“Está instalada no sistema judicial a capacidade de responder adequadamente ao fluxo de processos (…). O sistema está sólido e resiliente a este nível e em condições de apresentar prazos médios de resposta cada vez mais razoáveis. As grandes dificuldades esperam-se, precisamente, na capacidade de responder aos vários processos de maior complexidade e de maior impacto público”, escreveu Joaquim António Piçarra no seu discurso.
Esta é a primeira vez que o juiz conselheiro discursa no ato solene, tendo aproveitado para sublinhar a elevada qualidade da justiça portuguesa, mas também para apontar alguns pontos fracos do sistema e falar da situação de conflito entre Governo e as associações representativas dos profissionais do setor.
Apesar da a qualidade da justiça ser elevada, como demonstra uma curva “muito favorável na redução de pendências e de tempos médios de decisão”, António Piçarra considera que o sistema “é quase completamente ausente no cumprimento da sua obrigação de comunicação com a sociedade” e que manifesta uma “dificuldade notória e crescente de responder a realidades processuais cada vez mais complexas”.
Quanto à desconfiança dos cidadãos no sistema, o juiz conselheiro aponta para a dificuldade de comunicação de forma compreensível e as fragilidades ao nível da organização judiciária, sem “estruturas nem pessoas, organizadas e preparadas, para comunicar devidamente as decisões dos tribunais”, facto que considera “incompreensível e inaceitável”.
“Continuamos a ter bem presentes longas sessões noticiosas, com jornalistas à porta dos tribunais durante dias inteiros, sem que exista um espaço para os acolher. Sem uma única pessoa da estrutura judicial a prestar uma declaração ou sequer a dar uma simples informação”, criticou.
“Uma justiça independente e capaz, que esteja fechada sobre si mesma, nunca será uma instituição publicamente reconhecida”, alertou.
António Piçarra destacou também no seu discurso a falta de meios adequados ao dispor dos juízes.
“Deixar um juiz, ou um coletivo de juízes, sem qualquer apoio, tratar de processos com 25 mil documentos, 100 mil documentos, ou um milhão de documentos, lê-los compreendê-los, estabelecer relações entre eles, ligá-los ao depoimento de dezenas ou centenas de testemunhas, tentando apurar a verdade de centenas ou milhares de factos imputados, pode parecer quase absurdo”, afirmou.
“Deixar os juízes, sem qualquer apoio, a procurar lidar com esta realidade é, atualmente, um dos grandes problemas do sistema de justiça, com forte repercussão pública e impacto na sua imagem”, acrescentou.
No dia em que se soube que a Associação Sindical dos Juízes cancelou a greve marcada para 23 de janeiro, após terem sido reatadas as negociações com o Governo, António Piçarra fez uma referência “à situação conflitual” entre magistrados e Governo, apelando para a pacificação do ambiente.
“Há que encontrar um caminho que, designadamente, assegure, ainda nesta legislatura, a concretização do processo de revisão do Estatuto dos Magistrados Judiciais”, afirmou o conselheiro, considerando “absolutamente lamentável que esse processo, iniciado ainda na legislatura anterior, não tivesse um desfecho favorável, passada uma legislatura inteira ou terminando esta sem a sua conclusão”.
Recordando que “há um conjunto de processos, cada vez mais alargado, com relevo público e sensibilidade social e económica que entrará em fases decisivas”, António Piçarra deixou uma “mensagem de confiança: a justiça portuguesa tratará todos por igual”.
Ainda no capítulo da qualidade do sistema judicial, o presidente do STJ abordou o tema dos sistemas informáticos, lembrando que “o ‘citius’ teve há pouco mais de três anos um colapso quase completo, cujas causas não estão completamente esclarecidas e são, cada vez mais, frequentes as referências noticiosas a intrusões ilícitas no sistema”, sustentando que “os cidadãos e as instituições judiciais querem (e precisam de) ter confiança na segurança do sistema”.
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