É o “sonho milenar” que merece e pede uma luta constante. É um projeto que visa o fim da exploração do homem pelo homem, é um projeto marxista-leninista que provavelmente não verá materializado em vida.
O comunismo do Partido Comunista Português foi assim descrito por Jerónimo de Sousa. De confiança renovada, o reeleito secretário-geral dos comunistas sublinhou a base ideológica do partido dando especial ênfase à Revolução Bolchevique e à figura de Lenine.
Para o ano começam as comemorações do centenário da Revolução de Outubro de 1917. Celebram-se 100 anos desde que “o Homem, pela primeira vez, tentou construir uma sociedade nova”, disse o antigo líder comunista Carlos Carvalhas ao SAPO24.
E de facto assim é. Miguel Tiago, deputado na Assembleia da República pelo PCP, diz que a primeira grande construção de um regime socialista, depois da curta e falhada experiência da Comuna de Paris, mostrou ao mundo que o socialismo “pode não ser só um sonho”.
“Nos pilares da nossa ideologia, essa Revolução será sem dúvida um dos momentos mais marcantes”, conta-nos o deputado comunista, revelando que através dela foi possível conhecer as “limitações daquele movimento, mas também as suas capacidades”.
E as suas capacidades jamais serão esquecidas, diz-nos Carlos Carvalhas. “A revolução de 1917 foi um grande empreendimento”. Ainda hoje no mundo se vivem, direta ou indiretamente, as conquistas desse socialismo que “deu um grande impulso aos trabalhadores. A conquista de férias, do 13º mês… tudo isso vem beber ao socialismo, a esse socialismo”, realça o histórico membro do PCP.
João Oliveira não podia concordar mais. Em entrevista ao SAPO24, o líder da bancada parlamentar comunista diz que “o facto de ter sido uma revolução realizada no contexto de uma Rússia czarista e feudal, superou muito aquilo que era o atraso económico, social da Rússia”. E que agora é o momento de celebrar isso, o maior momento da história do socialismo, “a comemoração do centenário da revolução russa de 1917 será o momento não só de afirmação da projeção mundial dessa revolução , mas será também um momento de projeção”.
Tomar a revolução e a experiência socialista como base, mas sabendo olhar para os seus erros. E houve erros, ou melhor, “entorses” como lhes chama Miguel Tiago, “houve em determinada altura entorses graves e houve até incumprimento e traição aos ideais e à forma de funcionamento que os comunistas entendem que deve ter quer o Estado, quer o partido”.
“Nenhum regime se fundou num dia”
O socialismo de 1917, o “maior sonho da humanidade”, como diz Miguel Tiago, esbarrou em várias limitações naturais que devem ser compreendidas. Porquê? “Porque nós estamos a falar da primeira vez que o povo tentou construir uma coisa nova. Tudo o que eles faziam era novo. Quando havia um decreto sobre a terra era a primeira vez no mundo, quando se criava um horário de trabalho era a primeira vez no mundo, quando se deu o voto a toda a gente, incluindo às mulheres, era a primeira vez no mundo”. Tornava-se fácil errar, portanto.
João Oliveira corrobora, o socialismo não está ali ao virar da esquina. As experiências socialistas sucederam-se e cada uma bebeu da “aprendizagem que foi feita ao longo de séculos das tentativas mais insipiente às mais avançadas, daquelas que apesar de muita luta ficaram mais distantes, até aquelas que mais se aproximaram desses objetivos”.
Ora, aquilo que Lenine criou é o ex-libris de tudo isto, foi a mais longa experiência socialista de que a história se recorda. Mas a sua queda, a curta vida da Comuna de Paris e as sucessivas falhas na implantação do socialismo têm servido para justificar algo: “o socialismo não está ao virar da esquina”, como diz o líder parlamentar. “Há etapas que é preciso percorrer, é preciso uma política que corresponda a esse objetivo supremo”, realça.
A luta é constante e adaptada ao momento que se vive, diz Miguel Tiago, rejeitando “qualquer decalque de qualquer outra revolução para dentro” de Portugal, porque “isso não só nos pareceria errado como nos parecia completamente impossível”.
“Aquilo que o PCP propõe para o povo português é evidente que tem essa inspiração, mas é construído na realidade concreta do povo português e da situação em que nos encontramos hoje que não tem nada a ver com a situação da Rússia em 1917”, conclui.
“O capitalismo não é o fim da história”
Impossível ou não, os dois rostos de uma nova geração do PCP, João Oliveira e Miguel Tiago, são coro de uma certeza: o sistema capitalista está esgotado.
“Nós sabemos que o capitalismo não é o fim da história e que o socialismo constituirá a superação do capitalismo”, diz João Oliveira.
Para o seu camarada, Miguel Tiago, o processo de “superação” será natural. “O capitalismo projetou a classe que são os trabalhador e para um outro patamar de número e os trabalhadores estão cada vez mais próximos dos meios de produção e portanto podem cada vez mais facilmente reclamar o poder”, conta o deputado comunista.
“Se nós começarmos a pensar: isto também funcionava sem ações e sem bolsa. Se eu trabalhar a terra as sementes vão crescer na mesma, haja ou não bolsa de valores. Quando os trabalhadores se aperceberem do real poder que têm e do quão desligado esse poder está do poder capitalista, estão criadas as condições para que os trabalhadores percebam que o poder real é de quem produz”, continua dizendo que o povo irá perceber que só não tem melhores condições de vida por que não está no socialismo, “porque enquanto vivermos no capitalismo há sempre limites que contêm as nossas capacidades e o nosso bem estar”.
No final, Miguel Tiago desconstrói algumas ambiguidades “criadas pelos meios de comunicação social ao serviço do grande capital”: “os comunistas não querem destruir o capitalismo, querem é passar à fase seguinte. O capitalismo foi um momento da história da humanidade, teve a sua importância, envolveu muitas zonas do globo, criou mercados importantes... mas agora a única coisa que faz é encontrar maneiras de sugar mais os trabalhadores. Está esgotado”.
Sem futurologias, nem mesmo os próprios membros do partido comunista podem saber como seria a implantação de um regime socialista no nosso país comandado pelo PCP. Eles confessam, temos “perspetivas, temos ideias, mas também temos consciência de que vamos criar coisas novas, mas essa necessidade de criar coisas novas começa a ser cada vez mais premente porque o capitalismo está a destruir as pessoas, o planeta, a condenar milhões de seres humanos à fome e à guerra para manter os privilégios de um grupo que é cada vez mais pequeno de magnatas”.
Preocupados em nem sequer vir a ter um planeta onde possam aplicar o socialismo, onde os homens se olham na horizontal e não existe a exploração do homem pelo homem, Miguel Tiago rejeita que tudo isto seja uma grande utopia, esse “rótulo fácil, “a revolução de outubro mostrou que era possível iniciar essa construção que também provou que o capitalismo não fica a dormir quando se tenta construir o socialismo”.
No entanto, se for a partir de uma utopia que se terá de partir, assim será, conta Miguel Tiago: “a história da humanidade mostra que é quando nós temos a audácia de ser utópicos no nosso presente que estamos a construir o futuro. Se eu não for utópico hoje, se eu não sonhar não há futuro”.
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