António Filipe Pimentel falava à agência acerca da demissão do diretor artístico do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, João Ribas, noticiada pelo jornal Público, e realçou que Ribas “ainda não se explicou” e “a Fundação [de Serralves] emitiu um comunicado lacónico”.
Por seu turno, prosseguiu Pimentel, “o presidente da Fundação Mapplethorpe veio dizer que estava espantado com a demissão precipitada do João Ribas, que teria anunciado que se iria demitir, mas mais daqui a uns meses, no final da exposição”.
A exposição “Pictures”, inaugurada na quinta-feira, em Serralves, conta com 170 obras do fotógrafo Robert Mapplethorpe (1946-1989) da Fundação Mapplethorpe, com sede em Nova Iorque.
Pimentel considera a situação “peculiar” pois a preparação de uma exposição “é um processo longo e complexo” que “se sabe perfeitamente no ato da montagem que obra vai ficar em cada sítio e não é caso de se deixar obras em carteira”.
“Acho peculiar tudo isto, e como cidadão aguardo melhor informação, porque me falta matéria para entender o que se passou, e o que acho estranho em todo este processo, que evidencia, com certeza, mal-estar dentro da Fundação [de Serralves], é o facto de se tratar de uma fundação privada sim, mas com capitais públicos, quase metade da fundação é financiada com dinheiros públicos, do Ministério da Cultura”, acrescentou.
“Só em Serralves [o ministério da Cultura] investe mais que em todos os museus públicos nacionais”, disse.
Uma fundação como Serralves “tem a estrita obrigação moral e ética de dar explicações públicas daquilo que aconteceu”, afirmou Pimentel, advertindo que “só após as explicações terem sido dadas e o contraditório apurado com o curador João Ribas, é que o cidadão comum pode perceber o que se passou”.
“Se foi o curador que foi precipitado na sua decisão ou se foi a Fundação [de Serralves] que exerceu a sua autoridade, para lá dos limites administrativos”, disse Pimentel, que considerou que este episódio “não é agradável para quem tem uma visão da cultura de fruição, de liberdade e de inteligência”.
João Ribas apresentou na sexta-feira a sua demissão porque “já não tinha condições para continuar à frente da instituição”, segundo disse o próprio ao jornal Público.
O jornal escreve hoje que a demissão surge depois de a administração ter limitado a maiores de 18 anos uma parte da exposição dedicada ao fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe, comissariada por Ribas, e ter imposto a retirada de algumas obras com conteúdo sexualmente explícito.
O próprio diretor artístico tinha dito anteriormente que nesta retrospetiva não haveria “censura, obras tapadas, salas especiais ou qualquer tipo de restrição a visitantes de acordo com a faixa etária”, recorda o Público.
Questionado pela Lusa antes da inauguração sobre se considerava que algumas imagens da exposição poderiam vir a surpreender ou até a chocar o público, João Ribas declarou que estas foram mostradas em dezenas de museus no mundo inteiro e que Mapplethorpe é “uma das grandes figuras da fotografia” e “um artista conceituado que continua a ser influente na fotografia contemporânea”.
“Não consigo fazer essa projeção”, acrescentou, referindo que uma exposição tem sempre a função de despir o público de preconceitos.
Num comunicado enviado hoje pelas 13:00, o Conselho de Administração da Fundação de Serralves afirma que “não retirou nenhuma obra da exposição”, composta por 159 fotografias “todas elas escolhidas pelo curador”, João Ribas.
A administração acrescenta ainda que “desde o início a proposta da exposição foi apresentar as obras de cariz sexual explicito numa zona com acesso restrito”, afirmando que considerou “que o público visitante deveria ser alertado para esse efeito, de acordo com a legislação em vigor”.
António Filipe Pimentel realçou hoje que “quanto se está a falar de uma obra de arte tudo o que é explicitado não é explicitado por si, mas sim como veículo de um discurso estético e cultural e isso acompanha a humanidade desde a sua origem e, portanto, acompanha a arte, a história e o património”.
“O sentido da liberdade e da fruição, porque não estamos a falar de pornografia, a pornografia não entra nos museus”, sublinhou.
O diretor do Museu Nacional de Arte Antiga recordou que também Serralves, numa recente exposição da Coleção Sonnabend, “tem uma fotografia de sexo explícito da Cicciolina, que não pode ser mais violente nem mais eloquente”: “A Cicciolina era uma atriz porno, mas a fotografia não é pornográfica, é um objeto de arte”.
“É essa mediação e essa pedagogia que os museus têm de fazer”, declarou.
“A minha preocupação, e de muitas pessoas ligadas à cultura e aos museus, [é] a forma como se está a impor uma espécie de censura do politicamente correto, que é um novo puritanismo que é muito perigoso, porque oculta depois outros autoritarismos que virão por trás”, afirmou António Filipe Pimentel.
A Fundação de Serralves é financiada em 40% pelo Estado português, adiantou Pimentel, que referiu que João Ribas é “um curador respeitado”, cujo “trabalho no Porto estava a ser saudado”.
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