Em conferência de imprensa na Assembleia da República, o deputado do PCP António Filipe referiu que, em 2013, tinha sido publicitado que o valor da ANA correspondia a 3,08 mil milhões de euros, mas foi vendida ao grupo francês Vinci por 1.128 milhões de euros, “pouco mais de um terço do que tinha sido publicitado”.
António Filipe destacou ainda que a venda foi concluída depois de “ter sido feito um contrato de concessão por 50 anos de toda a rede aeroportuária nacional à ANA, então ainda empresa pública, por 1.200 milhões de euros”.
“A venda da ANA Aeroportos à multinacional Vinci tem-se revelado um dos negócios mais ruinosos para o Estado de que há memória, isso vem comprovado num recente relatório do Tribunal de Contas, que é arrasador relativamente a esta privatização”, sublinhou.
Além do facto de o valor da venda ter ficado “muitíssimo abaixo da estimativa que tinha sido publicitada”, António Filipe referiu que o relatório do Tribunal de Contas, divulgado em janeiro, também critica a distribuição de dividendos prevista ao longo da concessão.
“Prevê-se que a Vinci tenha um lucro de 20 mil milhões de euros durante a concessão, e que a divisão de receitas entre a Vinci e o Estado português será de 79% para a Vinci e 21% para o Estado português, o que é completamente invulgar, mesmo relativamente a situações desta natureza”, afirmou.
O deputado do PCP sustentou ainda que, neste negócio, houve “uma promiscuidade absoluta” entre os diferentes intervenientes, referindo que, depois de decidida a privatização, o “Estado nomeou uma nova administração para a ANA Aeroportos, que não tinha qualquer experiência anterior nesta matéria, e é anunciado pela Vinci que essa administração transitaria para a administração privada”.
“Quando se fala de portas giratórias, nós aqui estamos perante algo de mais grave. Isto não é uma porta giratória, é uma passadeira vermelha, em que a administração nomeada para uma empresa por parte do Estado transita assumidamente para a empresa que a veio a adquirir”, frisou.
Outro dos “elementos extremamente preocupantes” deste negócio, prosseguiu António Filipe, prende-se com o facto de o Estado, “de forma incompreensível, ter oferecido à Vinci os dividendos de 2012, que eram dividendos do Estado no valor de 81 milhões de euros”.
“Portanto, há aqui um negócio absolutamente ruinoso para o Estado, que envolve uma situação de promiscuidade inaceitável entre titulares de cargos públicos e interesses da empresa privada, (...) para além de ter havido irregularidades denunciadas pelo Tribunal de Contas no seu relatório, que tem a ver com dúvidas sobre a veracidade da documentação apresentada”, salientou.
O deputado do PCP defendeu que “é preciso ouvir os decisores”, recordando que, quando a ANA Aeroportos foi vendida em 2013, o primeiro-ministro era Pedro Passos Coelho, o ministro das Finanças era Vítor Gaspar, o ministro da Economia era Álvaro Santos Pereira e o secretário de Estado das Infraestruturas era Sérgio Monteiro.
“É bom que os responsáveis por estas decisões ruinosas para o Estado expliquem à Assembleia da República, em sede de inquérito parlamentar, a motivação destas decisões, qual o seu fundamento e que assumam naturalmente a responsabilidade pelas decisões que tomaram”, defendeu.
António Filipe sublinhou que o PCP quer saber se houve ilegalidades no processo, porque é que a ANA foi vendida abaixo do valor estimado, quem é que autorizou essa venda e qual foi a legalidade para os dividendos de 2012 serem "entregues à Vinci".
O deputado criticou ainda a Vinci, considerando que a sua gestão dos aeroportos portugueses “tem sido objeto de diversas críticas”, em particular devido “à falta de investimento” no aeroporto Humberto Delgado, mas também ao “processo nebuloso relativamente à venda de lojas francas da TAP” e ao “aumento galopante das taxas aeroportuárias”.
“A Vinci tem tido lucros fabulosos com esta privatização e tem-se destacado na oposição sistemática a qualquer tentativa de construção do novo aeroporto de Lisboa”, criticou.
Questionado sobre qual é a sua expectativa quanto à eventual aprovação desta proposta, António Filipe recordou que o PCP não tem deputados suficientes para a impor - seriam necessários 46 -, e sustentou que, numa altura em que se fala tanto “da necessidade de combate à corrupção e de defender o interesse público”, esta é uma ocasião para “todos os partidos assumirem as suas responsabilidades”.
“Entendemos que assume uma grave responsabilidade quem se opuser à realização deste inquérito parlamentar, porque afinal revela que não está tão interessado em zelar pelo interesse público”, disse.
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