O estudo, com coordenação do economista Paulo M. M. Rodrigues (que conta com mais 14 autores), faz uma caracterização detalhada do mercado imobiliário, nas suas várias dimensões, incluindo o arrendamento urbano, que é problemático em Portugal (capítulo seis do estudo, cujo autor é Victor Reis, que foi presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana entre 2012 e 2017).
Segundo o estudo, entre os censos de 1960 e 2011 (período de 50 anos), “o parque habitacional de alojamentos familiares clássicos mais do que duplicou, crescendo muito acima do número de famílias, e o rácio de alojamentos por família passou de 1,08 para 1,45”.
Nesses 50 anos, no parque habitacional de residências habituais (os restantes são os alojamentos secundários, sazonais ou vagos), a habitação própria permanente cresce de 45,1% para 73,2%, enquanto o arrendamento cai significativamente de 48% para 19,9%. Segundo o autor, os últimos números disponíveis, de 2019, indiciam que este declínio se manteve mesmo após 2011.
Já em Lisboa e no Porto a habitação própria permanente fica nestas cidades abaixo da média nacional (51,8% em Lisboa e 50,7% no Porto) e nos centros históricos ainda é menor (31,3% em Lisboa e 40% no Porto), ou seja, há mais arrendamento nos centros históricos (64,1% em Lisboa e 54,1% no Porto).
O autor faz uma resenha da evolução da legislação desde 1991, quando foi publicada a Lei do Inquilinato, considerando que desde então se sucedem processos legislativos sobre o arrendamento urbano. Contudo, diz, as medidas aprovadas, “em nome do direito à habitação e quase sempre em circunstâncias de crise”, afinal “tiveram efeitos perversos que reduziram drasticamente a oferta e afastaram o investimento deste segmento”.
Daí, considera, nasceu em Portugal a cultura da ‘casa para toda a vida’ e o “confronto maniqueísta entre proprietários e arrendatários” com o arrendamento a tornar-se “a ‘ovelha negra’ do imobiliário em Portugal”.
Segundo o autor, quanto às medidas criadas nas últimas duas décadas para dar uso às casas e aos prédios devolutos, o que se encontram são medidas fiscais, “onde ano após ano se agravam as taxas dos impostos”, sem que haja “quaisquer resultados práticos”.
Diz o autor que, ao contrário do que acontece em países da Europa Ocidental, Portugal “não ganhou ‘músculo’ orçamental para desenvolver uma política de promoção da habitação e construir um significativo parque habitacional público, capaz de acudir às famílias com maiores dificuldades de acesso à habitação”, nem em ditadura nem em democracia.
O parque habitacional público é composto hoje por cerca de 120 mil habitações, representando 2% do total dos alojamentos.
Para o autor, o que o Estado faz é empurrar “para os privados as suas responsabilidades sociais e constitucionais no acesso à habitação”, com os congelamentos de rendas e a perpetuação dos contratos de arrendamento.
Já os senhorios, “cada vez mais descapitalizados e com os seus edifícios progressivamente mais degradados, convivem com um mercado imobiliário que prospera em todos os segmentos, com a exceção do arrendamento”. Assim, a iniciativa privada há muito “abandonou o arrendamento e canalizou os seus recursos para investimentos que se revelavam seguros e rentáveis”, acrescenta.
“Os poderes públicos, absolutamente incapazes de enfrentar as controvérsias e os custos políticos que resultariam de uma liberalização do arrendamento urbano, encontraram no crédito bonificado a solução, financiando a construção nova e a expansão urbana e incentivando as famílias a comprar casa. Não surpreende, portanto, que se tenham criado as condições, por vezes psicológicas, para que pareça mais barato comprar do que arrendar casa. O que nalguns casos até corresponde à realidade”, lê-se no estudo.
O autor do estudo considera mesmo que o Estado, com as políticas que tem tido no mercado de arrendamento, “está a agravar a sua segmentação no regime de acesso às habitações, nos prazos de duração dos contratos, nos tratamentos de exceção resultantes das condições sociais dos agregados e nos sistemas de determinação do valor da renda”.
Refere que há casos de casas com apoio público em que famílias com rendimentos iguais, em casas iguais no mesmo edifício, pagam rendas muito diferentes, já que estão sob regimes distintos. “Mais grave: pode até ocorrer que famílias com rendimentos inferiores paguem rendas significativamente superiores”, acrescenta, explicando que não há harmonização nos regimes de apoios públicos.
No Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), pela primeira vez, o Estado português recorre a subsídios externos para tentar suprir carências habitacionais, mas o plano “não apresenta qualquer reforma das políticas de arrendamento urbano”, nomeadamente para atrair investimento que aumente a oferta de habitação a preços acessíveis, sendo a única medida prevista a promoção de 6.800 habitações acessíveis, um número que o autor considera “muito longe das dezenas de milhares de habitações necessárias para gerar uma oferta que responda às necessidades existentes, face à quebra de rendimentos das famílias e ao aumento exponencial do valor das rendas”.
O capítulo um do estudo (cujos autores são Pedro Brinca e João B. Duarte) também tem dados sobre o arrendamento, referindo que da percentagem de famílias que em 2017 tinham mais do que uma habitação (29,2% do total) apenas 13,4% arrendavam qualquer habitação adicional (enquanto na zona euro esse valor era de 41,4%).
Segundo os autores do capítulo um, “isto sugere que deveriam ser feitos mais esforços no sentido de perceber que tipo de incentivos podem ser criados, em Portugal, para que o parque habitacional não reservado para habitação própria possa ser colocado no mercado de arrendamento e gerar valor acrescentado para a economia”.
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