Ao lado do patriarca de Lisboa, na nave central do mosteiro, o representante da igreja greco-católica ucraniana em Portugal, bispo Stepan Sus, sublinhou a “dignidade e responsabilidade” com que algumas pessoas presentes vestiam camisas bordadas ucranianas, explicando que “muitos morreram à fome, só por vestirem uma camisa bordada ucraniana, só por falarem ucraniano”.
O “Holodomor”, palavra que em ucraniano significa “morte à fome”, foi uma estratégia genocida ordenada por Josef Estaline contra os camponeses das regiões ao longo do Volga, do Don e do Kuban, bem como na zona da Sibéria ocidental, que o líder soviético isolou.
“Estamos também hoje em presença de uma tragédia, também um genocídio”, acrescentou o clérigo ucraniano na sua língua materna, sublinhando uma ideia que esteve no centro da cerimónia que juntou as cerca de duas centenas de ucranianos e portugueses presentes nos Jerónimos, e numa marcha que antecedeu a missa.
“Pessoalmente, vivo isto como uma manifestação de proximidade, antes de mais às vítimas do Holodomor na Ucrânia há 90 anos, mas não haja dúvida nenhuma de que a Ucrânia é hoje novamente uma terra onde se morre”, afirmou à Lusa, o bispo Rui Valério.
“No meu coração e na minha oração estão aquelas e aqueles que continuam a ser, à causa da injustiça, à causa de uma sociedade que teima em não acertar no caminho da fraternidade, da partilha, da justiça e da paz, novas vítimas de pobreza, de miséria e de fome”, acrescentou o patriarca de Lisboa.
Maryna Mykhailenko, embaixadora da Ucrânia em Portugal, manifestou-se agradecida ao patriarca de Lisboa e a Portugal, de uma forma geral, sublinhando o apoio recebido há dois dias nas Nações Unidas e hoje em Kiev, na conferência internacional “Grain from Ukraine”.
“Há dois dias, nas Nações Unidas, a declaração de comemoração deste evento trágico [Holodomor] foi adotada e apoiada por 55 estados-membros, incluindo Portugal e a União Europeia”, começou por sublinhar Mykhailenko, em declarações à Lusa.
“Hoje tivemos a conferência internacional “Grain from Ukraine” em Kiev e o primeiro-ministro [António] Costa filmou uma mensagem vídeo, em que anunciou a contribuição de Portugal com cinco milhões de euros através da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, na sigla em inglês)”, acrescentou a diplomata.
“Estamos muito agradecidos, por isso, porque a Rússia está a usar a alimentação como arma, está a militarizar a alimentação”, disse ainda Mykhailenko.
“Assinalamos hoje os 90º aniversário dessa fome artificial organizada pelo regime de soviético de Estaline. Em alguns meses, entre o outono de 1932 e a primavera de 1933, não sabemos quantas pessoas exatamente, mas hoje pensamos que entre sete e 10 milhões de pessoas ucranianas morreram. Nessa altura, ninguém pôde ajudar-nos, mas esse não é o caso hoje. Estamos muito agradecidos à comunidade internacional pelo seu apoio, e também a Portugal”, afirmou a embaixadora.
Também Pavlo Sadhoka, presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, agradeceu o apoio de Portugal e, em especial, em Parlamento português, que em 2017 reconheceu Holodomor como um genocídio.
Esse “foi um grande apoio político à Ucrânia naquela altura, que havia três anos lutava pela independência no leste do país”, afirmou à Lusa, numa referência à ocupação russa da Crimeia em 2014, e da tomada do controlo das regiões de Lugansk e Donetsk por administrações russófonas.
“Este ato do Parlamento português foi um grande sinal político de que Portugal está connosco e isso confirmou-se agora, quando começou a invasão russa de grande escala”, acrescentou.
“O apoio que Portugal deu e continua a dar aos ucranianos mostra que os portugueses estão connosco e que percebem a nossa dor e o que está a acontecer na Ucrânia”, disse ainda Sadhoka.
O Holodomor é considerado o “Holocausto Ucraniano”, calculando-se que tenham morrido, pelo menos, 3,8 milhões de ucranianos. A Ucrânia tem vindo a trabalhar nos últimos anos para divulgar a morte em larga escala dos seus camponeses durante a coletivização forçada das terras levada a cabo pelo regime comunista da URSS.
Este massacre foi ignorado e ocultado na Ucrânia durante a era soviética e pelos governos pró-russos pós-comunistas que chegaram ao poder em Kiev após o colapso da URSS.
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