
Se cheirava ainda a festa, se se respirava festa, logo, só podia acontecer festa, de novo, no Marquês de Pombal. Mas, não foi bem assim. Apesar de um claro e inequívoco vencedor, aliás dois, e um claro derrotado, que viria a ser esmagado, os festejos partidários da noite eleitoral da vitória da AD Coligação PSD-CDS, não foram de arromba.
Os gritos de vitória aconteceram, mas a festa viria a ser algo tímida, por vezes demasiado silenciosa, só mudando de tom já madrugada adentro com o discurso de Luís Montenegro suportado numa vitória reforçada em relação às anteriores eleições, uma maioria que, no entanto, não é absoluta.
Cantou-se o “Deixa o Luís trabalhar” e “Agora é hora de fazer o país mudar”, ao bom estilo de cançonetismo nacional de Tony Carreira, dois hits repetidos em looping, responsáveis pelos (poucos) momentos de verdadeira exaltação partidária.
Apesar de casa lotada, com gente a sair para lá das portas do espaço delimitado para “atirar os foguetes”, a festa nada pode ser comparada com o odor a pirotecnia, a respiração da glória testemunhada 24 horas antes do anúncio (20h00) das previsões dos resultados eleitorais referentes às eleições legislativas 2025.
Na véspera, à volta da emblemática rotunda, a verdadeira festa aconteceu à roda de uma bola de futebol. Milhares de adeptos vestidos de verde e branco invadiram o Saldanha, desaguaram na praça Marquês de Pombal, fizeram rebentar pelas costuras todas as artérias desta parte da cidade de Lisboa, feudo das celebrações dos leões nas conquistas dos campeonatos nacionais de futebol.
Mas deixemos o futebol de parte, apesar de ter sido um tema de conversa nos corredores, e regressamos à política e às eleições legislativas 2025.
Saldanha, a “casa” de festas do PSD, deu o bi à coligação
O Saldanha e o Marquês estão separados por uma estação de metro (Picoas). E, é a sul da boca dessa infraestrutura e nas proximidades da grande rotunda, que tem sido montada, nos atos eleitorais mais recentes, a sede eleitoral do PSD, da AD e, este ano, da AD Coligação PSD-CDS.
A coincidência da escolha do local, SANA, unidade hoteleira na Rua Fontes Pereira de Melo, nas proximidades de um Marquês que parecia ainda iluminado de verde e branco, é um mero acaso ditado pela marcação da data das eleições e da disputa, até à última jornada, do principal campeonato nacional de futebol.
Às 20h00 de domingo foram avançadas as primeiras projeções em todas as televisões, imagens observáveis nos 16 écrans no hall do piso -1 e mais duas na sala principal reservada aos discursos oficiais e a todos os “adeptos” do partido de duas cores. O anúncio foi claro. A aliança partidária que junta PSD e CDS foi declarada como vencedora do dia e da noite. Tal como tinha acontecido em 2024.
O rei deposto, foi, pelas urnas e pela voz do povo, reposto. A coligação fez o bi neste campeonato eleitoral, um ano depois de ter já sido escolhida pelo povo português para liderar os destinos do país. O eleitorado renovou os votos de confiança e decidiu que o Luís pode continuar a trabalhar muito para além dos 11 meses que trabalhou.
Vai trabalhar para e com “todos, todos, todos”, prometeu e desejou Luís Montenegro no discurso da vitória, inspirado no mantra papal. Só que desta vez, terá de arregaçar um pouco mais as mangas para a legislatura de quatro anos, e não 11 meses, conforme pedido pelo próprio.
A entrada de Ventura na Liga dos Campeões e demissão no PS vivido pela TV
Montenegro discursou quase cinco horas depois de anunciada a vitória da coligação.
Para os adeptos partidários foram muitas horas à espera, embora ninguém tenha arredado pé. A grande maioria preencheu o tempo em silêncio a olhar para a noite televisiva, com uma ou outra exceção.
Quando a vitória eleitoral foi declarada ao fecho das urnas nos Açores, uma hora depois de Portugal Continental e Madeira, ninguém esperou pela demora para dar azas a alegria. O piso inteiro reservado no Hotel, e a sala, em particular, gritou, em uníssono, “vitória, vitória, vitória”.
Gritos saídos das largas dezenas de simpatizantes, que lotaram as 11 filas de cadeiras (16 cadeiras em cada fila), tiveram a continuidade de um alinhamento ensaiado onde couberam mais duas curtas palavras: “AD, AD, AD” e “Portugal, Portugal, Portugal”. Os cânticos iniciais fecharam a primeira explosão coletiva. Que só viria a dobrar os decibéis na hora do discurso de vitória de Montenegro. Já no dia seguinte.
O contentamento do reforço parlamentar foi ainda maior ao saber-se do esvaziamento na Assembleia da República do principal partido de oposição, Partido Socialista. Um apagão partidário a fazer lembrar a hecatombe vivida nos anos 80 do século passado frente ao reinado de Cavaco Silva que conduziu o PSD de então às maiorias absolutas.
O triunfo anunciado da Coligação não foi, contudo, suficientemente cativante para agitar os ânimos, à exceção de uns singelos minutos às primeiras horas de uma noite previamente anunciada como longa face às previsões iniciais, e confirmadas mais adiante. De forma instantânea, todos sabiam como a noite iria começar, com a colocação da AD Coligação PSD CDS em primeiro lugar, só não se sabia como viria a terminar.
Tudo porque, a jusante, o Chega, ameaçava, e tudo aponta, qualificou-se para a Liga de Campeões e fez com que o PS se fosse deitar com o anúncio de fim de linha de Pedro Nuno Santos na liderança dos socialistas.
E essa “vitória” de Ventura, que não é de Pirro, essa mudança no panorama político nacional (operado em 2024, mas não assumido pelos partidos de um bipartidarismo, que se extingui de vez), acompanhado pelo “cair na realidade” de que a soma de PSD e CDS, mais uma eventual acordo parlamentar com IL, não é suficiente para uma maioria na AR, foi o suficiente para esfriar os festejos da coligação dos partidos de direita.
Da espera dos resultados oficiais à vitória eleitoral reforçadíssima
O sol ainda espreitava (19h25) quando Luís Montenegro chegou à “casa” de onde esperava sair em ombros. Acompanhado da mulher, entrou sorridente, não falou à comunicação social e limitou-se a responder sempre de sorriso rasgado até entrar no elevador que levou o casal Montenegro até ao 12.º piso.
Se Nuno Melo já tinha feito o check-in no hotel antes, Carlos Moedas, presidente da câmara municipal de Lisboa, juntou-se às duas figuras maiores da coligação bem perto da hora dos anúncios.
Bastante falador, Moedas sublinhou ser uma “noite que pode ser muito importante para o país”, pediu uma “reflexão sobre a abstenção” e, aproveitou o palco para recordar a pacificidade dos festejos na véspera dos adeptos do Sporting Clube de Portugal e toda a segurança envolvente, deixando, para segundas núpcias, comentários sobre eleições autárquicas.
O relógio acelerava e as duas primeiras intervenções da noite no palco de todos os discursos foram marcadas pela mesma tónica de contenção e espera pelos resultados finais. Foi esse o recado de Margarida Balseiro Lopes, a primeira voz a subir ao púlpito na noite eleitoral da AD. Aquela que foi Ministra da Juventude e Modernização de Portugal do XXIV do Governo viria a ser secundada, mais de meia hora depois, por Hugo Soares.
O líder parlamentar do PSD reforçou o tom de uma “vitória eleitoral reforçadíssima" da AD, e o facto de o país ter reforçado “a confiança no Governo e (...) em Luís Montenegro”, exclamou. A maioria que não será absoluta, percecionada logo às primeiras sondagens, ajudava a explicar a pouca garra nas gargantas no aclamar, apesar de reconhecido vencedor, o título de campeão da noite eleitoral.
“Deixem-nos trabalhar”
A sala entretinha-se a assistir aos discursos das forças políticas que elegeram deputados. Nuno Melo falou de “justiça” feita à AD, soltaram-se sorrisos quando Mariana Mortágua (BE) e Pedro Nuno Santos (PS) falaram e remeteu-se ao silêncio com Rui Rocha (IL) e, acima de tudo, André Ventura (Chega).
Um enorme cartaz “Obrigado Portugal, a mudança vai continuar” serviu de apoio aos agradecimentos de Luís Montenegro, que teve em Miguel Pinto Luz e Hugo Soares os porta-estandartes da guarda de honra.
O anterior primeiro-ministro reforçou o pedido de “deixem-nos trabalhar”, um remake do “deixem-me trabalhar” do antigo primeiro-ministro social-democrata, Aníbal Cavaco Silva.
O hino de Portugal encerrou o filme da noite eleitoral. A união de partidos que sonhou e desejava sair do hotel para dar uma volta à rotunda do Marquês de Pombal, acabaria a ir para casa com razões para festejar, sim, mas com mais do que isso. Porque amanhã é dia de trabalhar na montagem do novo executivo.
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