No início de março de 2013, antes de Francisco assumir a liderança da Igreja Católica, a maioria (60) dos então 115 cardeais eleitores, aqueles que podem eleger o Papa por terem menos de 80 anos, tinha proveniência europeia. Numa projeção a 15 de outubro, feita pela agência Ecclesia, dos 124 cardeais eleitores, 54 serão europeus.

No segundo Consistório do seu pontificado, em 2015, no qual foi elevado a cardeal o patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, numa lista de 15 cardeais eleitores, destacavam-se os do hemisfério sul.

“Reparei na lista dos que ele escolheu agora para o colégio cardinalício: a grandíssima maioria não é da Europa, nem sequer do hemisfério norte, e isso coincide com aquilo que está a ser o catolicismo mundial, não só o movimento da demografia mundial, mas também o movimento do catolicismo e do cristianismo mundiais”, disse na ocasião Manuel Clemente.

Nos consistórios seguintes –2016, 2017 e 2018 -, Francisco, de 82 anos, manteve esta linha e, no próximo sábado, quando o bispo Tolentino Mendonça for criado cardeal, juntar-se-lhe-ão nove prelados eleitores, incluindo do Luxemburgo, Cuba ou Guatemala, países sem representação no Colégio Cardinalício. O arcebispo emérito de Angola, Eugenio Dal Corso, também foi nomeado cardeal, mas não eleitor.

“Como explicou o próprio Papa, trata-se de uma escolha que ‘exprime a vocação missionária da Igreja’ e a sua opção preferencial pelas periferias humanas”, refere o padre Arlindo Ferreira Pinto, dos Leigos Missionários Combonianos, considerando que, “mais do que falar de ‘geografia do Colégio Cardinalício’, seria mais correto falar de representatividade dos cristãos no mundo ou de descentralização e ‘deseuropeização’ da Igreja”.

Segundo o sacerdote, “de facto, a maioria dos escolhidos pelo Papa vem das até agora consideradas periferias”, ou seja, “é menos eurocêntrica e menos vaticanista, e vem de institutos religiosos com grande tradição missionária como é o caso, por exemplo, dos Combonianos, Missionários de África, Capuchinhos, Salesianos e Jesuítas”.

Jorge Bergoglio, que era arcebispo de Buenos Aires quando foi escolhido líder da Igreja Católica, é o primeiro Papa americano. É, também, o primeiro Papa jesuíta.

Assim que foi eleito, nas primeiras palavras que dirigiu à multidão que se encontrava na Praça de São Pedro, na Cidade do Vaticano, Francisco referiu que os cardeais foram buscar um papa “ao fim do mundo”.

No mesmo mês, numa missa, exortou o clero a ir para “as periferias, onde se encontra o sofrimento, onde o sangue é derramado”.

“O Papa está a ir às periferias e às margens buscar bispos para fazer deles cardeais, não só em termos de geografia humana. O Papa tem tido a preocupação de escolher bispos para cardeais que estão muito empenhados socialmente, que fazem uma opção clara pelos pobres, que vivem em contextos de violência, de perseguição”, afirmou o padre Tony Neves, dos Missionários do Espírito Santo.

Segundo Tony Neves, “durante muito tempo a Igreja Católica cresceu e implantou-se muito e tornou-se poderosa, mesmo em termos económicos, sobretudo na Europa, nos Estados Unidos da América e no Canadá”.

Agora, existe “uma desfocagem geográfica enorme, porque a Igreja está a crescer muito em África e na Ásia”, enquanto “na Europa e na América do Norte está, claramente, a decrescer, a perder números e a perder influência”, declarou.

Por isso, Tony Neves considera fazer “todo o sentido que o Papa – e as pessoas que com ele têm esta missão de animar e de governar – olhe para esses indicadores e seja coerente quando é preciso tomar decisões, como por exemplo, escolher novos cardeais”.

O padre Manuel Augusto Ferreira, também comboniano, assinalou que “o corpo eclesial está a passar por uma transformação” e Francisco “quer dar voz e vez às igrejas da África, da Ásia e da América”, na procura de “um novo equilíbrio”.

“Se vermos os números dos cardeais, o colégio é menos europeísta, reflete melhor a diversidade da Igreja, os vários continentes”, adiantou Manuel Augusto Ferreira, assinalando que as escolhas de Francisco para o Colégio Cardinalício inserem-se na reforma da Cúria Romana de “uma maneira indireta”.

“Antes na chefia dos departamentos da Santa Sé e das congregações eram só os cardeais que eram colocados à frente e o Papa já alterou isso”, referiu, exemplificando com o Dicastério para a Comunicação, dirigida por um leigo.

Para o missionário, ao nomear cardeais “identificados com a sua maneira de ver, o Papa está a agir de forma a que a reforma da Cúria e da Igreja possam continuar”, pelo que vê nas escolhas de Francisco “a preocupação por garantir que na próxima eleição do Papa isso vá refletir-se”.

Com a criação de Tolentino Mendonça como cardeal, Portugal passa a ter três cardeais eleitores, juntamente com Manuel Clemente e António Marto, todos nomeados por Francisco. Os cardeais Saraiva Martins e Monteiro de Castro, por terem ultrapassado os 80 anos, não participam num futuro conclave.

Para o antropólogo e especialista em Estudos de Religião Alfredo Teixeira, “a presença de cinco portugueses no Colégio Cardinalício não deixa de traduzir uma certa mutação da ‘geografia’ do centro político da vida institucional da Igreja católica”.

“Trata-se de uma presença europeia. Mas, em todo o caso, de uma presença da Europa do sul, de um país com fortes relações com a comunidade de língua portuguesa, que se estende, no hemisfério sul, aos continentes africano e sul-americano”, referiu.

Para Alfredo Teixeira, “trata-se, também, de uma presença que vem de um país de maioria católica, em termos sociais, no qual não há fortes indícios dos efeitos negativos provocados pelas denúncias de abusos sexuais de membros da Igreja católica – e pelo laxismo da instituição no tratamento deste problema”.

O presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, cardeal Gianfranco Ravasi, fez saber à Lusa que “não vê as nomeações motivadas pelo valor da lusofonia, mas como sintonia do Papa Francisco com as pessoas que escolheu recentemente”.

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