Uma das primeiras medidas de contingência no âmbito da pandemia que estamos a viver foi a de encerrar as escolas. Isto levou à procura de alternativas diferentes do modelo de ensino tradicional, ou seja, presencial, para uma migração para o ensino à distância, com todos os desafios inerentes a uma mudança e adaptação tão célere. Para melhor perceber o que significa, que soluções existem e qual a melhor de forma de potenciar este novo modelo, falámos com João Borges, CEO da DreamShaper.
A DreamShaper é uma startup fundada por 3 portugueses, que desenvolveu uma ferramenta online que ajuda alunos de vários níveis de ensino a desenvolver projetos práticos relacionados com as suas aulas, garantindo uma melhor aprendizagem e o desenvolvimento de competências socioemocionais e do mundo do trabalho.
E-learning [ensino à distância]: por onde começar? Nesta altura, o problema parece, ainda, ser comum a alunos e professores. De que forma se pode preparar os profissionais de ensino para esta situação?
Sem dúvida que o problema é comum a alunos e professores. De um lado estão professores que precisam de se adequar a novos métodos e ferramentas de ensino, do outro, alunos que precisam de se acostumar a um novo formato e ferramentas de aprendizagem. Acredito que neste evento de mudança repentina não há tempo para 'preparar' os profissionais de ensino, mas sim para os apoiar o mais possível nesta transição e atenuar as dificuldades que todos estão, e vão, sentir. Existe um conjunto de recomendações claras que dão forma aos modelos de ensino por E-Learning, mas que na sua grande maioria não são possíveis de colocar em prática numa situação como esta, não planeada e repentina.
Penso que a melhor forma de ajudar os profissionais de ensino nesta fase passa sobretudo por lhes dar referências metodológicas que os ajudem a adequar o seu método de ensino de forma a garantir a motivação, autonomia e envolvimento dos seus alunos, independentemente da tecnologia ou ferramenta utilizada. Esse é o grande desafio.
Há ferramentas gratuitas suficientes para endereçar este problema de forma imediata? Quais é que estão disponíveis?
Existe de facto um bom número de ferramentas que foram disponibilizadas gratuitamente nesta fase e que podem ajudar os professores a transitar as suas atividades letivas presenciais para remotas. Entre elas, o Google Classroom, o Microsoft Teams e a Escola Virtual. Depois, existem uma série de outras ferramentas que já eram gratuitas e que podem ser usadas de forma criativa nesse sentido, como o Facebook, o WhatsApp e outras, mas não creio que resolvam a parte mais importante do problema de forma imediata. Ou seja, elas são o suporte tecnológico para o professor continuar a sua atividade, mas não trazem o suporte metodológico/pedagógico que o professor precisa neste momento, para ser capaz de inovar e adequar o seu método de ensino.
Lidar com os alunos pode ser difícil, mas estas novas soluções podem permitir, também, um acompanhamento mais próximo da evolução de cada um e autonomizá-los. Como pode um profissional de ensino potenciar o aproveitamento nestas formas (ainda alternativas) de ensino?
Eu diria diferente: lidar com os alunos pode ser fácil. Não tem de ser difícil. Não creio que seja mais difícil lidar com o aluno nesta fase do que já era dentro da sala da aula.
O que se passa hoje é que há uma desnivelação muito grande entre o formato tradicional de ensino e aquelas que são as motivações e necessidades do jovem aluno do séc. XXI. O jovem do séc. XXI é um jovem que gosta de ser autónomo, gosta de produzir conteúdo, gosta de liderar as suas descobertas. Só assim ele se motiva para aprender. Ao mesmo tempo, é um jovem que precisa de desenvolver competências transversais (sociais e emocionais) para ser bem sucedido na sua vida pessoal, académica e profissional. Então hoje, cada vez mais, se pede aos professores que ponham em prática nas suas aulas as chamadas de metodologias ativas de ensino. Métodos de ensino em que o aluno é um agente ativo no seu processo de aprendizagem, como a aprendizagem baseada em problemas e projetos, a sala de aula invertida, ou outras.
O que nos parece é que, neste momento, em que os alunos estão longe dos professores, a aprender 'sozinhos' em casa, é ainda mais importante colocar em prática este tipo de metodologia que assente na responsabilização do aluno e na sua autonomia. Hoje, alunos mais autónomos são alunos mais motivados. Todas as crises trazem grandes oportunidades e, para os professores, esta é uma excelente oportunidade para testar novos métodos e retirar desta experiência boas práticas que levarão para o seu portfólio de métodos de ensino no futuro, quando tudo voltar à normalidade.
Identificar onde começa o problema pode ser a primeira dificuldade nesta situação. Ter os professores a passar por uma situação de aprendizagem virtual pode ser uma forma de minimizar os obstáculos que os professores levantem a estes métodos?
Sem dúvida, entender o problema pode ser uma das principais dificuldades neste momento. Por isso temos defendido que nesta fase é preciso estimular nos profissionais de ensino a capacidade de observar, de se auto-observar. De se 'darem ao luxo' de ter tempo para observar o seu trabalho e se autoavaliar. A grande maioria dos professores já estava numa fase de grande domínio ou conforto na sua prática pedagógica de dia-a-dia mas, neste momento, estão totalmente fora da zona de conforto e assoberbados de informações e de exigências, o que lhes deixa muito pouco tempo livre. Acreditamos que é fundamental que, apesar de tudo, os professores encontrem espaço (e lhes seja dado esse espaço) para aprender. É fundamental arriscar, errar, aprender.
Outros fatores que penso que podem ser diferenciadores são a junção de pequenas comunidades de professores, quase tertúlias, que permitam que eles aprendam com os seus pares. Os erros de uns trarão os acertos de outros, e partilhar neste momento será fundamental para uma adaptação rápida às novas circunstâncias.
Num artigo publicado no Linkedin, mencionam a necessidade de manter os pais envolvidos neste processo. Sentem que introduzir um terceiro eixo neste processo pode ser um fator de exclusividade, e não de inclusividade, para os alunos? De que forma se pode garantir que todos reconhecem a necessidade deste esforço?
O envolvimento dos pais na educação dos seus filhos sempre foi fundamental. Quanto mais atentos e envolvidos estão os pais, normalmente, mais suave e eficaz é o processo de aprendizagem dos alunos. Neste momento particular, aquilo que observamos é que há uma preocupação de toda a comunidade (escola, professores, pais, alunos) sobre como será mantida a qualidade da educação e a continuidade da aprendizagem e desenvolvimento de competências dos alunos, e é nesse sentido que referimos que é necessário envolver os pais. Por um lado, porque podem ser um fator diferenciador, como uma enzima, no processo de ensino aprendizagem, na relação entre aluno e professor. Por outro, porque eles podem ser garantes da responsabilização e autonomia do aluno, estimulando e monitorando esse processo. Por fim, porque acreditamos que de certa forma as instituições de ensino 'prestam contas', entre outros, aos pais dos alunos, e nesse sentido será importante dar-lhes visibilidade e algum ownership [alguma propriedade] neste momento desafiante para todos. Portanto não creio que seja um fator de exclusividade ou inclusividade mas sim um fator com potencial diferenciador no sucesso da escola, do professor e do aluno nestes tempos complexos que estão a passar em conjunto.
Há algum passo concreto a ser dado em Portugal para se concretizar esta transição?
Penso que da mesma forma que esta 'crise' trará uma oportunidade aos professores para testarem novos métodos, errarem, aprenderem e conquistarem novas ferramentas que levarão para o seu futuro, também para os pais existe uma oportunidade para se envolver mais no processo de aprendizagem dos seus filhos, e manter algum desse envolvimento no futuro.
Não é possível equacionar esta transição sem endereçar um problema de infraestrutura — incentivar que se mude o ensino para formatos online é premente, mas é um desafio logístico. É difícil assumir que todos os alunos tenham capacidade para o fazer. Que passos se podem tomar para garantir uma democratização do ensino nestas condições?
Não acredito que neste momento haja necessariamente um incentivo para mudar o ensino para formatos online. O que há é uma necessidade. No futuro, quando as coisas voltarem ao normal, o que poderá haver é um incentivo ao ensino híbrido, que conjuga as atividades letivas presenciais tradicionais com experiências online, combinando-as de forma harmoniosa no sentido de uma experiência de aprendizagem mais rica, completa e envolvente.
Mas perante a necessidade hoje apresentada de transitar todo o ensino para formato remoto, há de facto todo um movimento para que isso aconteça através de formatos online, e concordo que isso coloca um desafio. Não são todos os alunos que têm internet e dispositivos para acessá-la nas suas casas e isso traz um desafio. Ainda assim, creio que o problema estará mais no acesso à internet do que na disponibilidade de dispositivos. Nesse sentido, penso que um caminho válido será o das parcerias entre as plataformas educativas e as operadoras de telefone/internet, para que possa ser disponibilizado o acesso gratuito a estas ferramentas.
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