O CDS está em mais de 40 câmaras municipais, nos governos regionais da Madeira e dos Açores e tem um deputado no Parlamento Europeu. E teve mais votos do que o PAN ou o Livre (que até ficou abaixo dos nulos). Agora, na coligação AD - Aliança Democrática, tem garantido o regresso à Assembleia da República e, se ganhar as eleições, a presença num governo de direita.
Nesta entrevista, Nuno Melo, líder do CDS-PP, diz que o Chega não é um partido de direita e a prova é que replica parte das propostas do Bloco de Esquerda, como a de aumentar os impostos sobre as gasolineiras, esquecendo que esse aumento será repercutido no consumidor.
No que toca à saúde, aquela que é considerada a prioridade da AD em matéria de Estado social, o democrata cristão defende o regresso das parcerias público-privadas: "Precisamos de retirar a ideologia daquilo que, neste momento, acaba por ser o resultado de um colapso". Não interessa se é públicos, social ou privado, o que importa é que os portugueses sejam bem atendidos e tratados, diz. E propõe um pacto de regime para a justiça.
A AD viabilizará ou não um governo minoritário do PS?
A AD vai vencer as eleições, não vai ter de viabilizar coisa nenhuma, vai ter de formar governo, assim acredito. E quando temos uma perspectiva, que é essa, de dar uma nova esperança ao país, é nisso que temos de nos concentrar.
Um bom estratega tem sempre vários planos. Qual é o plano B?
Um bom estratega tem um plano, segue-o e tenta concretizá-lo. Foi o que eu fiz há dois anos, quando me candidatei à liderança do CDS. O plano, agora, é vencer o país e dar uma alternativa e uma nova esperança a Portugal, e é nisso que temos de nos concentrar. Quando se concentra na vitória, não tem de se estar a traçar cenários hipotéticos de vitória dos outros. Nós estamos aqui para derrotar o PS e Pedro Nuno Santos. Logo, o PS e Pedro Nuno Santos não vão ser governo. Não merecem ser governo.
"A AD vai vencer as eleições, não vai ter de viabilizar coisa nenhuma, vai ter de formar governo"
Porquê a coligação com o PPM e Gonçalo da Câmara Pereira, se ainda por cima teve 260 votos nas últimas eleições — há mais família Câmara Pereira do que votos —, e que ainda por cima mandaram calar?
A AD é uma marca registada, entre aspas, e datada. Nasce no projecto originário em 1979, com Freitas do Amaral, Sá Carneiro e Ribeiro Telles. E aquilo que se reedita inspira-se nesse projecto, que em certa medida é intemporal, é uma marca de sucesso — sempre que o PSD e o CDS se juntaram nunca perderam eleições legislativas.
E faz sentido neste projecto, que é de três partidos. A coligação é de partidos, não é de pessoas, embora as pessoas façam parte desses partidos. Os três partidos são partidos que continuam representados nessa marca.
Mas as marcas, normalmente, modernizam-se. Esta tem 45 anos. Não deveria ter sido pensada para como será daqui a 50 anos, em vez de ser pensada como era há 50 anos?
Não, porque a AD não é passado, é presente. Repare, neste momento o CDS está em 40 executivos em coligação com o PSD, em AD. Está nos governos regionais dos Açores e da Madeira...
"Acredito que o CDS vai eleger quatro deputados"
Que têm corrido lindamente.
Sim, por acaso não tem corrido nada mal, incidentes à parte. Se olharmos para aquilo que acontece do ponto de vista das prestações às pessoas através de um governo e de lideranças, pudéssemos nós no continente ter muito daquilo que foi alcançado nos Açores e na Madeira. Com a marca que é da AD.
Portanto, desse ponto de vista, não estamos a pensar na AD de há 50 anos. Essa AD é fundacional, inspira e orgulha-nos. É uma marca de sucesso, que está datada mas é intemporal, que se projecta no futuro, como todas aquelas que são marcas de sucesso. Uma marca, sendo antiga, não significa que hoje não seja vendável e não tenha muito futuro e trabalhe todos os dias nesse sentido.
Se não fosse assim, a AD não teria vencido tantas eleições e não estaria neste momento a ser experimentada em mandatos que são exercidos por pessoas do CDS, por pessoas do PSD, por pessoas do PPM.
O que implica o acordo de coligação, que compromissos foram assumidos com o CDS? Regressa à Assembleia da República, mas terá gente num governo se a AD ganhar?
Esta é uma coligação para as eleições legislativas, para o Parlamento Europeu e vai até às eleições autárquicas, muito embora nas eleições autárquicas com respeito por aquilo que são dinâmicas muito próprias do ponto de vista local. Mas, sendo uma coligação para eleições legislativas, é obviamente uma coligação com incidência de governo.
Agora, o governo é o que neste momento menos nos preocupa, porque antes disso temos de vencer as eleições, o que implica trabalhar muito. Por isso, todo o esforço é passo a passo e nesse sentido. Primeiro vencer eleições, depois pensar num governo. Mas, obviamente, o CDS deverá lá estar [no governo].
Gostaria de ser ministro de que pasta?
Também gostava de saber, mas é coisa em que nunca pensei, sinceramente. Passo a passo: temos primeiro de vencer as eleições.
"Sempre que o PSD e o CDS se juntaram nunca perderam eleições legislativas"
O primeiro a escolher é Paulo Portas, depois é que vem Nuno Melo?
Há uma coligação que tem um líder, Luís Montenegro. Ao Luís Montenegro compete definir ministérios e titulares das pastas. O CDS, felizmente, é um partido que tem quadros extraordinários. Referiu um, quisesse o Paulo e quisesse o Montenegro, tenho a certeza de que Portugal ficaria muito bem servido com isso.
Nas perguntas à queima-roupa (ver caixa) menciona os radicais assumidos. Em que medida é que a AD deve considerar o Chega uma linha vermelha?
A questão está encerrada, Luís Montenegro já esclareceu que não leva o Chega ao governo. Não é não, isso está ultrapassado. Dou-lhe apenas a minha visão. Sobre essa conversa das direitas, e da necessidade de as direitas se entenderem, acho que um partido não é de direita porque diz que é de direita.
Um partido é de direita, ou é de esquerda ou é um partido populista radical, como considero que o Chega é, por aquilo que é definidor no que apresenta como propostas para o país.
E, desse ponto e vista, um partido que quer mais Estado, mais taxas e mais impostos, um partido que quer a TAP nacionalizada e a viver com impostos dos contribuintes (que os contribuintes já não têm porque estão exauridos), um partido que quer o PRR transformado em subsídios à habitação, um partido que quer o Estado fiador de empréstimos alheios, um partido que quer, neste momento, as polícias a fazerem greve e secções partidárias dentro dos quartéis, seguramente, não é um partido de direita.
Se verificarmos no plano financeiro e económico, além do mais, é um partido que replicou e reproduziu aquilo que são as principais propostas do Bloco, equiparando as pensões mínimas ao salário mínimo nacional, o que significaria um buraco anual de 14 mil milhões de euros.
"Esta é uma coligação para as eleições legislativas, para o Parlamento Europeu e vai até às eleições autárquicas [...] é, obviamente, uma coligação com incidência de governo"
Sabe de quanto dinheiro precisa a AD para concretizar o seu programa?
Não.
Sabe os números do Chega e não sabe os da AD?
Isto significa que estamos a falar, tenho aqui uma nota para as pessoas perceberem melhor, de oito aeroportos do Montijo, oito aeroportos de Alcochete, cinco TAP, [quase] um orçamento nacional de Saúde. E estamos a discutir porque não há dinheiro.
Estamos a falar de um partido que copia a proposta do Bloco de Esquerda de aumentar os impostos sobre as gasolineiras, que quantifica em 40%, esquecendo que não são as gasolineiras que vão pagar os impostos, são os consumidores, um pormenor. Mas o Chega compra a conversa da esquerda do ataque ao capital.
Um partido assim não é um partido de direita. É um partido que tem uma estética que é de direita, quando fala de migrantes, quando fala da corrupção, mas em tudo aquilo de substancial que propõe para o país é de um populismo radical. O programa do Chega está muito mais próximo do programa do Bloco de Esquerda ou do programa do Partido Socialista do que do programa da AD.
Já percebi que não fixou números do programa da AD. Mas, como falou nisso, gostava de escalpelizar o programa da AD em matéria de imigração.
Fixei o programa da AD, por amor de Deus, mas está a falar de centenas de páginas. O essencial da imigração resume-se na velha frase do CDS, que por acaso também está vertida no programa da AD, que tem que ver com isto: rigor na entrada, humanismo na integração.
Aliás, no programa vê lá a reavaliação ou a análise do processo de extinção do SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras]. É evidente que o país, na regulação dos seus fluxos migratórios, tem de ter mais ou menos presentes as necessidades, que não têm apenas que ver com determinadas profissões, porque o país pode ter necessidade de trabalho indiferenciado.
E isso traz lucidez para uma discussão que, nesta coisa das portas abertas que o Partido Socialista garantiu, influenciado pelo Bloco e pelo PCP, acaba no que se vê: pessoas na rua, a dormirem ao frio, em tendas, junto a igrejas, junto a instituições públicas. Esse é o custo de oportunidade de quem vende ilusões, nisso deixando margem para os populismo radicais manipularem emoções e crescerem em votos.
O controlo europeu de fronteiras também não está a funcionar. Aliás, a UE deu 6 mil milhões à Turquia para receber migrantes – não sabemos o que é feito deles. Não podia ter feito melhor com esse dinheiro?
A Turquia também é membro da NATO, se fosse um parceiro assim tão desqualificado, não tínhamos feito parcerias. Estamos a falar de um impacto de fluxos migratórios em pouco países, na Grécia e em Itália, principalmente, agora também em Espanha. E, nesse caso, apesar de na percepção imediata o problema ser longínquo, afecta-nos a todos. Isto tem de ter respostas.
Disse que a coligação é extensível às eleições europeias. Está no Parlamento Europeu há 15 anos, desde Junho de 2009. Se for eleito, e está num lugar elegível, ficará na Assembleia da República, no governo ou vai para Bruxelas?
Eu candidato-me, desta vez, a pensar num ciclo que é de país, na Assembleia da República. O que para mim é muito relevante é saber que neste projecto, depois de há dois anos 90% dos comentadores terem dito que o CDS tinha desaparecido, o CDS volta a ser parlamentar, acredito que ascenderá a um governo, num projecto que é de país e que transcende em muito o CDS e o próprio PSD. E isso, para mim, é que conta. Tudo o resto, mandatos, quem é que exerce mandatos, quem será candidato, quem deixará de ser candidato, não interessa. Penso mesmo cada ciclo no seu tempo, e este é o das legislativas. Se me perguntar quem vai ser candidato do CDS a eleições europeias, não sei. Não sei, porque não defini.
Mas agora não será do CDS, será da AD.
Mas haverá candidatos do CDS. Mas a minha prioridade neste momento não está sequer projectada num governo, está projectada nas eleições legislativas e na necessidade de as vencer com uma maioria que seja robusta, para não dependermos de outros. Como se viu nos Açores, de resto, com uma vacina que acho que vale para o país inteiro. Depois se verá tudo o resto.
"A questão está encerrada, Luís Montenegro já esclareceu que não leva o Chega ao governo"
Logo se verá quer dizer que, ainda assim, pode voltar para Bruxelas.
Não, quer dizer que estarei cá, certamente, e com um belíssimo resultado da AD e uma nova esperança para Portugal.
Enquanto está a fazer campanha quem está a tratar dos assuntos de que normalmente se encarrega no Parlamento Europeu?
Eu, felizmente. Sabe que uma grande vantagem...
Do trabalho à distância...
Não, trabalho à distância e trabalho lá — usando um plebeísmo, sai-me do pêlo.
O CDS tem cá gabinete do PE?
O CDS tem gabinete no Jean Monnet [R. do Salitre, Lisboa], onde todos os partidos têm um gabinete.
Mas usa?
Uso-a muito pouco, ultimamente aqui e ali, e também a nossa sede no centro histórico, no Largo do Caldas. Mas o que lhe queria dizer é que a vantagem deste mandato europeu, e isso é extraordinário, é que, realmente — e, se se recordar, o nosso cartaz nas eleições europeias dizia "A Europa é Aqui" —, não há nenhum tema europeu que não seja simultaneamente em tema nacional. Portanto, eu estando cá ou lá, e estou cá e lá normalmente à razão semanal, estou a tratar daquilo que é politicamente relevante no país e na União Europeia. Não tenho uma coisa e outra como compartimentos estanques.
"Candidato-me, desta vez, a pensar num ciclo que é de país, na Assembleia da República"
Embora, normalmente, não discutamos questões europeias na Assembleia da República.
Por acaso tem normalmente essa preocupação em todas as entrevistas que fazemos. E é muito importante falar da Europa, porque as pessoas cada vez mais têm de ter a noção de que o essencial do que define a nossa vida já acontece em Bruxelas e em Estrasburgo.
Aliás, os governos fazem muitas vezes questão de confundir as pessoas; quando a medida é boa, foram eles que inventaram, quando é má, a culpa é de Bruxelas. Quando o que estão a fazer é apenas a transpor directivas europeias para o direito nacional, num e noutro caso.
É típico.
Sobre mobilidade, apresentou um requerimento à Comissão Europeia por causa da bitola [comboios], que em Portugal é uma e no resto da Europa é outra. Teve resposta?
Portugal tem bitola ibérica. Recebi da Comissão a resposta de que na proposta portuguesa haverá depois a possibilidade de reconversão da bitola ibérica para a bitola europeia, mas, obviamente, acarretando gastos, necessariamente. Num país que tem poucos recursos, apesar dos fundos comunitários, acho que a questão da bitola é essencial, porque a mobilidade não termina nos Pirenéus.
Mesmo a Espanha já está a fazer um esforço para superar uma coisa que também está datada na história. Mas há outras coisas, o transporte não pode ser pensado só para passageiros, deve ser pensado para passageiros e para mercadorias.
Para mim, a grande questão tem que ver com o momento e está mal explicada, sobre a necessidade deste governo em gestão decidir, como decidiu, investir milhões, não tendo eu a certeza se, de facto, do ponto de vista da extinção do prazo, tinha de ser assim, designadamente nos projectos para os quais o governo decidiu a sua opção. Acho que está tudo mal contado, mas é uma das novelas que se perceberá melhor no futuro.
"O essencial do que define a nossa vida já acontece em Bruxelas e em Estrasburgo"
Mas estamos a discutir isto há mais de 20 anos, um tema tão importante como o TGV.
O TGV foi uma grande discussão no tempo do Eng.º Sócrates, quando já se percebia que Portugal caminhava para um buraco e para a bancarrota. E tinha, através do PS, aquela coisa quase dogmática de que era através do investimento público que íamos superar as nossas dificuldades. O TGV era um dos exemplos paradigmáticos. De resto, há intervenções muito interessantes na Assembleia da República, quer do CDS, que do PSD, já a antecipar o disparate.
Sobre o que foi e o que não foi feito, pergunto-lhe se concorda com Pedro Nuno Santos quando diz que temos de saber escolher os sectores em que queremos apostar. Que não podem ser muitos. Já tivemos o relatório Porter, os PIN e o PRR, mas fica sempre tudo por fazer.
Nunca concordo com Pedro Nuno Santos. Nos últimos 27 anos, o PS governou vinte. Teve os meios e os instrumentos para aplicar, do ponto de vista da transformação da sociedade, aquilo que era a sua visão. Dito isto, a fórmula socialista assenta num modelo que é de apropriação excessiva do esforço dos outros, retirando rendimentos às famílias e retirando rendimentos às empresas, tendo como consequência salários baixos.
Quando a esmagadora maioria da riqueza que uma empresa cria — além de todos os processo burocráticos de um Estado que não dá boa conta de si —, é apropriada, deixa pouca margem para subir salários. Se uma empresa tiver maior disponibilidade financeira, nessa disponibilidade pode subir salários. Mas grande parte disso é para o Estado, mais de 40%. Isso não é motivador nem da criação de emprego, nem do aumento de salários.
É uma questão de modelo económico. E nós acreditamos que devolvendo dinheiro às famílias e às empresas criamos maior margem para aumentar o consumo, aumentar o investimento, gerar mais riqueza, dar mais confiança à economia, criar mais postos de trabalho e melhorar salários, num processo que não é de hoje para amanhã.
Mas vamos voltar ao CDS e a 2022, antes de avançar para soluções e medidas concretas. O CDS teve o pior resultado de sempre. E se a AD perder agora, deixa liderança CDS?
Temos um desafio a dois tempos. Uma coisa é o que tem que ver com o CDS, outra é aquilo que tem que ver com a coligação. Mas uma coisa lhe garanto, independentemente de o CDS voltar à Assembleia da República não sentirei que tivemos uma vitória se, simultaneamente, não vencermos as eleições legislativas.
Portanto, não celebrarei propriamente uma vitória apenas pelo facto de o CDS voltar à Assembleia da República, muito embora voltar à Assembleia da República seja um exercício de justiça para o CDS e simultaneamente bom para a democracia em Portugal. Uma coisa eu sei: há dois anos estava-se a discutir que o CDS tinha desaparecido, hoje estamos a discutir quantos deputados é que o CDS vai ter na Assembleia da República.
"A fórmula socialista assenta num modelo que é de apropriação excessiva do esforço dos outros"
E quantos deputados quer conseguir?
Não que eu trabalhe propriamente a pensar história, mas acho que no que tem a ver com este ciclo do CDS as pessoas não deverão dar por mal decidido aquilo que aconteceu no Congresso de Guimarães, bem vistas as coisas.
Acredito que o CDS vai eleger quatro deputados. Com sorte cinco, a correr muito bem. Mas quatro deputados é um bom recomeço e dá-nos a possibilidade de um grupo parlamentar eficaz, porque, além do mais, será constituído por pessoas com muito qualidade.
O partido perdeu votos sobretudo no eleitorado jovem e nas mulheres. O mundo mudou, mas continuamos a discutir as mesmas coisas de há 50 anos, ninguém fala de cyber moeda, falamos de médicos e não discutimos genética, de professores e nem sabemos o que aí vem de novas tecnologias. Os políticos pararam no tempo?
Não, mas convirá que neste tempo, quando as pessoas chegam à porta da urgência de um hospital, que muitas vezes encontram fechada, querem uma consulta ou uma cirurgia que não conseguem e disso depende a sua vida, têm familiares ou os próprios estendidos em macas nos hospitais, precisam de um médico de família que não existe, precisam de arrendar uma casa e não conseguem...
Isto para dizer que, com todo o respeito pela cyber moeda, acho que há, pragmaticamente, preocupações bem mais prementes que exigem a atenção dos políticos e respostas rápidas.
Mas as consultas à distância não são uma preocupação do Sistema Nacional de Saúde?
Uma coisa não invalida outra. Mas no debate político, numa escala de prioridades, o facto de definir no discurso e no debate determinados temas que estão na ordem do dia...
"O Partido Socialista transformou hospitais bem geridos e premiados, caso de Braga, em hospitais hoje cheios de problemas"
Significa que nunca vão discutir temas do futuro.
Não invalida que não tenha preocupação em relação a outro temas. Tenho visto ausente dos debates televisivos, com muita pena, o tema da agricultura. Ainda não ouvi nenhum jornalista fazer uma pergunta sobre agricultura. E não sei se a agricultura é nova ou velha, diria que é intemporal, porque sem comidinha ao pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar a humanidade desaparece.
Da mesma maneira, tem uma guerra na Ucrânia e quase não ouve falar das Forças Armadas, de defesa. E devíamos. Ou seja, há muitos temas que não têm estado em cima da mesa porque as preocupações na vida das pessoas têm um efeito gravitacional, as pessoas estão preocupadas com a saúde, a discussão anda à volta da saúde. Anda à volta do ensino, anda à volta daquilo que, neste contexto imediato, as pessoas querem ver resolvido.
Qual o contributo do CDS para o programa da AD, qual a marca d'água do CDS?
Em todos os capítulos tem uma marca do CDS. Este programa foi trabalhado em conjunto. O CDS contribuiu com muitas medidas, o texto originário foi muito alterado através do contributo dos grupos programáticos do CDS, que nasceram de um congresso estatutário já no ciclo da minha liderança, e que juntam quadros muito reconhecidos do CDS, mas também muitos independentes de todas as áreas, que durante dois anos foram identificando problemas e foram lançando soluções.
Paulo Núncio [ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais] foi a pessoa que participou no grupo de trabalho da AD e fez verter no programa muitas das preocupações do CDS e aquilo que é a visão do CDS. Sendo que em muitas destas medidas, obviamente, há uma concordância entre os PSD e o CDS, não há grandes diferenças de abordagem nos principais problemas. Há, depois, outras matérias em que, por razão quase ideológica, o CDS tem como mais relevantes.
Se não divergem em nada muito fortemente, para quê dois partidos?
Expressamente no acordo está previsto que há temas relativamente aos quais os partidos não estão vinculados, que são temas por nós tidos como identitários, de consciência individual, com é evidente. Porque nós procuramos num acordo os grandes denominadores comuns.
"Quando a violação do segredo de justiça nasce na justiça há uma contradição nos termos que nos deve fazer pensar"
Falou na saúde, que a AD tem como principal prioridade no âmbito social. Quais as soluções que a Aliança Democrática apresenta?
Aquilo que para nós é relevante no que tem que ver com a saúde é perceber que precisamos de devolver humanismo e eficácia ao Serviço Nacional de Saúde. E precisamos de retirar a ideologia daquilo que, neste momento, acaba por ser o resultado de um colapso que, infelizmente, é discutido todos os dias na campanha eleitoral.
A única coisa que o Partido Socialista trouxe durante estes oito anos para cima da saúde em Portugal, e do SNS em particular, foi ideologia. O Partido Socialista transformou hospitais bem geridos e premiados, caso de Braga, em hospitais hoje cheios de problemas. Porquê? Porque enquanto a senhora ministra [Marta Temido] se exaltava a ouvir Internacional de cada vez que se sentia ansiosa, achou que resolvia problemas a acabar com parcerias público-privadas. Isto vale de Braga a Loures. Portanto, a primeira coisa a fazer é retirar a ideologia do Serviço Nacional de Saúde.
Depois, percebeu-se que não temos um ministro do Serviço Nacional de Saúde, temos um ministro da Saúde. E isso implica um ministro que seja capaz de tratar na complementaridade os sectores do universo da saúde, que são o sector público, através do SNS, o sector social e o sector privado.
O doentes o que querem é ter a certeza de que no dia seguinte conseguem uma consulta ou conseguem uma cirurgia, entre outras coisas. E isso não se resolve com ideologia. Se o Estado decidir, nessa complementaridade, que a resposta está no sector social ou no sector privado, depois de um tempo em que o SNS não dá resposta, obviamente que isso é bom.
Por isso, também, a medida anunciada por Luís Montenegro, o voucher para o privado ou para o sector social quando o SNS não dê essa resposta.
Isso tem um senão, porque hoje já há vouchers.
Mas não funcionam. E não são vouchers.
As pessoas preferem uma consulta com o seu médico ou querem ser operadas pelo médico da sua confiança e perto da sua casa.
Os vouchers passam a funcionar porque deixa de haver um bloqueio permanente e preconceituoso em relação ao privado ou ao sector social. O que interessa é dar uma resposta, e essa resposta muitas vezes sai mais barata, além de que esperar no SNS deixa as pessoas desprotegidas e até em risco de vida.
"Acho que o que quer que se faça na justiça deve partir de um pacto de regime"
Isso consegue fazer-se tudo com os cerca de 15 mil milhões que estão orçamentados para a área da Saúde?
Oiça, o Partido Socialista argumenta que investiu muito mais dinheiro no Serviço Nacional de Saúde do que governos anteriores. No entanto, o SNS entrou em colapso. Havemos de convir que se há mais dinheiro, se há mais recursos investidos no SNS, o problema estará na gestão, estará na tutela. Mas estará também em muito mais. Está num SNS que está pensado e dimensionado para funcionar em cima do sacrifício de profissionais impecáveis, inacreditáveis — qualquer pessoa que tenha de passar por uma urgência vê como muito poucos médicos, enfermeiros, técnicos mantêm a funcionar um serviço, apesar de mal pagos, apesar de desconsiderados, apesar de falhas múltiplas.
Não mantêm a funcionar, por isso é que as urgências fecham.
Ao ponto de muitas vezes fecharem, porque há momentos em que é simplesmente impossível, no estado em que o SNS está, ter a eficácia que o SNS deve garantir.
O centro da saúde é o doente. Mas a saúde não vive sem médicos, sem enfermeiros, sem técnicos. E para funcionar bem têm de ser considerados, têm de ser pagos.
Mas a AD sabe do que precisa, quanto custa e qual vai ser a reorganização?
Uma das grandes vantagens da AD é que fez um cenário macroeconómico. Esse cenário foi validado por alguns dos melhores economistas portugueses. Não vi o cenário macroeconómico do Partido Socialista e não vi o cenário macroeconómico de outros partidos.
Nenhum programa é infalível, mas o que posso garantir é que a AD identificou problemas, apresentou soluções, quantificou-as e encaixou-as num cenário macroeconómico. Eu sou advogado, mas tranquiliza-me saber que alguns dos melhores economistas portugueses, tudo lido e avaliado, dizem que isto pode funcionar. O resto é governar e ser mais eficaz.
Já passaram uns dias, mas vou perguntar-lhe sobre o debate entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos. Se fosse comentador, no caso um tanto tendencioso — mas outros também serão —, que nota daria a cada um?
Acho manifestamente que Luís Montenegro venceu o debate. Terá tido outros debates mais contundentes ou impressivos com outros candidatos, o que não invalida que neste, que era decisivo, tenha tido um desempenho melhor. E principalmente não disse nada nesse debate que não tencionasse depois cumprir, como aconteceu com Pedro Nuno Santos, que se contradisse 24 horas depois.
Dito isto, não me atrevo a dar notas. Acho estranho ter jornalistas e comentadores a sentarem-se da direita para a esquerda e a darem notas, é uma coisa que não entendo, mas, lá está, são os tempos. Sei que sou parcial, manifestamente. Mas eu represento um partido político, tenho esse direito. Agora, ter ainda por cima redacções a dizer quem é que representa coligações em debates televisivos...
"Com o Pedro Nuno Santos a geringonça será muito mais radicalizada e terá o Bloco de Esquerda e a CDU nos bancos da governação"
Penso que essa questão tem a ver com ter ou não representação parlamentar. Se apenas convidam os líderes de partidos com representação parlamentar, o CDS fica fora, sob pena, até, de outros reclamarem.
Com o devido respeito, não faz nenhum sentido. Acontece que o CDS não é candidato nestas eleições, o candidato nestas eleições é a AD. A AD está registada no Tribunal Constitucional. E compete à AD, que tem diversos protagonistas, decidir num processo que é de causa/efeito quem de forma mais eficaz pode representar este projecto político em debates.
Quando uma direcção de uma televisão se sente no direito e decidir quem pode representar a AD, está a interferir numa dimensão que é de projecto político com consequências nas urnas. E isso não considero legítimo e acho um abuso. Não quiseram que eu fosse, tudo legítimo. O resto é tentar encontrar a justificativa à medida do preconceito.
Disse que é advogado e vou perguntar-lhe pela justiça. Qual a sua posição em relação ao que tem estado a acontecer na justiça e que reformas seriam necessárias? O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, tem vindo a pedir o fim das portas giratórias entre a política e os tribunais. Há uma proposta na gaveta da ministra desde Março, mas qual a posição da AD?
Vou dar-lhe a minha posição a esse propósito, também como advogado. Acho que a melhor atitude da judicatura, mas diria que de todos os operadores judiciados, será ter os tribunais a funcionar bem, e não tentar encontrar só o elemento externo, seja na política, seja noutro.
O que me preocupa na justiça em Portugal, neste momento, não tem que ver apenas com casos mediáticos que depois dão em nada. Ou com aquilo que é a transformação do Ministério Público numa arma de arremesso político. O que me preocupa é saber que, por exemplo, em 2023 tivemos milhares de diligências que não foram efectuadas.
A justiça é um pilar fundamental de um Estado de direito. Sem justiça não há democracia. E sem uma justiça a funcionar a vida das pessoas complica-se muito. Quando tem milhares de diligências adiadas durante o ano de 2023, isso significa que há cobranças que não são feitas, há partilhas que não são feitas, há conflitos com o Estado que não são resolvidos, há problemas de que depende a paz social.
Muito mais do que um incidente com uma pessoa, porque por vezes é político e tem uma visibilidade mediática maior, está a ineficácia da justiça enquanto tal, que não é apenas na dimensão criminal, é no Direito Administrativo, é no Direito Privado, é em várias instâncias e que, de facto, hoje está totalmente bloqueada. Os tribunais paralisaram em greves sucessivas.
Há problemas que estão identificados e são de natureza laboral, digamos assim, de dignificação das profissões, de condições salariais, que justificam que muitos funcionários judiciais, entre outros, façam greve. Há problemas que são estruturais e endémicos e são de natureza legislativa e processual. Temos hoje, ainda, a persistência de factores dilatórios que são absurdos e do século passado e que permitem adiamentos de julgamentos sem fim, causando a incredulidade juntos das pessoas.
Dou-lhe um exemplo paradigmático por ser de um primeiro-ministro, José Sócrates. É absolutamente anormal que depois de todos os anos que passaram tenhamos a possibilidade de, expediente dilatório após expediente dilatório, antecipando nisso a mais do que provável prescrição de crimes, a justiça não seja feita. Por razão processual e não substantiva. Há problemas que são organizacionais e têm que ver com a própria estrutura dos tribunais.
"Os agricultores foram abandonados por este governo. Não há Ministério da Agricultura"
Os problemas estão todos identificados, as soluções é que são mais complicadas e são essas que lhe estou a pedir.
As soluções são o inverso disto tudo. Precisa de garantir melhores condições remuneratórias para os profissionais na justiça que o justifiquem — durante muitos anos tivemos o vencimento dos juízes congelado. As profissões judiciais não são todas iguais, o que acontece na judicatura não é necessariamente equivalente ao que acontece no Ministério Público ou aos problemas dos funcionários judiciais. Apesar de a justiça ser um bolo e ser isto tudo.
Tem de dignificar aquilo que são condições de trabalho em alguns destes patamares da justiça em Portugal, tem de fazer alterações legislativas em relação às quais acho que devíamos ter um pacto de regime. E as alterações legislativas passam por uma simplificação processual, sem perda de garantias das pessoas, nomeadamente no que tem que ver com os seus direitos, liberdades e garantias. Mas que permita que a justiça seja feita, porque a justiça não é feita.
É necessário, também, ter em conta, se quiser pensar nos casos mediáticos, que há coisas que estão a suceder e que não podem suceder. Para começar, temos um segredo de justiça que não pode ser para colar na parede, a violação do segredo de justiça é crime. Quando a violação do segredo de justiça nasce na justiça há uma contradição nos termos que nos deve fazer pensar.
Indigno-me quando vejo, por exemplo, buscas — além de um processo que considero particularmente absurdo, mas não tenho de me imiscuir nos critérios da Procuradoria. Quando vejo o Dr. Rui Rio ser alvo de buscas com as televisões todas chamadas para assistir àquele simulacro...
Isso aconteceu também com a prisão de José Sócrates, com a prisão de Vale e Azevedo...
É válido para todos os casos. Indigno-me. Tem de se legislar do ponto de vista do relacionamento dos protagonistas da justiça com a comunicação social. Não digo censurando, mas garantindo que a lei é cumprida, garantindo que não há abuso de poder, garantindo que não há vasos comunicantes entre aquilo que são os tais patamares da justiça e partidos ou organizações de diversa natureza, onde as pessoas interagem sem poder ser sindicáveis.
Porque temos impedimentos e incompatibilidades na justiça, mas vai ver e as pessoas sentam-se em muitas mesas e discutem sem que uma das partes processuais possa invocar o que quer que seja. Nisso, há muita coisa que pode e deve ser feita, mas acho que o que quer que se faça na justiça deve partir de um pacto de regime.
E se todos os partidos identificaram os problemas, pelo menos os do arco da governabilidade, deviam ter a disponibilidade para se encontrar numa solução.
Passamos para a habitação. Que medidas para resolver os problemas no imediato e no longo prazo?
Já vou às medidas, mas começaria talvez pelo diagnóstico, porque o diagnóstico é, na habitação, um dos principais sinais de fracasso absoluto de um governo que tem em Pedro Nuno Santos, que quer ser primeiro-ministro, um dos principais protagonistas durante perto de quatro anos.
Recordo que em 2016, o Dr. António Costa prometeu um investimento de 1400 milhões de euros, que reabilitaria 7.500 habitações que serviriam 35 mil famílias. Aqui chegados, não fez coisa nenhuma. Depois, em 2018, disse que nas comemorações do 25 de Abril teríamos 26 mil novas habitações e que os portugueses não deixariam de ter casa. Bola, não há habitações nenhumas.
Se quiser passar para o plano do ensino, mas no que tem que ver com a habitação, recordo que em 2018, o ministro da Ciência e do Ensino Superior, Manuel Heitor, prometeu 15 mil camas para estudantes até 2022. Não construiu nada. Mas, chegamos a 2022, a nova ministra do Ensino Superior, Elvira Fortunato, veio prometer as mesmas camas, desta vez até 2026.
Porque tudo isso foi metido no PRR, que tem de estar concluído até essa data.
Foi enfiado em qualquer lado, como enfiam tudo, e no fim não resolvem coisa nenhuma. Houve um fracasso absoluto e a única coisa que o Partido Socialista trouxe para a equação, outra vez, foi ideologia em cima dos problemas, através do programa Mais Habitação, que viola regras comunitárias e, acredito, viola direitos, liberdades e garantias, querendo arrendamentos compulsivos de casas alheias para o Estado ocupar. Que, além do mais, sendo o maior proprietário, não tem disponibilidade para colocar no mercado.
E vamos então às soluções — e já nem sequer quero passar pela mentira de Mariana Mortágua, só pelo sacrilégio do disparate à caça de votos, sem perceber o efeito boomerang — porque depois, às vezes, cai-nos tudo em cima.
Já que menciona Mariana Mortágua, antecipo uma pergunta. Disse que se arrepiava só de pensar em Mariana Mortágua como ministra das Finanças, mas não percebi a que propósito vinha isso.
A diferença entre o Dr. António Costa e Pedro Nuno Santos é que, apesar de Pedro Nuno Santos ter sido protagonista da geringonça, em 2015, nesse ano o Partido Socialista governou perdendo, mas tinha o Bloco e o PC na Assembleia da República.
Com o Pedro Nuno Santos a geringonça será muito mais radicalizada e terá o Bloco de Esquerda e a CDU nos bancos da governação. Por isso, o que disse é que só de imaginar Mariana Mortágua à frente das Finanças ou da Economia — é ver o descalabro de tudo o que aconteceu quando o comunismo foi experimentado —, fico arrepiado, realmente.
Medidas para a habitação.
Uma delas tem que ver com a redução da taxa liberatória nos rendimentos prediais de 28% para 23%, que pode até ser mais nos contratos mais longos. Outra tem que ver com a disponibilidade do Estado, em relação à oferta pública, para, através de investimento privado, fazer o que manifestamente não consegue e está à vista. Há muitas pessoas, investidores, capitalistas, dispostos a ajudar a reabilitar edifícios degradados do Estado, naturalmente reavendo o seu investimento, ficando o Estado com a vantagem de manter o património imobiliário requalificado, o que era uma benção para o país.
Outra: a possibilidade de deduzir no IRS o aumento dos juros dos créditos à habitação. Há várias medidas, umas de carácter estrutural, outras de carácter conjuntural, que ajudariam a resolver o problema da habitação. Mas, decididamente, a equação sector privado. No mercado do arrendamento, mesmo no que tem que ver com a dimensão pública, através do património abandonado pelo Estado, ajudaria desde logo a ter muita oferta e criar condições para que as pessoas sintam segurança no mercado do arrendamento e no mercado de compra e venda de casas.
Ainda a propósito do PRR, resta saber como ficará a execução dos 22 mil milhões de euros.
O PRR, se for ver a execução dos 22 mil milhões de euros, estará pelos 17%.
Mas há um efeito de tempo, que levará a um pico na execução e a uma subida repentina desse números.
O efeito é a União Europeia a recusar o pagamento de cheques porque os processos estão mal organizados, é o efeito das investigações judiciais porque não percebem a aplicação do PRR, mas não me atrevo a falar de grandes investimentos de cor.
No início falou de agricultura e pergunto-lhe se o deputado pelo CDS no Parlamento Europeu não deu conta de que o governo português pediu muito menos dinheiro do que os agricultores precisavam, e acabaram com cortes de 35% nas ajudas à agricultura biológica e de 25% à produção integrada?
Vi e questionei. Infelizmente, como muito bem sabe, a dimensão europeia cá é pouco percepcionada.
No que tem a ver com o PEPAC [Plano Estratégico da Política Agrícola Comum] há, desde logo, um problema conceptual, que foi defendido por este governo, porque há medidas agro-alimentares que estão no primeiro pilar e deviam vir para o segundo pilar. Naturalmente, quando estão no primeiro pilar e o rateio não chega, faz com que tenha cortes de 25% e de 35% na produção integrada e na agricultura biológica.
Agora, se teve problemas na rua e teve os tractores a fecharem estradas por este motivo, devo dizer que este motivo foi só o detonador de uma situação explosiva que se foi acumulando ao longo de oito anos, porque não tivemos Ministério da Agricultura. Veja o que aconteceu no governo do Portugal à Frente [PàF], um governo da AD, onde o PRODER [Programa para a Rede Rural Nacional Projetos] foi executado a 100%, e veja agora a taxa de execução dos fundos comunitários. A AD, ou a PàF, desburocratizou procedimentos, analisava a tempo e horas as candidaturas, pagava quando tinha de pagar.
Neste momento foi tudo dinamitado, tudo tornado mais complexo, os projectos não são sequer resolvidos, os agricultores não sabem onde têm que investir. As direcções regionais de agricultura, que são o elemento de proximidade entre o Estado e os produtores e os agricultores, forma transferidas para o Ambiente. De três secretários de Estado que tinha com o PSD e o CDS, passámos para um.
As florestas foram separadas da Agricultura. Foram erros atrás de erros, que levaram a que, de resto, a titular da pasta [Maria do Céu Antunes] não fosse sequer convidada para uma Ovibeja ou para uma Feira da Agricultura em Santarém. Ou seja, os agricultores, uma área económica que é absolutamente crucial, foram abandonados por este governo. Não há Ministério da Agricultura, há Ministério do Ambiente. Só que aquilo que tem à mesa ao pequeno-almoço, ao almoço, ao lanche e ao jantar não nasce por gestação espontânea. O mundo rural significa perto de 80% do território nacional. Que não tem merecido a atenção da tutela. E acho isso criminoso, sinceramente.
Esta madrugada fará dois anos que começou a guerra na Ucrânia. Parece que, afinal, a União Europeia não está disposta a tudo para ajudar. Que soluções?
A primeira coisa que a Europa percebeu é a importância da NATO. Antes da invasão da Ucrânia a NATO estava basicamente...
Moribunda.
Não estaria moribunda, mas estava num processo de [pensa na palavra]...
Moribunda.
Num processo de perda de influência, digamos assim, porque acredito que no caso de um ataque a NATO, naturalmente, agiria. Agora, de facto, temos logo na União Europeia a evidência de que grande parte dos países não investem na defesa, no âmbito da NATO, aquilo que é a meta dos 2%, que está definida como sendo fundamental para a eficácia da Aliança Atlântica.
Aliás, sabemos que há países que investem muito mais do que 2%, por exemplo a Polónia, e há países que investem muito menos, caso da Espanha.
De Portugal, também.
Portugal também investe menos de 2%. Portanto, a defesa passou a ser relevante. O apoio inicial à Ucrânia foi maior, mas foi maior também com a participação dos Estados Unidos, que não deixam de ser a primeira potência à escala global.
Mas temos Trump como ameaça, a dizer que se voltar a ser presidente dos Estados Unidos nada será como dantes.
Sobre a política americana o que acho tão extraordinário e, aí sim, trágico, é que um país tão importante, tão determinante, tão relevante, tão forte, tenha, contas feitas, a candidatar à presidência, com todo o respeito, um cidadão octogenário, com limitações que são óbvias, e outro exótico, com declarações muito aqui ou ali, que não trazem tranquilidade a ninguém.
Mas é o que há.
Sim, é a realidade, é o que eles têm.
Eles e nós, porque, como acabamos de ver, também nos afecta.
A única coisa dita por Trump que, de resto, o secretário-geral da NATO veio dar como boa, teve que ver com a necessidade de investimento de todos os parceiros num projecto que não é só de alguns e, portanto, não podem ser os Estados Unidos a pagar as despesas da Aliança Atlântica. E isso implica que todos, Portugal também, que teve problemas graves nas Forças Armadas, invistam mais.
As Forças Armadas em Portugal, neste momento, têm um problema de recrutamento. A carreira militar não é atractiva, há um problema de equipamento, há um problema de dignificação da instituição militar — choca-me muito que a instituição militar não esteja também na equação do debate político —, e há muita coisa a fazer.
Sei que é contra um exército europeu. Nem esta ameaça ou nuvem mais negra sobre aquela que é a posição dos Estados Unidos o fez mudar de ideias?
Causa muito mais receio a possibilidade de uma aventura nunca experimentada de um exército europeu, em que alguns acharão que tendo franceses a liderar italianos ou italianos a liderar britânicos ou coisa que o valha teremos melhores resultados. Não. Depreciar a NATO...
Os britânicos já não estão na União Europeia.
Mas na NATO estão.
Mas estamos a falar de um exército europeu.
Mas no plano militar há, apesar do Brexit, parcerias com o Reino Unidos, como é evidente. De resto, em duas guerras mundiais os britânicos foram fundamentais. Como os americanos. E é por isso que depreciar a NATO é não ter memória. Tenho a NATO como a grande organização que transcende continentes e que desde 1945 tem, de um ponto de vista global, garantido a paz no mundo. Que teve momentos, mas que tenho a certeza de que num momento crítico saberá estar presente e reorganizar-se. Obviamente que a redefinição da política americana é aqui absolutamente crucial.
Disse a certa altura que "o CDS é um bocadinho como uma Renault 4: fiável e robusta, com alguns cuidados básicos está de volta à estrada". E se correr mal?
Não vai nada correr mal, mas correr mal o quê? Acha que para o CDS há alguma possibilidade de isto correr mal?
O CDS é que deve ter focus group — não sei se terá dinheiro para isso, porque também está mal de finanças, não é?
O que o CDS não tem em dinheiro tem em quadros extraordinários, que valem muito mais do que o dinheiro, porque nem só do dinheiro vive o homem, apesar de o dinheiro dar um certo jeito, convenhamos, também nas instituições.
O CDS, volto a insistir, tinha desaparecido, era o que dizia há dois anos 80% ou 90% do comentário político. Neste momento vamos voltar à Assembleia da República, o que se está a discutir é quantos deputados o CDS vai eleger. Mas também lhe digo, e isso tem de ficar muito nítido, não considero que tivemos uma vitória se a AD não vencer as eleições e se não conseguirmos governar Portugal.
Uma coisa não invalida a outra, mas, no que tem que ver com a realidade estrita do CDS, nós começámos um ciclo em Abril de 2022, que em 2024 acabará com o CDS de volta ao parlamento, com o CDS também certamente no Parlamento Europeu, mas, mais do que isso, com o CDS a ter contribuído, somando para uma vitória da AD, que dá uma nova esperança a Portugal.
"O que acho tão extraordinário e, aí sim, trágico, é que um país tão importante, tão determinante, tão relevante, tão forte, tenha, contas feitas, a candidatar à presidência um cidadão octogenário, com limitações que são óbvias, e outro exótico, com declarações muito alucinadas"
Como diria o outro, prognósticos só no fim do jogo.
Em relação à Assembleia da República não me parece, a menos que houvesse um cataclismo.
É a única certeza.
Eu diria que, no que tem que ver com o CDS, é talvez a certeza essencial, porque o drama de vida do CDS desde 2022...
Depende do que fizerem com isso. Se quatro anos depois se virem fora outra vez, não adiantou.
O que o CDS fará, como tem feito desde há dois anos, é aprender com os erros, falar para fora e não para dentro, chamar os melhores quadros, unir e crescer. O CDS não está na Assembleia da República, mas não foi substituído por mais ninguém. E nós sabemos muito bem aprender com os erros, voltaremos à Assembleia da República e a partir de lá continuaremos a ser essenciais a Portugal.
Mudou em relação à reforma do sistema eleitoral, que não defende?
Há um dado, para efeitos de uma reforma eleitoral — que a ser feita tem de ser muito pensada e sopesada —, que tem que ver com a evidência que o CDS demonstrou, ou seja, o CDS teve muito mais votos do que alguns partidos que elegeram um deputado que não serviu para nada.
E, se houvesse um círculo de compensação, o CDS teria estado na Assembleia da República. Agora, uma reforma eleitoral não pode passar apenas por um círculo de compensação, porque tem implicações muito maiores. Tem de ser muito bem pensada e tem de ser justa e garantir certa representatividade.
Vou pegar numa série de frases suas para fazer perguntas. "Varridos da Assembleia da República o CDS tem uma oportunidade". E se falhar?
Não falha.
"Se fosse um animal, seria um elefante". A Aliança Democrática é a loja de porcelanas?
Não, a Aliança democrática é o espaço que garante a biodiversidade.
"Aprender com os erros e fazer tudo diferente em relação ao futuro". Quais foram os erros e o que aprendeu?
O mais importante é perceber que um partido só cresce somando, não é subtraindo. E por isso um partido deve concentrar-se no essencial, naquilo que interessa às pessoas, e aquilo que interessa às pessoas são soluções que resolvam os seus problemas, muito mais do que disputas internas, em que muitas vezes há razões de todos os lados, mas que funcionam como âncora e não como motor.
"O CDS não é o PSD, tem marca própria". Que marca é essa?
É a marca d'água, muito definida, registadíssima, nossa, que mais ninguém representa. O CDS é o liberalismo social, é a democracia cristã, é o mercado que pensa nos outros, é aquilo que neste momento não está na Assembleia da República e não é representado por mais ninguém. Felizmente vai voltar.
"A oposição não esteve à altura, ponto, foi por isso que António Costa teve maioria absoluta". E agora, está à altura?
Agora, felizmente, com o CDS na Assembleia da República, no poder vamos mostrar ao Dr. António Costa, neste caso já ao Partido Socialista e ao novo secretário-geral, como é que se governa como deve ser.
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