A propósito do manifesto subscrito por cerca de uma centena de personalidades em defesa de uma reforma da Justiça divulgado no mês passado, Maria José Fernandes, num artigo publicado hoje no jornal Público e intitulado "Ministério Público: breve encontro com o drama", considera que houve má interpretação ao dizer-se que se tratava de um processo de intenções e lembra a sondagem recente sobre o funcionamento da Justiça.

"Voltando ao drama, os resultados de uma sondagem recente sobre a visão dos cidadãos quanto ao estado da justiça e quanto à prestação do MP nos últimos tempos introduziram no debate público o que poderá denominar-se momentum pathos. Quando 72% avaliam como mau/muito mau o funcionamento da justiça em geral, cabendo concretamente ao MP uma avaliação nesse grau, para 56% dos inquiridos há-de convir-se que estamos perante um safanão doloroso, com a virtualidade de nos fazer olhar para dentro, sem espaço para vitimizações e abordagens de viés", escreve.

“Talvez por falta de argumentos, foi desfraldada a já muito corrida e infundada conclusão de processo de intenções: diz-se que os subscritores do Manifesto querem acabar com a autonomia do MP [Ministério Público] e submetê-lo a um dirigismo autoritário”, continua a procuradora-geral adjunta.

“Auguro que os menos informados possam ser levados a pensar que a autonomia interna e externa dos procuradores da República é um direito pessoal que os habilita a agir em cada caso, segundo interpretações ou visões personalistas da situação. Nada de mais errado”, afirma. Tal autonomia, sublinha, é ”uma prerrogativa funcional” que visa “garantir um exercício profissional livre de influências” e, porque os magistrados “atuam ao serviço da lei e da comunidade de cidadãos”, considera legítima a crítica.Maria José

Recordando a atuação do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Maria José Fernandes dá conta das suas críticas.

"Desde há anos, venho criticando o poder de influência que o SMMP assumiu dentro de um corpo do Estado com o estalão de magistratura como é o MP. Influência só aparentemente diáfana, entranhada lentamente nos interstícios da organização e que talvez não seja facilmente percebida por aqueles a quem aborrece o juízo crítico", escreve

E recomenda: Ministério Público: "conviria muito mais a uma associação profissional, que se preza de intervir no espaço público, fazer uma abordagem positiva e colaborante com quem governa, apontando sugestões possíveis para os problemas existentes".

Na defesa de um MP mais ágil, defende que era urgente ponderar a “sentença negociada, para certo tipo de criminalidade, sem perda de garantias” e uma revisão no regime de recursos, “abolindo o excessivo e redundante”.

Outra urgência, indica, é a enumeração de todos os chamados megaprocessos, “ou de idêntico volume”, pendentes há mais de dois anos para que se possa avaliar as razões da não conclusão e, “sendo necessário e possível”, redefinir a estratégia investigatória.

“Impõe-se pôr a zero o contador dos atrasos, em qualquer das áreas jurisdicionais, e andar para a frente sem queixumes”, considera a procuradora, insistindo: “A comunidade de cidadãos, que é sábia, reclama atuação e eficácia e não aceita mais desculpas inviáveis”.

A magistrada já tinha sido crítica do trabalho do MP, quando num artigo publicado em novembro, igualmente no Público, questionou os métodos de trabalho e de investigação e, embora sem se referir à Operação Influencer, questionou como foi possível chegar até “à tomada de decisões que provocaram uma monumental crise política e cujas consequências vão ainda no adro”.

No artigo , a procuradora alegava, entre outros pontos, que "os desfechos de vários casos já julgados permitem extrair que há aspetos do trabalho dos procuradores de investigação a carecer revisão e aprimoramento pelo exercício da autocrítica”.

Na sequência deste artigo, o conselho superior do MP instaurou um processo disciplinar à procuradora.

*Com Lusa