[O Francisco tem 19 anos, estuda nos Países Baixos e está em viagem com um passe de Interrail que o vai levar por esta Europa fora e este é o seu diário de viagem publicado no SAPO24]

Dia 12 (20 de julho) Dica #14 para futuros viajantes: perguntar aos locais aonde ir. É fácil esquecermo-nos de que estamos rodeados de pessoas que, provavelmente, conhecem a cidade melhor do que nós. No hostel, no final de um tour de barco, ao guia de serviço ou mesmo em restaurantes e supermercados é fácil perguntar às pessoas quais os seus sítios prediletos e o itinerário vai de certeza ser mais assertivo.

Acordo sem vontade de me levantar, mas são quase nove da manhã, o primeiro workshop do dia é às dez e ainda tenho de tomar o pequeno-almoço. Arrasto o meu corpo para fora da cama.

O hostel oferece um pequeno-almoço buffet, com uma variedade de pães, queijos, carnes frias, cereais e até panquecas frescas de máquina (e devem ser boas, porque há uma fila de gente - e sai uma pequena panqueca a cada vinte segundos). Não estou para isso, mas como um pouco de tudo o resto, que acompanho com um cappucino a ver se desperto (não gosto da ideia de ser cafeíno-dependente, mas há dias em que se torna inevitável).

Ainda antes do workshop, consigo uns minutos para dar um salto a um supermercado e deixar umas garrafas na maquineta de Pfand, um sistema de depósito de garrafas de vidro, plástico ou lata para reciclar em troca de dinheiro - para quando, Portugal? - popular na Alemanha, onde se veem filas para deixar centenas de garrafas (e quem não o faz ali, deixa-as normalmente à beira de caixotes do lixo para serem recolhidas por sem-abrigo ou pobres que dali retiram sustento).

Cresci a ouvir a minha mãe falar (e escrever) de política. Agora já tenho idade para votar - e voto, apesar dos quilómetros que tenho de fazer, às minhas custas.

Este sistema também existe nos Países Baixos, onde vivo, embora os valores sejam mais baixos. Tenho o hábito de ir apanhando latas e garrafas aqui e ali e já cheguei a ganhar mais de 20 euros num mês. A troca só tem vantagens: limpa as ruas, beneficia os sem-abrigo ou estudantes, protege o ambiente e facilita a reciclagem. Ontem, Anna, alemã, explicava isto a um colega do meet-up que, distraidamente, esborrachava uma lata com as mãos.

Regresso a tempo do início do workshop do dia, sobre participação política, mas não precisava de ter tido tanta pressa. A sala está quase vazia; apenas Alex, Kathi e um dos embaixadores, Nils, estão presentes. Pouco a pouco os outros vão-se juntando.

Afinal, o que é isto da participação política? Vamos sabendo quem, dentro do grupo, faz o quê. Em geral, considero-me bastante ativo. Cresci a ouvir a minha mãe falar (e escrever) de política. Agora já tenho idade para votar - e voto, apesar dos quilómetros que tenho de fazer, às minhas custas. Participo em protestos, falo com amigos e gente de organizações políticas. Ainda tenho muito que aprender, mas isso não me detém.

Tem a sua graça perceber que as ações em que a maioria participou não deram em nada. Um exemplo: na escola de um dos participantes, a direção executiva tirou do seu orçamento o leite com chocolate. Os alunos fizeram uma petição para voltar a haver leite com chocolate, mas nada. Pergunto-me se não é por isso que a sociedade vai perdendo confiança no processo e estruturas democráticas. Food for thought.

Fazemos um mind-map sobre a nossa perceção do que é participação política. Alguns temas são recorrentes: respeito, educação, voto, protesto, petições. Acabamos a discutir a nossa visão da União Europa e aquilo que pretendemos fazer para que ela se concretize. No meu grupo um chico-esperto escreve "álcool grátis para todos" e "alto investimento na construção de discotecas". Tem piada, mas está muito longe do meu tom mais sério. Se para os mais envolvidos, como eu e Amelia, soube a pouco, para outros foi demasiada informação.

É-nos dito que existem túneis a ligar todos estes edifícios, de forma a facilitar o trabalho de deputados e ministros.

E chega a hora de almoço, tempo e reflectir sobre as actividades da manhã enquanto me debato com um caril de frango com arroz basmati e vegetais.

Saímos para o centro político de Berlim às 14:00. Num comboio apinhado, vamos até ao Palácio das Lágrimas, onde as duas Alemanhas, ocidental e oriental, se dividiam e amigos e família se separavam. Daí seguimos a pé para o Reichstag, o prédio onde funcional o parlamento alemão, o Bundestag. O edifício onde fica o escritório do chanceler Olaf Scholz, lindíssimo, está mais à frente. É-nos dito que existem túneis a ligar todos estes edifícios, de forma a facilitar o trabalho de deputados e ministros.

Segue-se uma pequena visita ao Tiergarten ("jardim de animais"), onde existe um memorial dedicado ao genocídio dos roma (ciganos) durante a Segunda Guerra Mundial - outro grupo que a Alemanha nazi quis exterminar. Morreram centenas de milhar e, como muitos grupos marginalizados, ainda hoje são alvo de discriminação pela Europa.

O memorial seguinte é grandioso e já tinha visitado. Trata-se do Memorial aos Judeus Mortos na Europa, desenhado por Peter Eisenmann. Cobre 19 mil metros quadrados com o seu chão ondulado e as colunas que criam um ambiente desconfortável. Penso no número de judeus mortos e o quão facilmente a história é esquecida.

Finalmente, Brandenburger Tor (o Portão de Brandemburgo), local típico de protesto, mas que agora se encontra desarrumado e desconstruído. Não muito longe, uma pequena manif com música árabe, a lembrar a interminável guerra civil na Síria. E termina aqui a exploração dos pontos políticos da capital da Alemanha, à qual se segue uma viagem de barco pelo rio.

Um pequeno grupo segue junto. Enquanto caminhamos pela Museum Island, onde fica a maior parte dos museus mais importantes da cidade, ouve-se ao longe o hino nacional alemão. Agora mais perto, gritos de protesto. Finalmente, uma massa de pessoas, bandeiras da Palestina, rodeia os protestantes e a área por onde devem passar. Há dezenas de veículos e agentes da polícia. O massacre de judeus na Segunda Guerra Mundial, de que a Alemanha foi responsável, deve guiar a forma como o país defende Israel, nos tribunais internacionais ou na política doméstica.

Tento não pensar nisso, à medida que entramos no barco e o protesto passa mesmo ao nosso lado. Passam dez minutos das cinco quando o barco arranca, atrasado (e ainda bem, porque parte do grupo também se atrasa). Passamos por diversas zonas de Berlim, do bairro mais velho da cidade à Ilha dos Museus, passando pelos arredores do Reichstag ou a estação de Berlim, de onde Amelia e eu sairemos amanhã (já?!) para Amesterdão.

"Se gostaste desta viagem, recomenda-a aos teus amigos. Se não gostaste, recomenda-a então aos teus inimigos". E não é que afinal os alemães têm sentido de humor?

Algo que não sabia: o Museu de Pérgamo, dedicado à arte da antiguidade clássica, islâmica e oriental, está a ser renovado e reabrirá ao público apenas em... 2037. Catorze anos em obra não é pouca coisa e terei já 32 anos pela altura em que poderei visitar o museu novamente. O melhor é não pensar nisso.

A viagem é calma, mas animada. O guia faz um excelente trabalho. No final diz em inglês primeiro e depois em alemão: "Se gostaste desta viagem, recomenda-a aos teus amigos. Se não gostaste, recomenda-a então aos teus inimigos". E não é que afinal os alemães têm sentido de humor?

A fome aperta para alguns e há quem compre pretzel gigante à saída do barco. Enquanto a hora de jantar não chega, temos uma hora para continuar a explorar Berlim de forma independente. Um grupo de oito, incluindo Amelia e eu, vamos sentar-nos num parque - não sem antes eu fazer uma última tentativa para comprar um saco de lona giro, para substituir o que rasguei há dias. E lá está, numa loja dedicada a Checkpoint Charlie, que visitei em 2022, por apenas 2.95€. Não penso duas vezes.

Reencontramo-nos todos frente ao Peter Pane, um restaurante de hambúrgueres com uma grande variedade de opções vegan e vegetarianas. Peço o "Klassik Vacon", que tenta replicar o sabor de um hambúrguer de galinha com bacon e queijo, em pão de brioche (opção minha). Sei que há quem estranhe estas coisas, mas tenho zero queixas. As batatas também eram bem boas, com vários molhos à escolha.

O ponto alto da noite (literalmente) está a chegar: a subida ao posto de observação da TV Tower, durante o pôr-do-sol. Já tive esta experiência, mas à noite. E recordo um grupo de dança perto da torre a fazer uma coreografia ao som de uma canção de k-pop ou pop coreano. 

Contemplo o espectacular pôr-do-sol, que junta dezenas de pessoas do lado oeste da sala de observação. "Awwwww", ouve-se quando o sol desaparece. E risos.

Já no topo, a 203 metros de altitude, vejo a cidade inteira. Muito ao longe, um campo enorme, Tempelhofer Feld, um aeroporto do tempo da guerra agora desactivado e aberto ao público. Impressiona-me uma rua cheia de carros de polícia atrás e à frente de um grupo de manifestantes, que assumo tratar-se do protesto pró-Palestina por que passámos mais cedo. Contemplo o espectacular pôr-do-sol, que junta dezenas de pessoas do lado oeste da sala de observação. "Awwwww", ouve-se quando o sol desaparece. E risos.

Agora os planos divergem. Há quem, como Amelia, prefira passar pela Museum Island, onde artistas de rua animam a noite, ou ir a um casino, como Pavel ou Wenjiu, os meus colegas de quarto. Penso em ir a uma discoteca, mas mal chego ao hostel para tomar banho e mudar de roupa arrependo-me. Pouco a pouco, todos vão regressando. Talvez seja melhor ficar onde estou, amanhã afinal amanhã é dia de partir para Amesterdão, mas parte do programa exige que eu acorde antes das dez, mereço algum descanso. E o leitor também.