Apesar de, em julho, o preço do leite pago ao produtor ter ficado acima da média da União Europeia (UE), no primeiro semestre do ano o valor recuou.
“Tivemos durante 10 anos abaixo da média [da UE] e fomos, durante muitos anos, o preço mais baixo. O que tem acontecido é uma correção dessas desigualdades […]. De janeiro a esta parte, por pressão do mercado internacional, tem havido alguns abaixamentos, que esperemos que fiquem por aqui. Se baixar mais, torna as explorações e a produção leiteira quase inviável”, afirmou o presidente da Agros - União de Cooperativas de Produtores de Leite, Idalino Leão, em declarações à Lusa.
O também produtor considerou ser necessário unir esforços para tornar o valor aceitável e equilibrado ao longo da cadeia de valor sublinhando, neste sentido, ser importante “reativar a PARCA” – Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar, que, segundo referiu, só reuniu uma vez este ano.
Por outro lado, lembrou que o primeiro produto a ser estudado pelo Observatório de Preços “Nacional é Sustentável” foi o leite UHT e que os resultados dessa análise ainda não são conhecidos.
Idalino Leão referiu ainda que a subida verificada sobretudo no final do ano passado, que se refletiu no preço final, não levou a uma quebra do consumo, mas a uma mudança de hábitos.
“Há um ano atrás, o preço do leite ao consumidor custava muito menos do que um café e hoje não estamos a falar de preços muito diferentes. Quando isto está nestes patamares, acho que alguma coisa está errada”, lamentou.
Questionado sobre a possibilidade de se verificar uma nova subida do preço pago ao produtor, Idalino Leão disse que, enquanto agente da cadeia, desejava que tal acontecesse, mas ressalvou achar difícil, numa altura em que saem notícias sobre a inflação e a perca do poder de compra.
Os produtores e os agricultores têm assim enfrentado as descidas com “muitas dificuldades”, tendo em conta que investiram em tecnologia e na eficiência das suas explorações.
“Os agricultores foram-se endividando na banca, junto de fornecedores e cooperativas e, no último ano, foram aproveitando para corrigir estes desequilíbrios. Esperamos que isto pare por aqui, se não o setor torna-se inviável”, concluiu.
Segundo dados do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP), o valor pago aos produtores individuais passou de 0,568 euros por quilo em janeiro para 0,513 euros em junho, tendência que também se verificou com os preços mensais, tanto no continente, como nos Açores.
Entre hoje e 03 de setembro, o espaço Agros, na Póvoa de Varzim, vai receber a 9.ª edição da AgroSemana – Feira Agrícola do Norte, um evento que pretende valorizar o setor agrícola.
O programa da AgroSemana inclui visitas a campos de ensaio, competições, ‘showcookings’, degustações e concursos.
No ano passado, o evento recebeu cerca de 80.000 visitantes.
Portugal tem que assumir a agricultura como verdadeiro desígnio nacional
O presidente da Agros, Idalino Leão, afirmou que, em Portugal, falta assumir a agricultura e o agroalimentar como um “verdadeiro desígnio nacional”, vincando que em causa está a soberania alimentar do país, recentemente posta à prova.
“Acho que não é só no caso da seca ou da gestão ou falta de gestão da água, mas o que está a faltar, de há um bom par de anos a esta parte, é assumir a agricultura e o setor agroalimentar, como um verdadeiro desígnio nacional”, afirmou.
Para Idalino Leão, o que está em causa é a soberania alimentar do país, que recentemente foi posta à prova com a guerra na Ucrânia e com a pandemia de covid-19.
“Tudo o que produzirmos, significa que é algo que não vamos comprar fora, e isso significa riqueza que fica cá e gente que fica nos territórios rurais, tornando o território mais coeso e sustentável”, sublinhou, ressalvando que, em determinados produtos, Portugal nunca será autossuficiente porque não tem condições para isso.
Este responsável classificou ainda a questão geracional como “o maior falhanço da PAC” (Política Agrícola Comum), lembrando que apenas 4% dos agricultores portugueses têm menos de 40 anos.
Neste sentido, defendeu ser necessário tornar a profissão de agricultor “socialmente reconhecida” e haver vontade política para que os diversos partidos e governantes assumam o papel que a agricultura desempenha.
O presidente da Agros disse que, por exemplo, o papel da agricultura no turismo ainda não é valorizado, apontando que Portugal tem patrimónios reconhecidos pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), cujos habitats são cuidados pelos agricultores e pelos seus animais, tornando-se um “chamariz”, o que acaba por alavancar o PIB (Produto Interno Bruto).
“O setor agrícola precisa de previsibilidade para depois trazer a viabilidade económica porque não há nenhum jovem que queira vir para o setor, sem ganhar dinheiro”, vincou.
Por outro lado, mostrou-se preocupado com “as tendências da PAC” relativamente à estratégia “Do Prado ao Prato” e ao Pacto Ecológico Europeu, assegurado que, a serem executadas como estão previstas por Bruxelas, a Europa segue no mau caminho.
A PAC, a ser aplicada como está, implica uma redução de 12% na produção europeia, que terá que ser compensada por outros blocos já em crescimento, como o asiático, o norte-americano e mesmo a América Latina.
“O que me faz confusão é a UE obrigar agricultores a um espartilho de regras ambientais e à legislação de bem-estar animal, quando, por outro lado, estamos a adquirir produtos destes mesmos blocos, que não cumprem estas regras, o que me parece hipocrisia”, referiu.
Ainda assim espera haver abertura por parte da União Europeia para reverter esta situação, mesmo notando: Bruxelas “já nos habituou a reagir tarde”.
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