Chama-se “A Infantilização da Mente Moderna” e é um livro escrito a duas mãos por um advogado e um psicólogo, Greg Lukianoff e Jonathan Haidt. Leva-nos da infância à entrada na universidade de quem que nasceu no final dos anos 90 e mostra como foi educada a primeira geração a crescer com redes sociais e como um conjunto de “três grandes inverdades” tornou estes jovens em adultos muito pouco preparados para a vida adulta.

Antes de olhar para a vida adulta, vale a pena olhar para vida que tiveram enquanto crianças. Uma boa forma de o fazer é através do relato de Lenore Skenazy, autora, jornalista e mãe de dois filhos, a viver em Nova Iorque, e que se tornou conhecida como a pior mãe da América. Ganhou esse epíteto devido a um acontecimento que teria sido simplesmente normal nos anos 70 ou até meados dos anos 80 – mas não em 2008, ano em que efetivamente teve lugar quando Lenore Skenazy permitiu que o filho Izzy, então com nove anos, viajasse sozinho no metro de Nova Iorque.

O pedido veio da própria criança que há semanas insistia com os pais para que o deixassem encontrar o caminho para casa sozinho. “Num domingo de sol, Skenazy decidiu que era a altura certa. Levou-o consigo, numa viagem, à loja da Bloomingdales e, confiante que Izzy encontraria o caminho para casa e que poderia pedir ajuda a um estranho se precisasse, deu-lhe um mapa e um passe de metro, uma nota de 20 dólares e várias moedas de 25 cêntimos para o caso de precisar de fazer um telefonema. E depois mandou-o embora. 45 minutos depois, mesmo a horas, Izzy chegou à casa onde o pai o esperava e estava extasiado com o seu sucesso e ansioso por voltar a ter outra aventura”, relatam os dois autores no livro.

A pior mãe da América 

O que parecia ser o relato de uma boa experiência foi recebido por muitos pais de forma atónita se não mesmo “horrorizada”, como é descrito. E, dois dias depois, a mãe de Izzy estava no Today Show, na MSNBC, Fox News e NPR e muitos fóruns online – a maioria condenava a sua decisão. Nasceu aí a alcunha de “a pior mãe da América” que Skenazy decidiu abraçar para abrir uma discussão sobre a educação moderna e chamar a atenção para a paranoia e a superproteção que se tornaram características normais da parentalidade americana (e não só, acrescentamos nós). Chamou à iniciativa Free Range Kids e, desde então, transformou-se num movimento que inclui um livro com o mesmo nome, o reality show World's Worst Mom e uma organização sem fins lucrativos chamada Let Grow.

Skenazy defende que a cultura de segurança está a afetar a autonomia não apenas das crianças, mas dos adultos que um dia irão ser. “Os pais dizem, vejam só, todos os alimentos, atividades, palavras, pessoas que podem fazer mal aos nossos filhos (...) Qualquer vantagem do tempo livre não supervisionado, como seja a alegria, a independência, resolução de problemas, resiliência, é vista como trivial comparada com os danos infinitos que a criança pode sofrer sem a sua presença”, podemos ler no livro de Greg Lukianoff e Jonathan Haidt . “Se algo não é 100% seguro, então é perigoso. Convencemos as crianças de que o mundo está cheio de perigos”.

A superproteção desde a infância é retratada como uma das condicionantes dos jovens adultos de hoje, seja na falta de autonomia para conhecer o caminho para casa, seja no controlo de alimentos alergénicos, como o caso dos amendoins.

Como criar filhos no século XXI

Greg Lukianoff e Jonathan Haidt, autores de "A Infantilização da Mente Moderna", deixam algumas sugestões sobre como educar crianças e jovens no contexto atual.

1. "Prepara a criança para a estrada e não a estrada para a criança"

Não pode ensinar diretamente a antifragilidade, mas pode dar aos seus filhos a dádiva da experiência. Os milhares de experiências de que precisam para se tornarem adultos, resilientes e autónomos. A dádiva começa com o reconhecimento que as crianças precisam de algum tempo que não seja estruturado e não supervisionado para aprenderem a avaliar os riscos por si próprios e a praticar como lidar com situações e sentimentos como a frustração, o tédio e os conflitos interpessoais.

O mais importante que se pode fazer com esse tempo é brincar, especialmente em brincadeiras livres, ao ar livre, com outras crianças. Parta do princípio que os seus filhos são mais capazes este mês do que eram no mês passado e permita que corram riscos mais pequenos e que aprendam com os golpes e as nodas negras.

2. O seu pior inimigo não lhe pode fazer tanto o mal quanto os seus próprios pensamentos

As crianças, como os adultos são propensas a raciocínios emocionais. Precisam de aprender competências cognitivas e sociais que moderem o raciocínio emocional e as orientem para responder de forma mais produtiva às provocações da vida. Especialmente agora que a internet garante que terão de lidar com o lixo ao longo de todo o percurso da vida, é vital que aprendam a perceber e a gerir as suas reações emocionais e a escolher como responder. Ensinar-lhes noções básicas de terapia cognitiva ou comportamental é benéfico para todos. Os pais podem ensinar às crianças os princípios básicos de TCC em qualquer idade, começando por algo tão simples como criar o hábito de deixar que as crianças vejam os pais a responder aos seus próprios pensamentos exagerados. Uma técnica que Greg aprendeu envolve a prática de ouvir os pensamentos automáticos ansiosos como se estivessem a ser ditos com vozes engraçadas, como o de Pato Donald.

3. A linha que divide o bem e o mal através do coração de cada ser humano.

A terceira epígrafe do início deste livro foi retirada do "Arquipélago do Gulag", o livro de memórias de Alexander Solzhenitsyn, um dissidente russo da era soviética. Em 1945, Solzhenitsyn criticou a Estaline em cartas privadas enviadas a um amigo. Foi preso e condenado a trabalhos forçados na rede de gulags, espalhados pela Sibéria, onde muitos reclusos congelaram, passaram fome ou foram espancados até à morte. Solzhenitsyn acabou por ser libertado e exilado, numa passagem comovente que descreve um momento logo após a sua detenção. Está a marchar durante dias com alguns outros homens. Reflete sobre a sua própria vida quando lhe ocorre que ele próprio quase tinha entrado para os serviços de segurança que evoluíram para a KGB e apercebe-se que poderia muito bem ter-se tornado um carrasco em vez de ser o condenado. Avisa os seus leitores para terem cuidado com a inverdade do nós contra eles, porque a vida não é assim tão simples, e o raciocínio das pessoas más versus as pessoas boas não a torna melhor.

Ao contrário, a linha que separa o bem do mal atravessa o coração de cada ser humano. E isso deve-nos fazer pensar em como podemos criar filhos mais sábios que não sejam vítimas da inverdade do nós contra eles e da cultura da auto-justificação.

Como? ?

  • Dando às pessoas o benefício da dúvida, fazendo um esforço para interpretar as afirmações das outras pessoas na sua forma melhor ou mais razoável e não na pior ou na mais ofensiva.
  • Praticando a virtude da humildade intelectual. É o reconhecimento que o nosso raciocínio é tão imperfeito e tão impropenso a preconceitos que raramente podemos ter a certeza de que estamos certos.
  • Para miúdos de ensino básico ou para secundário, procure a talk intitulada On Being Wrong.

4. Ajudar as escolas a oporem-se às grandes inverdades

  • Dar mais tempo de recreio com menos supervisão.
  • Desencorajar a utilização da palavra seguro ou segurança para qualquer coisa que não seja segurança física.
  • Ter uma política sem dispositivos.
  • Cultivar as virtudes intelectuais que deve começar muito antes da entrada na universidade
  • Uma cultura de pensamento, faça perguntas, procure compreender e pratique os hábitos do bom pensamento
  • Ensinar a debater

5. Limitar e definir o tempo de utilização dos dispositivos

6. Uma nova norma nacional, um ano de serviço ou trabalho antes da faculdade

“Não deixe nenhum pai desconfortável”

O relato é feito a partir da experiência de um dos autores, Johnatan Haidt, enquanto pai. Em agosto de 2009, Max Haidt, o seu com apenas 3 anos, teve o seu primeiro dia no jardim de infância de Charlottesville, em Virginia. Haidt e a mulher foram convidados para a sua primeira reunião de pais em que uma parte substancial do tempo foi dedicada à inibição de frutos secos nas lancheiras devido ao risco para as crianças com alergia a amendoins.

À medida que o tempo ia passando, Johnatan decidiu fazer uma pergunta que lhe pareceu útil. “Alguém aqui tem um filho com algum tipo de alergia a frutos secos? Se soubermos quais são as alergias reais das crianças, tenho certeza que todos faremos os possíveis para evitar riscos. Mas se não houver nenhuma criança na turma com esse tipo de alergia, talvez possamos ser um bocadinho mais flexíveis e, em vez de proibir todos esses alimentos, proibir apenas os amendoins”. A professora ficou visivelmente incomodada, relata o pai e autor do livro, e apressou-se a impedir que qualquer pai respondesse. “Não coloque ninguém numa situação confrangedora, disse. Não deixe nenhum pai desconfortável. Independentemente de haver ou não alguém na turma com alergias, estas são as regras da escola”.

Johnatan Haidt resolveu perceber melhor o problema dos amendoins. Na sua pesquisa, descobriu que as alergias a amendoins eram raras entre as crianças americanas até meados da década de 90, altura em que um estudo revelou que apenas 4 em cada mil crianças com menos de 8 anos tinham uma alergia deste tipo.

Em 2008, de acordo com o mesmo estudo, a taxa mais do que triplicou, passando para 14 em cada mil e não era claro por que razão as crianças americanas estavam subitamente a tornar-se mais alérgicas a amendoins, mas daí à inibição de consumo como forma de prevenção foi um passo.

Só anos mais tarde se descobriu que o aumento das alergias a amendoins decorreu precisamente desta inibição. Os resultados mais significativos foram publicados, em fevereiro de 2015, nu estudo de referência intitulado LEAP - Learning Early About Peanut Allergy, baseado na hipótese de que o consumo regular de produtos que contêm amendoins, quando iniciado durante a infância, possa provocar uma resposta imunológica protetora em vez de uma reação alérgica.

Contam os autores: “Os investigadores selecionaram pais de 640 bebés com idades entre os 4 e os 11 meses que apresentavam um risco elevado de desenvolverem alergia a amendoins devido a terem eczema grave ou terem de estado positivo para outra alergia. Metade dos pais foi orientada a seguir o conselho padrão para crianças de alto risco evitar toda a alergia e qualquer exposição a amendoins e produtos derivados. A outra metade recebeu um fornecimento de lanches feitos de manteiga de amendoim e milho tufado com a instrução de os oferecer à criança pelo menos três vezes por semana.” Os investigadores seguiram cuidadosamente todas as famílias e quando as crianças completaram 5 anos foram submetidas a testes para verificar reações alérgicas aos amendoins.

Entre as crianças que tinham sido protegidas dos amendoins 17% desenvolveram alergia a amendoins. No grupo que foi deliberadamente exposto a produtos contendo amendoins apenas 3% desenvolveram alergia.

Qual a relação entre as alergias a amendoins e a evolução das crianças nascidas no final dos ano 90 até se tornarem jovens adultos? O ponto de contacto é a cultura de segurança e a proteção face a qualquer potencial risco. Ao quererem garantir a 100% a segurança, os pais podem simplesmente ter inibido respostas naturais, tanto físicas como psicológicas e emocionais, e com isso condicionado a autonomia e o bem estar das pessoas que mais amam, os filhos.

“O sistema imunitário é um sistema adaptativo complexo que pode ser definido como um sistema dinâmico, capaz de se adaptar e evoluir com um ambiente em constante mudança. Precisa de ser exposto a uma variedade de alimentos, bactérias, até vermes e parasitas, para desenvolver a capacidade de gerar uma resposta imunológica a ameaças reais. A vacinação segue a mesma lógica.  (...)Os seres humanos precisam de tensões e desafios físicos e mentais, caso contrário, deterioram-se”, escrevem os autores.

A Infantilização da Mente Moderna
A Infantilização da Mente Moderna créditos: DR

As três grandes inverdades

A infância e o conceito de segurança é um ponto fundamental de observação para entender as questões que, 20 anos depois, afetam a geração que conhecemos como Z (e que no livro de Greg Lukianoff e Jonathan Haidt é designada por iGen, ou Geração Internet).

Estas crianças nascidas na recta final dos anos 90 chegaram à universidade a partir de 2013 e é precisamente a partir dessa altura que os dois autores identificam dois fenómenos: as convulsões nos campus universitários e o aumento das taxas de ansiedade, depressão e suicídio.

Greg Lukianoff e Jonathan Haidt identificam três ideias que condicionam a forma como os jovens Zs olham para o mundo. Ou, como escrevem, “este é um livro sobre três grandes inverdades que parecem ter-se disseminado amplamente nos últimos anos”:

Inverdade nº1: O que não nos mata torna-nos mais fracos;

Inverdade nº 2: Devemos confiar sempre nos nossos sentimentos;

Inverdade nº 3: A vida é uma batalha entre pessoas boas e pessoas más.

Os autores alertam para o impacto da adopção da cultura de “segurança” nas democracias liberais prejudicando não só o desenvolvimento social, emocional e intelectual do indivíduo, mas também comprometendo a perspectiva de construção de uma vida plena e satisfatória.

“Mostraremos como estas três grandes inverdades e as políticas e movimentos políticos que nelas se baseiam estão a causar problemas aos jovens, às universidades e, de um modo mais geral, às democracias liberais”.

O que nos leva ao desafio – ou puzzle como o designam – que juntou os dois autores. E que partiu de Greg e da sua experiência como diretor da Foundation for Individual Rights in Education (FIRE) na defesa da liberdade de expressão, nomeadamente na liberdade académica.  Ao longo da sua carreira, os apelos à censura no campus da universidade vinham sobretudo dos administradores e não dos estudantes. Mas, a partir de 2013 algo começou a mudar.

“Na primavera de 2013, Greg começou a ouvir falar de estudantes que pediam a remoção de conteúdos ‘desencadeadores’ dos cursos. (...) Greg também notou uma pressão intensificada por parte dos estudantes para que os administradores escolares desconvidassem oradores com ideias consideradas ofensivas pelos estudantes. Quando esses oradores não eram desconvidados, os estudantes recorriam cada vez mais ao veto do provocador, protestando de forma a impedir os seus colegas de assistirem à palestra ou de ouvirem o orador”.

Mais do que os próprios factos, Greg Lukianoff  começou a ficar preocupado com as justificações invocadas que estavam a tornar-se cada vez mais de ordem clínica. Os estudantes alegavam, relata,  que certo tipo de discurso e mesmo o conteúdo de alguns livros e cursos, interferiam com a sua capacidade de funcionamento. Alegavam que tal punha em risco a sua saúde mental, fazendo-os sentir-se inseguros.

“O que mudou nos dias de hoje é a premissa de que os estudantes são frágeis. Mesmo aqueles que não são frágeis acreditam frequentemente que os outros estão em perigo.”

“Para Greg, que enfrentara períodos de depressão ao longo da sua vida, esta parecia ser uma abordagem terrível”, relata-se no livro. “Ao procurar tratamento para a depressão, descobriu, tal como milhões de outras pessoas em todo o mundo, que a terapia cognitiva comportamental (TCC) era a solução mais eficaz. A TCC ensina-nos a perceber quando estamos a envolver-nos em várias distorções cognitivas, como a catastrofização, se reprovar neste teste vou reprovar na disciplina e ser expulso da escola e depois nunca vou arranjar emprego...”.

“Estes padrões de pensamento, distorcidos e irracionais, são características da depressão e dos transtornos de ansiedade. Não pretendemos afirmar que os estudantes nunca correm perigo real, perigo físico real, ou que as suas alegações sobre injustiça são, na maioria das vezes, distorções cognitivas. Afirmamos que, mesmo quando enfrentam problemas reais, os estudantes têm uma maior tendência, em relação às gerações passadas, para desenvolverem padrões de pensamento que amplificam a gravidade dos problemas, dificultando a sua solução”, escrevem os autores.

“O terreno de jogo não é uniforme, a vida não é justa. Mas a universidade é o derradeiro ginásio mental"

A questão central é como é que a ausência de exposição de jovens a ideias com as quais não concordam ou que, no limite, os incomodam os torna seres humanos mais preparados para participar em sociedade e, nomeadamente, para defender as causas em que acreditam e corrigir as injustiças que assistem.

“Todos os estudantes devem estar preparados para o mundo que os espera após a universidade. E aqueles que enfrentam o maior desafio, os mais suscetíveis de se sentirem deslocados, são os que devem aprender mais depressa e trabalhar mais arduamente na sua preparação. O terreno de jogo não é uniforme, a vida não é justa. Mas a universidade é provavelmente o melhor ambiente. O terreno de jogo é o melhor ambiente do mundo para confrontar pessoas e ideias que podem ser potencialmente ofensivas ou até francamente hostis. É o derradeiro ginásio mental, repleto de equipamento avançado, treinadores experientes e terapeutas prontos a intervir caso seja necessário.”

Greg Lukianoff desafiou Jonathan Haidt para pensarem nestas mudanças em conjunto, recorrendo à sua experiência como psicólogo social com trabalho publicado sobre as matrizes morais contemporâneas.

O termo matriz que utiliza em livros como “A Mente Justa - Porque as pessoas boas não se entendem sobre Política e Religião” vem do romance de ficção científica Neuromancer, de 1984, escrito por William Gibson, que mais tarde inspirou o filme Matrix. Gibson imaginou uma rede futurista semelhante à internet e descreveu-a como uma espécie de alucinação consensual. “Na altura pareceu-nos a ambos que uma nova matriz moral se estava a formar em alguns nichos das universidades e que estava destinada a crescer. As redes sociais, como é evidente, estão perfeitamente desenhadas para facilitar a disseminação de alucinações consensuais nas comunidades ligadas a uma velocidade vertiginosa, tanto dentro como fora do campus, à esquerda e à direita.”

Começou aqui a história do livro, com os dois autores a submeterem à revista The Atlantic um artigo, em 2015, que se chamava “Rumo à Angústia - Como os campus promovem distorções cognitivas”. O editor da Atlantic, Don Peck, gostou do debate e deu-lhe um novo título: “A Infantilização da Mente Moderna”, que em 2025 se tornou um livro.

“A infantilização significa superproteção. Sempre tivemos sentimentos ambíguos em relação à palavra infantilização. Não gostávamos da implicação de que as crianças de hoje sejam preguiçosas, mimadas e privilegiadas, porque não é verdade. Os jovens de hoje, pelo menos aqueles que aspiram a entrar em universidades seletivas, estão sob uma enorme pressão para terem um bom desempenho académico e acumularem uma longa lista de atividades extracurriculares. Entretanto, todos os adolescentes enfrentam novas formas de assédio, insulto e competição social através das redes sociais. As suas perspetivas económicas são incertas numa economia moldada pela globalização, automação e inteligência artificial, e que se caracteriza pela estagnação salarial da maior parte dos trabalhadores.(...)”, escrevem os dois autores.

“Pelos padrões dos nossos bisavós, praticamente todos nós somos infantilizados. Cada geração tende a ver a geração seguinte como fraca, queixosa e com menos resiliência. Não afirmamos que os problemas enfrentados pelos estudantes e pelos jovens em geral são insignificantes ou fruto da imaginação. Afirmamos que a forma como as pessoas lidam com esses problemas na sua mente irá determinar o impacto que terão nas suas vidas. (...) No entanto, como veremos neste livro, os adultos estão a esforçar-se muito mais atualmente para proteger as crianças. E esse excesso pode estar a ter alguns efeitos negativos. Daí o nosso subtítulo. Como as boas intenções e as más ideias estão a preparar uma geração para o fracasso”.

Microagressões, trigger warnings e espaços seguros

Poucos americanos tinham ouvido falar de espaços seguros no contexto académico até março de 2015 quando o The New York Times publicou um ensaio sobre o conceito de espaço seguro criado por estudantes da Universidade de Brown.

O episódio decorre de um debate entre duas autoras feministas, Wendy McElroy e Jessica Valenti, sobre a cultura de violação na sociedade americana. A discussão era sobre se as atitudes sociais predominantes têm o efeito de normalizar ou banalizar a agressão e o abuso sexual. Os defensores desta ideia, como Valenti, argumentam que a misoginia é endémica na cultura americana e que num mundo assim a agressão sexual é considerada um crime menor. McElroy, por seu lado, contesta a afirmação de que a América seja uma cultura de violação e para ilustrar o seu argumento, compara o país com outros onde a violação é endémica e tolerada, como o Afeganistão onde as mulheres casam contra a sua vontade, são assassinadas pela honra dos homens e violadas. E quando são violadas, são presas por isso e rejeitadas pela família. Isso sim é uma cultura de violação, defende a autora.

Importa clarificar o percurso de McElroy. Sofreu na pele a violência sexual, foi brutalmente violada quando era adolescente, e que já adulta foi espancada por um namorado deixando-a cega de um olho. É uma ativa feminista, mas considera falso e contraproducente dizer às mulheres americanas que vivem numa cultura de violação.

Questão que emerge no novo contexto de campus universitários, como o de Brown, a partir de 2015: se alguns estudantes acreditarem que a América é uma cultura de violação, deveria McElroy  ter permissão para questionar essa crença, ou tal questionamento colocaria esses estudantes em perigo?

O que pareceria uma ideia sem sentido antes de 2010, tornou-se uma justificação plausível nos últimos 10 anos. A lógica parece ser que, se um conjunto de pessoas acredita numa determinada ideia ou visão de mundo e outra pessoa vem defender uma ideia contrária, então está a invalidar e, no limite a causar sofrimento a quem tem a sua crença estabelecida.

E foi assim que um conjunto de estudantes da prestigiada universidade de Brown decidiu impedir a participação de McElroy no debate a fim de proteger os seus colegas de tais danos. A tentativa falhou, mas em resposta a diretora de Brown anunciou que discordava de McElroy e que durante o debate a universidade iria realizar uma palestra concorrente sobre cultura de violação, sem debate, para que os estudantes pudessem saber como a América é uma cultura de violação, sem serem confrontados com opiniões diferentes.

A palestra concorrente não resolveu completamente o problema e uma das estudantes que se opôs à participação de McElroy desenvolveu o que chamou de “espaço seguro” onde qualquer pessoa que se tivesse sentido afetada pelas palavras e ideias da oradora pudesse recuperar e obter apoio. “Na sala havia bolachas, livros para colorir, bolas de sabão, plasticina, música tranquila, bala, almofadas, cobertores e um vídeo de cachorrinhos a brincar. Além disso, estavam disponíveis estudantes e funcionários que se presume terem sido treinados para lidar com traumas”.

Leia-se o relato de um estudante que procurou o espaço seguro: “Senti-me bombardeado por vários pontos de vista que iam contra as minhas crenças mais profundas e mais estimadas”.

A reação geral ao artigo publicado no  The New York Times sobre este episódio foi de incredulidade. Muitos americanos e muitos alunos de Brown não conseguiram perceber porque é que os estudantes universitários precisavam de se manter seguros de ideias.

Do ponto de vista psicológico, a proteção contra ideias que vão contra experiências passadas, nomeadamente as dolorosas, é avaliado de forma distinta à proposta no conceito de espaço seguro.

“Evitar os estímulos é um sintoma de PSPT e não um tratamento para esta perturbação”, escrevem os autores.

A salvo de pessoas que discordam de nós

Jean Twenge, psicóloga da Universidade Estadual de San Diego e especialista em diferenças intergeracionais, descobriu uma descontinuidade acentuada na chamada Geração Z, ou seja quem nasceu depois de 1995. Sofre não só de níveis muito mais elevados de ansiedade e depressão do que as millennials da mesma idade como apresenta taxas mais elevadas de suicídio.

Na sua investigação,Twenge centra-se no rápido crescimento das redes sociais nos anos que seguiram a introdução do iPhone em 2007. “Os membros da iGen são obcecados com a segurança”, afirma, “e definem a segurança com forte enfoque na segurança emocional”. “O seu foco na segurança emocional leva a que muitos acreditem que devemos estar a salvo não só de acidentes de viação e agressão, mas também de desespero e de pessoas que discordam de nós”.

O conceito de estar a salvo de pessoas que discordam de nós é especialmente novo – e preocupante. O que nos leva a um novo termo que são as “microagressões” ou, como definem os dois autores no livro, “o triunfo do impacto sobre a intenção”.

Na prática mais comum, trata-se de interações e comentários quotidianos que são vistos como pequenos atos de agressão, repreensão ou exclusão – e, por vezes, é exatamente isso que são. Mas também existem outras formas de interpretar estas afirmações, alertam os autores. “Mais concretamente, será que devemos ensinar os estudantes a interpretar este tipo de atitudes como atos de agressão? Ensinar as pessoas a ver mais agressividade nas interações ambíguas, a ofender-se mais, a sentir mais emoções negativas e a evitar questionar as suas interpretações iniciais parece-nos, no mínimo, insensato.”

“O conceito de microagressão revela uma mudança moral crucial no campo universitário. Alguns ativistas afirmam que o preconceito tem apenas que ver com o impacto. A intenção nem sequer é necessária. Se um membro de um grupo identitário se sentir ofendido ou oprimido pela ação de outra pessoa, então, de acordo com o paradigma do impacto contra a intenção, essa outra pessoa é culpada de um ato de preconceito.”

Da mesma forma que é de simples bom senso promover interações educadas e desencorajar a utilização de termos que são considerados humilhantes – o que tantas vezes é ridiculizado como politicamente correto – faz sentido cultivar ponderação nas interações que temos uns com os outros. “Se ensinarmos aos estudantes que a intenção não importa e se também os encorajarmos a considerar mais coisas ofensivas, levando-os a sofrer mais impactos negativos, e se também lhes dissermos que quem diz ou faz coisas que consideram ofensivas são agressores, que cometeram atos de preconceito contra eles, estaremos provavelmente a fomentar sentimentos de vitória. A otimização, raiva e desespero aos nossos estudantes passarão a ver o mundo e até a sua universidade como um lugar hostil, onde a situação parece nunca melhorar.”

A educação não deve ter como objetivo fazer com que as pessoas se sintam confortáveis; deve fazê-las pensar 

Sobre isto, recordam os autores. “A noção de que uma universidade deve proteger os seus estudantes das ideias que alguns consideram ofensivas é um repúdio ao lugar de Sócrates, que se descrevia a si próprio como a mosca varejeira do povo ateniense. Acreditava que o seu trabalho era picar, perturbar, questionar e assim provocar os seus concidadãos atenienses a refletirem sobre as suas crenças atuais e a mudarem o que não é verdade”.

Vale também a pena partilhar aquele que se considerava ser o objetivo da educação cunhado pela diretora da Universidade de Chicago entre 1978 e 1993: a educação não deve ter como objetivo fazer com que as pessoas se sintam confortáveis; deve fazê-las pensar.

A ideia de proteção “contra” as ideias dos outros atingiu extremos dificilmente imagináveis há 10 anos. A cultura de denúncia, provocada em muitos casos por atos sem dimensão para tal, foi exponenciada pelas redes sociais. “Não se ganha pontos nem crédito por falar em privado”, escrevem os dois autores, e os vários episódios evidenciam o objetivo de chegar a um público que possa atribuir estatuto àqueles que envergonham ou castigam os alegados infratores. “Esta é uma das razões pelas quais as redes sociais têm sido tão transformadoras. Há sempre um público ansioso por ver as pessoas serem envergonhadas, especialmente quando é tão fácil para os espectadores juntarem-se a eles e aumentarem a pressão.”

Neste contexto, mesmo quem tem simpatia ou quem concorda com os visados sente-se condicionado a expressar a sua opinião, o que torna o debate ainda mais exíguo. Eis como uma aluna do Smith College descreve a sua entrada na universidade no outono de 2014. “Durante os meus primeiros anos no Smith, assisti a inúmeras conversas em que uma pessoa dizia à outra que a sua opinião estava errada. A palavra ofensiva estava quase sempre incluída no raciocínio. Em poucas semanas, os membros da minha turma de caloiros tinham rapidamente assimilado esta nova forma de não pensar. Conseguiam rapidamente detectar uma opinião politicamente incorreta e chamar a atenção da pessoa para o seu erro. Comecei a expressar a minha opinião com menor frequência para evitar ser repreendida e julgada por uma comunidade que diz representar a livre expressão de ideias. Aprendi juntamente com todos os outros estudantes a ter mil cuidados com medo de dizer algo ofensivo. E essa é a norma social aqui.”

Outro dos episódios relatados no livro é o que aconteceu no Evergreen State College, localizado a sul de Seattle e com reputação de progressismo. Em maio de 2017, Evergreen entrou num estado de anarquia, porque um professor de Biologia, Brett Weinstein, politicamente progressista, discordou de uma iniciativa e enviou um e-mail a uma lista de professores para expressar a sua preocupação. Acabou, semanas depois, cercado por um grupo multiétnico de estudantes que marchou até à porta da sua sala de aula, encurralando-o no corredor e exigindo que pedisse desculpas e se demitisse.

A tensão aumentou e o desenrolar dos acontecimentos – que culminou na saída do professor que colocou a faculdade em tribunal – é um espelho severo de uma incapacidade de comunicação e de diálogo.

“Só Deus sabe o que estamos a fazer aos cérebros dos nossos filhos

Voltando aos anos antes dos jovens da geração Z entrarem na universidade.

Os adolescentes começaram a usar o Twitter, fundado em 2006, o Tumblr em 2007, o Instagram em 2010, o Snapchat em 2011 e muitas outras. Com o passar do tempo, as redes sociais tornaram-se cada vez mais viciantes e de forma consciente, como é explicado pelo primeiro presidente do Facebook, Sean Parker, numa entrevista em 2017.

“O processo de pensamento que esteve na base da construção destas aplicações, sendo o Facebook a primeira, girou sempre à volta de como é que podemos consumir o máximo possível do vosso tempo e da vossa atenção consciente. Isto significa que precisamos de vos dar uma pequena dose de dopamina de vez em quando, quando alguém põe um gosto, ou comenta uma fotografia, ou uma publicação, ou o que quer que seja. E isso vai fazer com que contribuam com mais conteúdos, o que por sua vez leva a mais gostos e comentários. É um círculo vicioso de validação social. Exatamente o tipo de coisa que um hacker como eu inventaria por estar a explorar uma vulnerabilidade da psicologia humana”. No início da entrevista, Sean Parker afirma “só Deus sabe o que estamos a fazer aos cérebros dos nossos filhos”.

A geração Z tornou-se assim na primeira geração que passou a sua adolescência imersa na gigantesca experiência social e comercial das redes sociais.

Jean Twenge sugere duas grandes mudanças geracionais que podem estar a impulsionar o aumento da cultura de segurança nos campos universitários desde 2013. A primeira é o facto de as crianças crescerem agora muito mais lentamente.

As atividades que normalmente se pensa marcarem a transição da infância para a idade adulta, como ter um emprego, conduzir um carro, beber álcool, marcar um encontro romântico ou iniciar a vida sexual estão a acontecer mais tarde. Em vez de se dedicarem a estas atividades que normalmente envolvem interação física com outras pessoas, os adolescentes de hoje passam muito mais tempo sozinhos a interagir com ecrãs.

Como resultado, quando os membros da geração Z chegam às universidades a partir do outono de 2013, tinham acumulado menos tempo sem supervisão e menos experiência de vida offline do que qualquer outra geração anterior. Como afirma Twenge, “os jovens de 18 anos agem agora como os jovens de 15 anos costumavam agir e os jovens de 13 como os de 10”. Os adolescentes estão fisicamente mais seguros do que nunca, mas estão mentalmente mais vulneráveis.

Twenge conclui que existem apenas duas atividades que estão significativamente correlacionadas com a depressão e outros resultados relacionados. Utilizar dispositivos eletrónicos, como smartphones, tablets ou computadores e ver televisão. Por outro lado, existem cinco atividades que têm uma relação inversa com a depressão, ou seja, as crianças que passam mais horas por semana nestas atividades apresentam taxas mais baixas de depressão: desporto e outras formas de exercício físico, frequentar serviços religiosos, ler livros e outros meios de comunicação impressos, envolver-se em interações sociais presenciais e fazer os trabalhos de casa.

“Prepara a criança para a estrada e não a estrada para a criança”

Como os autores apontam: há uma diferença padrão nisto, com ecrã ou sem ecrã.  “As taxas de ansiedade e depressão já estavam a aumentar entre todos os adolescentes antes de chegar à universidade, e também entre aqueles que nunca frequentaram a universidade.”

“Dado que os riscos e as tensões são partes naturais e inevitáveis da vida, pais e professores deveriam ajudar crianças a desenvolver as suas capacidades inatas para crescerem e aprenderem com essas experiências. Há um velho ditado que diz, prepara a criança para a estrada e não a estrada para a criança. Mas hoje em dia parece que estamos a fazer exatamente o oposto”, escrevem. “Estamos a tentar eliminar tudo o que possa perturbar as crianças, sem nos apercebermos que ao fazê-lo estamos a repetir o erro da alergia dos amendoins. Se protegermos as crianças de diversas categorias de experiências potencialmente perturbadoras, tornámo-las muito mais propensas a não conseguirem lidar com os tais acontecimentos quando deixarem a nossa esfera de proteção.”