Marta (nome fictício, por questões de segurança) nasce num meio intelectual bielorrusso. Muito cedo desperta para a ideia de liberdade por influência dos avós que lhe transmitem o sentimento de protecção que cultiva até hoje. Conta que o primeiro ataque à liberdade que sentiu foi nos primeiros anos de escola, quando foi fechada numa despensa escura por se ter recusado falar ao professor em russo imperial. Nos países da antiga URSS era assim. Tanto o “obrigado” bielorrusso: “dziakuy”, como o “Olá” iídiche: “shalom,” eram violentamente reprimidos nos espaços controlados pelo estado, ainda que nas ruas fosse nessas línguas que as crianças de bairros como o seu comunicavam.

O interesse pelos direitos humanos consolidou-se quando começou a escavar a história da família, com a visão dos caixões de zinco que chegavam do Afeganistão com soldados mortos, com os testemunhos sobre pessoas trancadas em clínicas psiquiátricas por defenderem ideias diferentes. A leitura de Alexander Soljenítsin foi seminal. Mas não só.

Por culpa desta colega, regressei à obra do romancista alemão Erich Maria Remarque e ao clássico sobre o horror das trincheiras da primeira guerra mundial “a oeste nada de novo”. E com isto, recuperei essa ideia tão simultaneamente fascinante e tenebrosa que nos lembra de que até a guerra, pináculo inquestionável da brutalidade e da tirania, acaba muitas vezes por criar condições para o despertar de exemplos edificantes e de grande humanidade, entre semelhantes.

Como o leitor tão bem saberá, a Bielorrússia não se encontra atualmente em guerra, mas na ressaca de uma revolução falhada e no encalço de uma guerra nas vizinhanças que os bielorrussos certamente não desejaram e que muito poucos esperavam ver acontecer nesta altura. Também por isso, e para que a conversa possa decorrer de modo despretensioso e sem peias, é necessário preservar a identidade da interlocutora, uma querida colega, que atua no domínio dos direitos humanos e, em particular, no campo dos direitos da criança na Bielorrússia.

Uma nota final: este país é quase totalmente desconhecido dos portugueses, mesmo estando aqui tão perto e mesmo tendo sido palco do maior escândalo de abuso sexual de crianças que abalou a Europa. E de Chernobyl, que naturalmente associamos exclusivamente à Ucrânia.

E é por Chernobyl que começamos.   

Uma das coisas que se percebe convivendo com bielorrussos é do enorme impacto da tragédia de Chernobyl no teu país e, concretamente, na vida das famílias. Acho que a maioria dos europeus, e provavelmente o resto do mundo, associam os impactos desse desastre, exclusivamente à Ucrânia. Queres falar um pouco sobre isso?

"Mais de 80% das consequências gerais de Chernobyl pertencem à Bielorrússia. Esta é uma verdade amarga e silenciada"

O dia 26 de abril de 1986 foi de facto um dia negro na história da Bielorrússia. 1/6 do território bielorrusso foi contaminado por radionuclídeos, o desastre provocou meio milhão de deslocados internos, o número de doentes com cancro aumentou, assim como muitas outras consequências para a saúde das pessoas – e isto não é uma lista exaustiva dos impactos do inferno de Chernobyl na Bielorrússia. Chernobyl está localizada a algumas dezenas de quilómetros da fronteira bielorrussa-ucraniana. Naqueles dias trágicos o vento soprava para o norte, em direção à Bielorrússia. Nas vésperas do primeiro de maio, aviões militares soviéticos pulverizaram aerossóis protetores e lançaram nuvens radioativas nas cidades e vilas da Bielorrússia para evitar que se movessem em direção a Moscovo. Portanto, mais de 80% das consequências gerais de Chernobyl pertencem à Bielorrússia. Esta é uma verdade amarga e silenciada.

Por outro lado, a tragédia de Chernobyl foi o gatilho que acaba por impulsionar o movimento político e social na Bielorrússia durante esses anos, liderada pela Frente Popular da Bielorrússia e o surgimento da “Chernobyl Way” entre milhares de outras iniciativas cívicas. Centenas de milhares de crianças bielorrussas viajaram para o resto da Europa e para outros países, graças à grande generosidade das pessoas que as convidaram. O movimento protagonizado pelas crianças de Chernobyl foi um dos factores mais poderosos que permitiu à juventude, a parte mais ativa da sociedade bielorrussa, estar preparada para o colapso da URSS. Em 1991 conquistamos a nossa independência e começamos a construir a nossa democracia.

Apesar do “Inferno de Chernobyl”, como lhe chamas, achas que a tragédia acabou por de algum modo acelerar a implementação dos direitos da criança na Bielorrússia?

Exatamente. Por exemplo, as crianças trouxeram a cultura e os valores europeus que compartilharam com os pais. Os professores e os líderes cívicos em geral, apoiaram e, como resultado, a Convenção dos Direitos da Criança foi ratificada na Bielorrússia em 1992. A nação bielorrussa é uma nação extremamente flexível com um potencial de desenvolvimento humano subestimado. O Índice de Desenvolvimento Humano normal da Bielorrússia é de cerca de 50, e deve-se essencialmente às inúmeras barreiras artificiais internas e externas para que os bielorrussos possam realizar todo o seu potencial humano e alcançarem o seu lugar justo pelo menos entre os 20 mais avançados. Historicamente a Bielorrússia é Europa, e foi o maior e mais forte estado Europeu durante 300 anos. O Grão-Ducado da Lituânia é um Estado bielorrusso, a primeira proto-democracia europeia, e a sua Constituição foi escrita na língua bielorrussa antiga. Em 1991, a Bielorrússia retorna à sua casa, à Europa. Infelizmente, a velha Europa estava com medo e como sempre quis poupar dinheiro e não oficializou o retorno da Bielorrússia. Isto deve suscitar a escrita de uma obra bastante espessa sobre o papel dos EUA, da Alemanha, do Gorbi, de Eltsin, e do Plano Marshall 2 não implementado e outras oportunidades perdidas que levaram à situação atual: a vingança da Rússia, esta guerra sangrenta contra a Ucrânia e o perigo existencial que representa para todas as democracias que ainda tentam apaziguar o agressor.

Os erros estratégicos pagam-se muito caro, com o nosso sangue e com as vidas de verdadeiros heróis, hoje na sua maioria ucranianos...

Mas voltando aos Direitos da Criança. As primeiras boas práticas bielorrussas no campo dos direitos das crianças foram desenvolvidas sob influência europeia, precisamente no início de 1990 e, posteriormente, em 2010, as melhores práticas bielorrussas não apenas trouxeram benefícios para as crianças locais, mas influenciaram outros países, incluindo países do resto da Europa, do Golfo e dos EUA. Concordo com o que li num relatório: “o desenvolvimento de sistemas de proteção à criança é correspondente ao nível de democracia”, mas… , fortes, resilientes e verdadeiramente notáveis são os líderes cívicos que alcançaram tudo isto, não graças a um amplo apoio. Vivemos atualmente um momento muito parecido com 1939 e 1991. Os erros estratégicos pagam-se muito caro, com o nosso sangue e com as vidas de verdadeiros heróis, hoje na sua maioria ucranianos...

Regressando aos direitos da criança no teu país, como é que descreverias o lugar das crianças na sociedade bielorrussa ao longo das últimas décadas?

Na evolução dos Direitos da Criança e no fortalecimento ou enfraquecimento dos seus direitos eu dividiria a linha do tempo de 1992 a 2023 em quatro momentos distintos.

O primeiro, 1992, é o ano da ratificação da Convenção dos Direitos da Crianças das Nações Unidas. Até ao ano 2000 o foco estava nos direitos cívicos e políticos ligados à vingança contra a ditadura em 1994. Este período é caracterizado por inúmeras atividades de grupos cívicos de jovens em prol dos direitos eleitorais, do direito de falarem na sua própria língua e o direito a saber a verdade sobre a ecologia no contexto de Chernobyl. Este período é brilhante, com muitas ações de rua que atraíram muito público e que contribuíram para conscientizar para os problemas existentes. A maioria das organizações sem fins lucrativos direcionadas para as crianças apareceram exatamente nessa época, a sua atividade estava ligada aos movimentos das crianças de Chernobyl e à distribuição da ajuda humanitária vinda do exterior. A Fundação Soros apoiou os primeiros passos da institucionalização de respostas direcionadas à infância e na construção da sua sustentabilidade de longo prazo. Infelizmente, não foi totalmente bem-sucedida, como inicialmente pensávamos, devido a vários motivos, incluindo a corrupção entre organizações sem fins lucrativos.

Um segundo momento, será entre o período entre os anos 2000 e 2009 – onde aí, sim, as respostas direcionadas à infância da sociedade civil, institucionalizam-se. Nesse período, muitos movimentos cívicos espontâneos da iniciativa de jovens e de crianças foram constituídos como organizações sem fins lucrativos. Foram tempos vibrantes onde organizações como a UNICEF traziam padrões de ação internacionais que incluíam as melhores práticas mundiais ao nível da infância. O tema principal era a prevenção do VIH/SIDA devido ao apoio do Fundo Global da Fundação Bill e Melinda Gates. As organizações sem fins lucrativos mais “antigas” ainda trabalham em torno de Chernobyl e nas áreas da ajuda humanitária. As “novas” organizações sem fins lucrativos exploram novos campos, incluindo a desinstitucionalização de crianças órfãs, o apoio a crianças com deficiência, na prevenção e resposta ao abuso de crianças. É um período muito ativo de aprendizagem em massa e de implementação das melhores práticas mundiais por organizações sem fins lucrativos, de acumulação de conhecimento e de capital social. Pela primeira vez tenta-se alterar o modo de recolha de dados e o modo de agregar esses mesmos dados. Como exemplo temos o Relatório Alternativo de 2002 enviado para o Comité dos Direitos da Criança, o primeiro e o segundo estudo Ponimani sobre abuso de crianças em Instituições de Acolhimento Residencial (2004, 2009), e o Estudo Nacional sobre Abuso de Crianças de 2008 promovido pela UNICEF em parceria com o ISPCAN.

O governo dá grandes passos no sentido de controlar as organizações sem fins lucrativos. Com a colaboração da UNICEF dá-se o estrangulamento da sociedade civil e o apoio financeiro a organizações sem fins lucrativos independentes cessa desde 2006. No entanto, as organizações sem fins lucrativos independentes já são capazes de procurar apoio financeiro junto da Comissão Europeia, e alguns deles circulam livremente e com sucesso no mercado aberto de doadores internacionais. Como resultado, melhorou a situação das crianças e jovens seropositivos – a transmissão vertical é zero, diminuíram também os números de crianças e jovens seropositivos. Um olhar mais fortalecido dirigido às crianças deficientes, desinstitucionalização florescente ao estilo romeno, o primeiro centro dedicado à defesa da criança é aberto.

“Cada uma das 7,5 milhões de crianças ucranianas está em grande crise”
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Estamos então em 2009?

Sim, 2009 marca, aliás, o início da década de ouro dos direitos da criança na Bielorrússia. As organizações sem fins lucrativos são os principais agentes de mudança e os principais atores. A UNICEF e agências da ONU negligenciaram a sociedade civil local, mas as organizações cívicas já operavam fortemente no mercado de doadores internacionais, transpunham práticas que desenvolviam no contexto doméstico, e já implementavam quotidianamente protocolos das agências governamentais. O Fundo Global da Fundação Bill e Melinda Gates deixa a Bielorrússia e a disseminação do HIV/SIDA, aumenta. Dão-se conquistas muito fortes no campo dos direitos direcionados para crianças com incapacidade, ao nível, por exemplo, no desenvolvimento de competências para uma vida autónoma e um aprimoramento da legislação devido à ratificação em 2013 do Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU. Um grupo específico destas crianças que estavam em foco eram as crianças com Transtorno do Espetro Autista. O processo de Desinstitucionalização de crianças órfãs é redirecionada e 85% dessas crianças são colocadas em respostas de acolhimento familiar.

Nesse período nasce ainda a Linha de Apoio à Criança na Bielorrússia; a rede de Centros de Protecção da Criança/Barnahus alarga-se até aos 25 centros; é lançado o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas. As denuncias de crime sexual violento contra crianças aumenta seis vezes entre 2009-2019. O protocolo dos 10 passos para entrevistar crianças sobreviventes de crimes sexuais foi adaptado para crianças com deficiência intelectual leve, preparados para crianças surdas e testados em crianças cegas...

E chegamos então a 2020, ano dos protestos em série contra o presidente bielorrusso Alexander Lukashenko. Que impactos tiveram os protestos junto dos protagonistas dos Direitos da Criança e em todo esse trabalho que acabaste de descrever?

Esta tentativa de revolução acabou por fracassar o que acaba por espoletar uma repressão brutal contra os principais agentes dos Direitos da Criança – a sociedade civil. Mais de 500 Organizações Não Governamentais (ONG’s), de um total de 2.500, foram encerradas imediatamente e mais de 1.200 outras cessaram atividades. Estas organizações eram as mais ativas e com maior capital de conhecimento e com provas dadas na liderança destas matérias. Atualmente, todos os dados sobre crianças na Bielorrússia são mantidos em segredo pelo governo. Fontes informais relatam, por exemplo, uma diminuição em três vezes na divulgação de crimes sexuais contra crianças entre os anos de 2020 e 2021, e respostas independentes direcionadas para crianças com deficiência foram fechadas. As ONG’s que reportam atividades são na verdade ONGOG’s (Organizações Não Governamentais Organizadas pelo Governo), totalmente controladas pelo estado. É claro que só muito raramente ONG’s prestadoras de serviços, como por exemplo as Aldeias SOS, são excluídas. Grupos independentes de profissionais continuam a proteger os Direitos Humanos dos filhos de ativistas políticos.

Em resumo, a situação das crianças era de crescimento entre 1992 e 2009, de florescimento entre 2009-2019 e foi radicalmente fragilizado após a destruição que se seguiu aos protestos de 2020-2021.

"Sim, as crianças ciganas ainda são o grupo mais vulnerável e discriminado"

A sociedade civil foi o principal protagonista e agente de mudança, liderou e implementou mudanças na legislação e nas práticas das agências governamentais. Devo sublinhar o papel da ONU (em particular a UNICEF), que foi positivo para a situação das crianças antes de 2006 e totalmente destrutivo entre os anos de 2006 e de 2022.

E as crianças ciganas, continuam a ser o grupo mais discriminado?

Sim, as crianças ciganas ainda são o grupo mais vulnerável e discriminado. Apesar das observações finais dos comités dos direitos da criança da ONU de 2012 e 2020 terem avisado a Bielorrússia para que a situação dessas crianças fosse melhorada, ela foi ignorada.

E as crianças entregues ao sistema de acolhimento/cuidados alternativos, como funciona o sistema?

"As formas de acolhimento centradas na família são melhores para as crianças em termos de direitos e em termos do bem-estar em si."

Existem várias formas de garantir cuidados alternativos a crianças privadas de cuidados parentais na Bielorrússia. A adoção é uma delas, apesar de representar para mim uma forma mais corrompida por potenciar o risco de tráfico de crianças. Neste momento, cerca de 3% das crianças órfãs estão a ser colocadas em famílias adotantes, principalmente as crianças mais pequenas até os 3 anos. Acolhimento em contexto de família biológica alargada, até 7%. A colocação em Famílias de Acolhimento é a forma mais popular porque não é apenas uma resposta de acolhimento para crianças, mas também uma estratégia de criação de novos empregos, especialmente em áreas rurais e remotas. Juntamente com Casas de Acolhimento e Aldeias de Crianças, estas respostas absorvem até 75% destas crianças. No total, as respostas de acolhimento familiar são prestadas a cerca de 85% das crianças privadas de cuidados parentais na Bielorrússia. A maioria das instituições residenciais são instituições com menos de 50 crianças.

E, por favor, não te esqueças da demografia particularmente má da Bielorrússia. Após a Segunda Guerra Mundial repete-se a cada 20 anos o hiato demográfico, no qual a Bielorrússia perde 1/3 de sua população, e enfrenta um ligeiro despovoamento do país, menos 20 mil a 50 mil pessoas em cada ano.... Além disto, depois de 2020, mais de 400 mil pessoas escaparam da Bielorrússia, a maioria são jovens com idades inferiores aos 35 anos, em idade ativa e fértil.

Mas qual é a tua opinião sobre o sistema em si, consideras que o sistema dá às crianças uma resposta verdadeiramente centrada nos seus direitos, nomeadamente no seu direito a crescerem numa família, mesmo que não seja a biológica por representar um risco potencial para o seu bem-estar?

A família é sempre melhor do que a instituição, e essa abordagem foi martelada na cabeça dos funcionários do governo entre os anos de 2006 e 2019 por ONG’s. Ainda assim o modelo centrado nas instituições permaneceu, embora por inércia. Atualmente deixaram de existir ONG’s que as estimulassem a seguir em frente dando o pontapé inicial que classificaria de mágico. Desde 2020, nenhuma instituição foi fechada, embora antes 1-2 instituições fossem fechadas a cada novo ano. Finalmente, sim, na minha opinião, a família adotiva e outras formas de acolhimento centradas na família são melhores para as crianças em termos de direitos e em termos do bem-estar em si. Isto, claro, se a família biológica não puder ser reabilitada.

Como saberás, as políticas de desinstitucionalização têm tido um percurso difícil em alguns países europeus. Portugal é, neste aspeto, um mau exemplo por manter números muito elevados de crianças do sistema de acolhimento entregues a instituições que agora, ironicamente, passaram a chamar-se “casas” em Portugal. Mas há esperança. Países que já foram maus exemplos, como vários países do Leste Europeu, hoje são modelos a seguir no modo como desenvolveram os seus planos de desinstitucionalização. A Bulgária é um exemplo disso. Que lugar ocupou/ocupa a desinstitucionalização em termos de promoção dos direitos das crianças na Bielorrússia?

Tens razão. Na Bielorrússia, fizemos o mesmo caminho. Até 2006, abundava a desinstitucionalização ao estilo romeno. As autoridades indicavam que cinco instituições fechavam a cada ano, mas em vez dessas cinco que fechavam com 100 crianças cada, outras 2-3 ficavam lotadas com 250-300 crianças cada. Claro, é uma péssima prática e, desde 2006, muitos empregos em famílias de acolhimento foram criados. A partir daí, um número cada vez maior de crianças passou a ser colocada em respostas familiares, até 85% em 2019. No entanto, a qualidade da formação dessas famílias de acolhimento diminuiu significativamente desde 2020, quando as ONG´s foram encerradas ou interromperam as suas atividades.

Como funciona, concretamente, esse modelo de família de acolhimento na Bielorrússia?

O modelo de família de acolhimento funciona na Bielorrússia como noutros lugares. É uma forma profissionalizada de prestar cuidados parentais. Os pais recebem um salário juntamente com um subsídio do estado para as crianças que serve para cobrir as suas necessidades básicas. A Família de Acolhimento é selecionada pelo nosso Centro Nacional de Adoção. Anteriormente era também o Centro que providenciava a formação, ou outras estruturas como os Centros Sociopedagógicos locais, ou ONG’s. Agora não há ONG’s. Com a qualidade da formação comprometida e sem novas abordagens lidera a estagnação do modelo desde o ano 2020 e até à atualidade.

Um problema que a Bielorrússia enfrenta sistematicamente é o abuso sexual de crianças, como explicas este fenómeno no teu país, o que pensas que evoluiu nos últimos anos e quais as expetactivas para o futuro?

"Hoje, as crianças falam com psicólogos especialmente treinados para o efeito em vez de policias."

O facto de termos estabelecido um sistema no país é bastante encorajador. A divulgação do fenómeno funciona bem por causa da Linha de Apoio à Criança e do sistema policial de denúncia bastante aprimorado. Hoje, as crianças falam com psicólogos especialmente treinados para o efeito em vez de policias. Tudo é gravado e as crianças não irão repetir o testemunho no tribunal. A revelação ao mundo da descoberta dos abusos sexuais de 10 000 rapazes contribuiu para isto... infelizmente, o abuso sexual de crianças é um fenómeno universal e todos os grupos estão em risco. Não apenas as crianças vulneráveis ou institucionalizadas. Embora a instituição represente um fator de risco agravado. Frequentemente, e na minha opinião, o abuso sexual infantil é uma manifestação de abuso de poder, não uma atração sexual pervertida. O caso de Epstein, ou este nosso caso do clube dos “ciclistas” de abusos em larga escala, e muitos outros casos também, evidenciam isto claramente. Na verdade, foi concebido um sistema de resposta de primeira linha e ninguém sabe por quanto tempo ele continuará a dar respostas eficazes. Entre 2009 e 2019 a sustentabilidade a médio prazo estava garantida. Tenho esperança que poderá continuar a fazer o mesmo ao longo dos próximos 10 anos.

Por razões de segurança, não precisamos elaborar muito sobre a atual situação política na Bielorrússia. Mas como descreverias a situação atual dos direitos das crianças e dos técnicos e instituições que lutam pelos direitos na Bielorrússia?

Não existem instituições, existem pessoas corajosas e inteligentes que continuam a sua missão — e todas estão em perigo e precisam de financiamento externo e apoio. Isso é tudo o que posso dizer agora.

Quando nos encontrarmos novamente, em 2033, quais seriam as boas notícias que gostarias de partilhar connosco?

Várias. Incluindo que continuo ansiosa para cooperar com boas pessoas para tornar o nosso mundo melhor.

Assim seja. Obrigado.

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