
Agather Atuhaire é advogada e jornalista, crítica do governo do presidente de Uganda, Yoweri Museveni, que está no poder há quase 40 anos. O trabalho que tem desenvolvido de denúncia de corrupção como diretora da organização 'Agora Centre for Research' deu-lhe reconhecimento internacional e, em 2024, recebeu o prémio 'International Women of Courage Award' nos Estados Unidos.
Esta segunda-feira, 19 de maio, foi presa, em Dar es Salaam, o centro económico da Tanzânia, país vizinho para onde tinha viajado para acompanhar o julgamento de Tundu Lissu, o principal líder da oposição local que foi preso e julgado por traição. O dirigente, cujo partido foi excluído das próximas eleições gerais em outubro, pode ser condenado à pena de morte.
Cinco dias após ser detida, Atuhaire foi abandonada por agentes de segurança tanzanianos na manhã de sexta-feira, perto da fronteira com Uganda, depois de sofrer o que descreveu como uma provação brutal.
Antes de partir, disseram-lhe: “O que acontece na Tanzânia, fica na Tanzânia. Temos vídeos seus”, disse à AFP numa entrevista na capital do Uganda, Kampala.
Agather Atuhaire foi presa em conjunto com Boniface Mwangi, um conhecido ativista queniano de direitos humanos, que também pretendia assistir ao julgamento de Lissu.
A polícia tanzaniana, segundo ela, acusou ambos de terem sido enviados por “brancos” para “desestabilizar” o país.
Depois de serem interrogados, foram vendados e levados para um local desconhecido. Aí, Mwangi foi retirado do veículo e agredido.
“Ouvi os gritos”, disse Atuhaire, acrescentando que os polícias colocaram a tocar música gospel no rádio do carro para encobrir os gritos. No seu caso, relatou, foi despida e as mãos foram algemadas aos tornozelos. Os jornalistas da AFP comprovaram que tinha ferimentos nos antebraços e nas pernas.
Um dos polícias tanzanianos bateu na palma dos seus pés “com força total”, enquanto outro enfiou um objeto no seu ânus, acrescentou. “Eu não imaginava que houvesse tanta dor”, contou.
Depois, acrescentou, cobriram-lhe o corpo com excrementos.
Toda a sua provação foi registada “para humilhar, incutir medo e também para silenciar”, disse.
“Estão habituados a que o abuso sexual seja algo de que a vítima se envergonhe. Mas não sou eu que devo ter vergonha, são eles”, disse Atuhaire.
O Departamento de Estado dos EUA afirmou, neste sábado, que estava “profundamente preocupado” com os relatos de abuso sofridos por Atuhaire e Mwangi, e pediu uma “investigação imediata e completa”.
A Amnistia Internacional também exigiu que a “tortura e a deportação forçada” de Mwangi e Atuhaire sejam “investigadas com urgência”.
A AFP tentou entrar em contato com o governo da Tanzânia para comentar o assunto, mas não obteve resposta.
"Não permitam que indivíduos mal-educados de outros países interfiram nos nossos assuntos”
A presidente da Tanzânia, Samia Suluhu Hassan, afimou na segunda-feira que ativistas estrangeiros estavam a tentar “intrometer-se e interferir” nos assuntos do país. Acrescentou que tinha pedido aos serviços de segurança que “não permitam que indivíduos mal-educados de outros países interfiram nos nossos assuntos”.
A oposição tanzaniana e as ONGs de direitos humanos denunciam a repressão política do governo de Hassan, que acusam de voltar às práticas autoritárias de seu antecessor John Magufuli (2015-2021).
Atuhaire, por seu lado, adiantou que fará queixa contra a Tanzânia.
“Para mim, a necessidade de justiça está acima de tudo, acima de qualquer sentimento de vergonha, que eu nem sequer sinto”, disse ela.
“É claro que é difícil. Tenho dores físicas. Tenho a certeza de que terei de lidar com sofrimento mental e psicológico. Mas não darei a ninguém, a nenhum desses assassinos, a essas organizações criminosas que temos como governos, o prazer de me ver despedaçada”, disse.
As eleições presidenciais e legislativas serão organizadas em outubro. A Tanzânia tem mais de 65 milhões de habitantes e é governado pelo mesmo partido desde a independência em 1961.
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