O início do julgamento está marcado para as 09:30 no Tribunal de São João Novo, no Porto.
Em maio, o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto pronunciou (decidiu levar a julgamento) Rui Moreira nos exatos termos da acusação do Ministério Público (MP), sublinhando que é “solidamente previsível” que, em julgamento, o autarca venha a ser condenado.
A decisão instrutória, proferida pela Juíza de Instrução Criminal (JIC) Maria Antónia Ribeiro, acrescenta que Moreira, “enquanto autarca e no exercício dos seus poderes, atuou em clara violação da lei”, da qual tinha “plena consciência”.
Na fase de instrução, requerida pelo arguido, e que visa decidir por um JIC se o processo segue e em que moldes para julgamento, “não foi produzida qualquer prova que pudesse abalar” a acusação, razão pela qual o autarca vai responder por prevaricação (de titular de cargo político), incorrendo ainda na perda de mandato, pedida pelo MP.
Comete o crime de prevaricação o titular de cargo político que, conscientemente, conduza ou decida contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém.
No debate instrutório, Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Moreira, pediu que o seu constituinte não fosse a julgamento, dizendo que o caso Selminho estava assente “num processo de intenções, teorias e fabulações” do procurador do MP Nuno Serdoura.
O TIC do Porto concluiu, contudo, que o presidente da autarquia “agiu com intenção direta de beneficiar os interesses da Selminho, [imobiliária] da qual também era sócio, em detrimento” da Câmara Municipal do Porto (CMP), no litígio judicial que opunha o município à imobiliária, que pretendia construir um edifício de apartamentos num terreno na Calçada da Arrábida, no Porto.
Na decisão instrutória, a JIC começa por fazer uma pergunta.
“Percorrida toda a prova documental, cumpre desde já questionar o seguinte: que estudos específicos foram realizados além dos que já se encontravam disponíveis e que permitissem alterar o ponto de vista do município (de que naquele terreno não era possível construir)? Nenhum. Ao contrário do que refere a defesa do arguido, nada transparece no processo, ao longo de todo o historial do litígio que move a Selminho e a CMP, que a Selminho tivesse alguma expectativa”, salienta a juíza Maria Antónia Ribeiro.
A análise da prova documental permite, segundo a JIC, “entrever que as posições formais que o município sempre assumiu nos vários processos municipais sobre a matéria eram no sentido de rejeição de capacidade construtiva e de recusa de qualquer direito indemnizatório à empresa Selminho”.
“Da análise da mesma prova documental, é já possível alcançar que as negociações e entendimento entre as partes foram realizadas antes do presidente Rui Moreira se declarar impedido e a vice-presidente Guilhermina Rego assinar a procuração para substituição legal, sendo-lhe colocado na frente o acordo já formalizado, a que foi alheia”, lê-se na decisão instrutória.
Para ao TIC do Porto, “o compromisso assumido pelo arguido [em 2014], enquanto representante do município, além de invadir as competências próprias da Assembleia Municipal, quanto à alteração da qualificação do solo do terreno, garante à empresa Selminho a reclamada pretensão edificatória que eram contrárias às disposições do PDM [Plano Diretor Municipal]”.
“Mas mais, compromete-se a, caso a revisão do PDM não garantisse à Selminho o resultado previsto, dirimir o litígio com vista ao apuramento de um eventual direito a indemnização através de um tribunal arbitral, quando não tinha qualquer direito preexistente consolidado, nem antes nem depois de o arguido entrar em funções”, sustenta a JIC.
Rui Moreira assumiu a presidência da CMP em outubro de 2013.
“Desde logo parece estranho, quando o mesmo, assim que inicia funções, pede os processos mais importantes. Perguntando-se como é possível desconhecer a existência de um processo em que uma das partes é precisamente uma empresa na qual tem interesse”, questiona a JIC.
“Um presidente da câmara que sabe da existência de um litígio entre o município que representa e uma empresa na qual tem interesses, ao ter dúvidas sobre a outorga de uma procuração [ao advogado Pedro Neves de Sousa], com poderes especiais e das suas consequências, não se satisfaz com uma informação superficial ‘entre gabinetes’. Por outro lado, a testemunha Azeredo Lopes [à data chefe de gabinete] referiu não ter suficientes conhecimentos jurídicos na matéria. Não se nos afigura plausível”, concluiu a JIC.
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