O surto do novo Covid-19 está a mudar a maneira como vivemos, trabalhamos e socializamos. O distanciamento social está a forçar-nos a reformular todos os aspetos das nossas vidas, talvez para sempre.
Nos últimos dois meses, o novo coronavírus atingiu a Europa gradualmente e, mais tarde, subitamente. Escolas e universidades estão encerradas. Lojas, bares e restaurantes fechados. Zonas comerciais desertas. Aeroportos despovoados. Confrontados com esta pandemia, países por todo o mundo lutam desesperadamente para “achatar a curva” e, consequentemente, evitar o colapso dos sistemas de saúde, como já está a acontecer em Itália e Espanha. Por agora, existe apenas uma solução: o distanciamento social intercalado com uma boa lavagem de mãos.
Esta pandemia forçou empresas e pessoas a procurar soluções que as ajudem a adaptar-se a esta nova realidade: novas maneiras de trabalhar, educar crianças, praticar exercício físico, comunicar, fazer compras. Mas momentos de crise também proporcionam oportunidades para inovação. Vimos exemplos disso no passado quando o surto de SARS de 2003 ajudou a impulsionar o setor de comércio eletrónico da China. Este setor experienciou um tremendo crescimento após esta epidemia, especialmente com a empresa de comércio eletrónico chinesa Alibaba. Enquanto as incertezas sobre a Covid-19 continuam a aumentar, os consumidores estão a tornar-se mais cautelosos ao fazer compras em locais públicos e, mais uma vez, utilizam a Internet como meio de obter o que precisam.
Para além do número de utilizadores de Internet a nível global ter explodido, também se destacaram outros fenómenos nos locais fortemente afetados pela Covid-19. Desde que o epicentro do vírus se encontra em Itália, as águas dos canais de Veneza nunca estiveram tão limpas. Isto tem uma explicação: a quarentena implementada no país afastou os residentes e os turistas das ruas, o que, por sua vez, fez com que o uso de barcos e gôndolas nos canais parasse. Para além disso, algumas leituras por satélite dos níveis de poluição do ar na China, Itália e Espanha mostram que nas regiões mais atingidas pela Covid-19 houve uma queda drástica nos níveis de poluição do ar. De acordo com alguns relatos, a quarentena na China impediu que mais de 100 milhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono entrassem na atmosfera - que é aproximadamente o equivalente ao que o Chile produz no espaço de um ano.
Embora existam alguns efeitos positivos decorrentes da pandemia, não podemos ignorar o impacto que esta continuará a ter, por um período indeterminado de tempo, nos setores dependentes de grandes aglomerados de pessoas. Cafés, ginásios, restaurantes, bares, discotecas, hotéis, teatros, cinemas, museus, salas de espetáculo e companhias aéreas estão a passar por tremendas dificuldades financeiras. As pessoas têm vindo a adotar novos comportamentos, em conformidade com as recomendações das direções de saúde, para impedir a propagação do vírus. Todo o cuidado é pouco e ficar em casa e evitar contacto físico tornou-se um pensamento recorrente na mente de todos. Enquanto tentam manter as suas fontes de rendimento e dar resposta às necessidades básicas das populações, padarias, restaurantes, farmácias e supermercados adotaram serviços de entrega em domicílio ou take-away. De acordo com a startup de fintech Ifthenpay, desde que o vírus se instalou em Portugal, a adesão destes setores a pagamentos por referência de multibanco aumentou exponencialmente. Também na última semana, a SIBS revelou que as compras feitas por MBWay (aplicação portuguesa que oferece uma solução de multibanco para compras e transferências imediatas via telemóvel ou tablet), contactless e QRcode aumentaram nas lojas físicas. Estas soluções de pagamento têm vindo a mostrar-se populares pois correspondem mais eficazmente às recomendações das autoridades de saúde para a prevenção do contágio.
Todas estas mudanças no estilo de vida das populações tiveram um enorme impacto no mercado das bolsas de valor. Quando a Covid-19 foi oficialmente declarado pandemia, as ações caíram mais de 20%, tendo estas atingido o seu pico no mês passado. Ambos os eventos estão relacionados, já que a bolsa de valores reflete os sentimentos do público em relação ao futuro e, neste momento, o futuro é incerto, volátil e instável. Estamos a viver um momento único na história da humanidade quando, quase de um dia para o outro, o mundo pára e o medo de uma recessão provocada pelo vírus perdura.
Contudo, enquanto a maioria das empresas viram o valor das suas ações descer a pique, algumas conseguiram, contra todas as probabilidades, aumentar os seus volumes de negócio em tempos de crise. A Zoom, uma plataforma de videoconferências, tornou-se um nome familiar nos dias de hoje - alunos, amigos, hospitais, famílias e trabalhadores a utilizar a plataforma para se conectarem virtualmente. Desta forma, em contracorrente, observámos o valor das suas ações subir de forma acentuada, cerca de 74% apenas este ano.
Nos últimos meses, com a disseminação da Covid-19, o interesse por tecnologias que auxiliam o trabalho remoto aumentou. Monday, um sistema operacional para trabalho, está connosco há algum tempo. No entanto, desde o início do surto, o uso da plataforma aumentou 60% - na China o uso aumentou em 200% - com fenómenos semelhantes esperados em países como Itália ou Espanha. O mesmo aconteceu com o Microsoft Teams: a 18 de março de 2020, o número de utilizadores diários aumentou 12 milhões, de 32 milhões para 44 milhões de utilizadores diários por todo o mundo. Os números de utilizadores destas plataformas de trabalho remoto vão ter tendência para aumentar em conformidade com os números de pessoas que passem a trabalhar a partir de casa em resposta à disseminação da Covid-19.
Enquanto algumas empresas foram intensamente atingidas pela pandemia, as maiores empresas de tecnologia estão a prosperar. Tornámo-nos cada vez mais dependentes dos serviços das empresas mais proeminentes do setor tecnológico, quer seja para entretenimento ou para obter bens essenciais. Assim, temos vindo a observar um aumento no tráfego de sites de streaming de vídeo e plataformas de redes sociais. Todos nos aborrecemos em casa durante a quarentena e multinacionais como a Netflix, um serviço de streaming de filmes e séries, fornecem exatamente o que necessitamos nesta altura: algo para fazer com o nosso tempo. Posto isto, os downloads da aplicação da Netflix aumentaram 66% em Itália e 35% em Espanha.
Também o Facebook tem vindo a ter imenso tráfego este ano, com grandes aglomerados de pessoas a recorrer a notícias e procurar distrações na aplicação enquanto trabalham em casa. Tanto a aplicação Messenger como o serviço de chamadas de voz do Whatsapp viram o seu volume aumentar para o dobro. Outra fonte de entretenimento que se tornou imensamente popular nos últimos anos são os videojogos. O uso de videojogos e a sua transmissão ao vivo aumentaram globalmente no mês de março. No fim de semana de 14 de março houve um aumento nas audiências de streaming em relação ao fim de semana anterior, com as visualizações do Twitch a subir quase 10% e as do YouTube Gaming 15%.
Com isto em mente, outras empresas de caráter tecnológico têm procurado formas de se adaptar a esta nova maneira de viver. O Tinder é uma delas, estando atualmente a testar novas maneiras de envolver os seus utilizadores e ajudá-los a superar o isolamento advindo da quarentena. Na semana passada, a app anunciou a nova Passport feature que permite que os utilizadores se transportem para fora da auto-quarentena e conectem com qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo. Enquanto que o Tinder procura conectar utilizadores à escala global durante este período, a Plenty of Fish (outra aplicação de encontros) teve uma abordagem diferente e anunciou uma nova feature que permite aos seus utilizadores fazerem transmissões ao vivo sem qualquer custo monetário associado.
Embora algumas empresas tenham adaptado o seu modelo de negócio para atender às novas necessidades dos consumidores, outras optaram uma abordagem diferente. Algumas adaptaram as suas tecnologias para atender às necessidades dos sistemas de saúde e ajudar as pessoas que lutam na linha de frente: médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde. A empresa italiana Isinnova, desde que pandemia atingiu Itália, começou a desenvolver ferramentas inovadoras para salvar vidas. Depois de criar válvulas para ventiladores utilizando sistemas de impressão 3D em menos de seis horas, a empresa volta com uma nova ideia: transformar máscaras de mergulho da Decathlon em ventiladores. O produto já foi testado em pacientes nos cuidados intensivos de um hospital italiano e funcionou. Algo semelhante também ocorreu em Portugal. A empresa portuguesa de impressão 3D, FAN3D, está a produzir e enviar gratuitamente viseiras de proteção para hospitais com o objetivo de dotar os profissionais de saúde de proteções necessárias para evitar um possível contágio de Covid-19.
O mundo está em constante mudança. Cabe-nos a nós encontrar novas formas de nos adaptarmos a esta realidade - novas maneiras de trabalhar, viver e comunicar. Dado que muitos trabalhadores e empresas foram forçados a mudar sua maneira de trabalhar, é provável que algumas dessas mudanças permaneçam após a Covid-19. Uma coisa é certa: esta pandemia provavelmente mudará as nossas vidas de uma maneira nunca vista antes.
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