"Aquilo que sabemos é que o doente grave, aquele doente que esteve em cuidados intensivos, de certeza que sai com sequelas. Algumas conhecidas, outras ainda não. E aquilo que nós queremos é atalhar o mais depressa possível e começar a trabalhar com esses doentes de modo a evitar que as doenças progridam", diz ao SAPO24 Paulo Sintra, diretor-clínico do Hospital Distrital de Santarém.
Uma vez ultrapassado o último pico de infeções e de sobrecarga hospitalar, o que foi "verdadeiramente dramático", o hospital de Santarém começou a preparar um acompanhamento mais exaustivo dos doentes pós-covid-19, conta. Tendo em conta que o mês de março já "permite respirar um pouco", "estamos a tentar trabalhar nisto o mais depressa possível, de modo a estabelecer aquilo que é um protocolo", afirma Paulo Sintra.
A intenção é avaliar todos os doentes que tenham tido covid-19, mesmo os que não apresentem queixas e com base nisso ir registando os efeitos secundários, considerando que muitos são ainda invisíveis e podem ter "uma repercussão nos cuidados de saúde dentro de alguns anos".
Para estes doentes, especialmente no caso daqueles que tiveram de ser internados em unidades de cuidados intensivos, é imperativo que se tenha uma "abordagem completamente diferente" no futuro comparativamente ao doente comum.
Um doente vítima de covid-19 não se pode compaginar com a normal avaliação médica de "andar a saltar de serviço em serviço. O doente covid requer mais do que isso", diz Paulo Sintra. E, portanto, urge que se concentrem "os serviços todos em volta do doente de uma forma articulada".
O objetivo é o de controlar o doente "numa fase o mais precoce possível", sendo assim necessário um "trabalho articulado" entre várias especialidades - desde Pneumologia a Medicina Interna, Cardiologia ou Neurologia. Neste contexto, a "saúde mental" é também uma área que não pode ser descorada e, por isso, o Instituto de Psicologia do Hospital Distrital de Santarém começou desde "muito cedo" a trabalhar sobre esta temática, tanto em doentes pós-covid-19, como com profissionais de saúde.
Para colocar em prática este acompanhamento multidisciplinar, o doente pós-covid deve, "no mais breve espaço de tempo", ser avaliado e reencaminhado para programas de recuperação, como a fisioterapia respiratória ou a recuperação neurológica ou cardiovascular.
Questionado sobre indicações das autoridades de saúde para o acompanhamento de casos pós-covid-19, o diretor-clínico do Hospital Distrital de Santarém garante que o Ministério da Saúde e a Direção-Geral de Saúde estão alertas em relação à situação.
"Cada hospital terá a sua dinâmica própria e terá de se adaptar de acordo com aquilo que é o balizamento vindo quer do Ministério quer da Direção Geral de Saúde". Não obstante, "independentemente daquilo que são as normas indicativas de abordagem de um doente com síndrome pós-covid, cada hospital tem de ter alguma iniciativa e tem de se atirar um pouco para a frente", considera.
A ideia é ter "uma atitude pró-ativa", em que não se aguarda que "estes doentes se manifestem e que venham ter ao nosso hospital numa fase mais evoluída", explica Paulo Sintra. "Algumas sequelas serão novidade daqui a um ano, porque só se vão manifestar passado algum tempo e é essa décalage que nós queremos reduzir. Ou seja, nós não queremos ficar à espera que as sequelas se manifestem, queremos descobri-las antes", explica o diretor-clínico. "Recuperar o doente antes que ele se degrade", é então o ideal profilático a seguir, conclui.
Assim sendo, no Porto, no Centro Hospitalar de São João, existe já uma consulta "para onde são referenciados os doentes com antecedentes de infeção por covid-19, com persistência de sintomas, com agravamento ou complicações pós-infeção agudas e ainda com suspeita de reinfeção", apurou, junto da instituição, o SAPO24.
Por outro lado, no Centro Hospitalar Universitário do Porto, que engloba, por exemplo, o Hospital Maria Pia ou o Hospital de Santo António, "não há uma consulta de 'covidologia'". No entanto, se necessário, os doentes podem ser orientados para "consultas de especialidade mais pertinentes", sendo as mais frequentes a de Medicina Interna, de Pneumologia, Cardiologia ou Neurologia. Os médicos de família podem também "pedir consultas adicionais", se tal for benéfico para o paciente.
Para além disto, o centro hospitalar está a desenvolver projetos de investigação clínica na área de neurologia associada ao covid-19.
Situação semelhante ocorre no Centro Hospitalar Póvoa de Varzim - Vila do Conde. Não existe uma consulta específica para pós-covid-19, mas todos os doentes que tenham ficado com "sequelas na sequência da infeção por SARS-CoV-2", têm direito ao "devido acompanhamento na Consulta Externa da unidade de Pneumologia".
Já no Centro Hospitalar de Leiria está a funcionar uma consulta mais específica de "pneumologia pós-covid-19", na medida "em que se tem registado que alguns doentes têm manifestações mais graves de covid-19" e "que necessitam de avaliação respiratória de seguimento, de forma a perceber eventuais sequelas ou necessidades especiais", explica o mesmo centro hospitalar.
No Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, apesar de ainda não existir, será criada "uma consulta para acompanhamento dos doentes infetados pelo vírus SARS-CoV-2”, avança a própria instituição.
Em Lisboa, o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central confirma que está a ser criada uma "resposta centrada" a doentes pós-covid-19 no Hospital de Santa Marta, uma notícia avançada pelo Expresso há umas semanas. No entanto, estando o projeto ainda em fase de arranque e não estando ainda operacional, o centro hospitalar opta por adiar esclarecimentos, ainda que para breve.
No Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, que conta com os hospitais de São Francisco Xavier, Egas Moniz e Santa Cruz, encontra-se em desenvolvimento um "processo assistencial integrado pós-Covid" em conjunto com os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES).
Já o Centro Hospitalar do Oeste, que integra os hospitais de Caldas da Rainha, Torres Vedras e Peniche, criou, através do serviço de Pneumologia, dirigido por António Domingos, uma consulta dedicada especificamente ao seguimento de doentes pós-covid-19.
Denomina-se de "Consulta Pós-COVID" e "tem como objetivo a deteção, avaliação e orientação após a alta clínica de eventuais sequelas provocadas pela infeção SARS-CoV-2", refere o centro hospitalar ao SAPO24. Estas consultas irão decorrer "tanto presencialmente como por chamada telefónica".
De acordo com a situação de cada doente e com o protocolo desenvolvido pelo próprio serviço de Pneumologia, poderão ser pedidos "exames complementares".
"Devido ao impacto das alterações respiratórias nesta patologia, os doentes serão inicialmente observados por uma equipa composta por um médico pneumologista e um enfermeiro e posteriormente serão orientados para outras especialidades, se necessário", refere a nota enviada.
Pós-covidologia infantil
No mesmo centro hospitalar, Luísa Preto, diretora do serviço de Pediatria da unidade de Caldas da Rainha explica ao SAPO24 que apesar de a pediatria ter sido "muito poupada pela pandemia" existem alguns casos que merecem seguimento médico.
A maior parte das crianças acaba por revelar-se assintomática, mas algumas desenvolvem MIS-C — a síndrome inflamatório multissistémico pós-covid-19 — e podem necessitar de internamento nos cuidados intensivos. Até à data, duas crianças foram internadas nas Caldas da Rainha devido a esta patologia.
Na unidade de Luísa Preto as crianças a ser seguidas devido a esta doença têm, respetivamente, dez e três anos. A primeira tinha já uma doença de base e necessitou de cuidados intensivos. Já a segunda, uma criança perfeitamente saudável, não precisou de cuidados intensivos, mas houve a necessidade de ser transferida para o internamento do Hospital Central.
Devido a "algum rebate cardíaco que tiveram durante esta doença", ambas estão a ser seguidas por cardiologistas.
A síndrome inflamatório multissistémica é uma "síndrome que se desenvolve geralmente quatro a seis semanas após uma infeção ou contacto com o vírus" e caracteriza-se como uma "estimulação exagerada do sistema imunitário" que tem como consequência uma reação inflamatória que pode atingir vários órgãos e sistemas. É como que uma resposta "tardia do nosso sistema imunitário ao vírus", ilustra Luísa Preto.
Pelo facto de a maioria das crianças ser assintomática, apenas quando se deteta esta síndrome se percebe, em muitos casos, que a criança a determinada altura esteve infetada pelo SARS-CoV-2.
Para além disto, na unidade das Caldas da Rainha estão a ser seguidos "todos os bebés que nasceram de mães que tiveram covid quer na gravidez quer na altura do parto". Neste momento este acompanhamento dura pelo menos um ano.
Os bebés que nascem nestas condições são testados para se ter a certeza de que não estão infetados e são seguidos em consultas - presenciais ou por via telefónica. Já várias crianças "nasceram de mãe covid positivo", mas nenhuma apresentou "qualquer complicação até à data".
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