impor esse peso aos nossos benfeitores e às pessoas que são nossas amigas. Por isso, tudo o que vier é bem-vindo e ajuda-nos sempre muito, mas nunca neste sentido de coagir as pessoas a dar. Há tanta gente a pedir e tanta gente a precisar que às vezes pode ferir", remata.

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