Esta posição foi transmitida por António Costa no discurso de abertura do debate do Programa do XXIII Governo Constitucional, que se prolonga até sexta-feira na Assembleia da República.

“A ação deste Governo será marcada pela lealdade institucional e pela humildade democrática. Estamos certos de que foi exatamente esta a vontade das portuguesas e dos portugueses: Dispor de uma maioria que garanta a estabilidade e promova o diálogo”, declarou o líder do executivo no começo da sua intervenção.

O primeiro-ministro fez ainda uma alusão indireta à possibilidade de a legislatura não ser cumprida, contrapondo que os executivos por si liderados “nunca” abandonaram os portugueses e não será agora, com um novo quadro político, que o farão: “Nunca abandonámos os portugueses e seguramente não será agora que o faremos. É o que faremos nos próximos quatro anos e meio”, declarou António Costa no discurso com que abriu dois dias de debate do Programa do XXIII Governo Constitucional na Assembleia da República.

Numa parte mais política da sua intervenção, que durou cerca de 25 minutos, o líder do executivo referiu-se a críticas que forças da oposição têm feito ao Programa do Governo, bem como a outras polémicas políticas.

António Costa observou que vários partidos dizem que o Programa do Governo é idêntico ao programa eleitoral do PS – perspetiva que aceitou e justificou:

“O programa eleitoral não era um conjunto de meras promessas eleitorais, mas o compromisso que assumimos com os portugueses. Este é o programa que estamos mandatados pelos portugueses para executar nos próximos quatro anos e seis meses. Este é – palavra dada, palavra honrada – o nosso contrato de Legislatura com os portugueses”, sustentou.

O primeiro-ministro argumentou depois que foi no programa eleitoral do PS que os portugueses votaram.

“Foi com esse Programa que o Partido Socialista se comprometeu. E será este o Programa de Governo que vamos cumprir”, frisou.

Já sobre as críticas de ausência de visão de curto prazo inerente ao Programa do Governo, António Costa contrapôs que um Programa do Governo “é, por definição, um programa para a Legislatura, um conjunto de medidas de médio e longo prazo, que não ignora a conjuntura, mas cujo propósito primeiro não é – não pode ser - responder à conjuntura”.

“Deve mesmo ter uma visão estratégica e uma ambição de transformação estrutural que nos projete num horizonte de futuro. Foi, também por isso, que os portugueses votaram numa solução de estabilidade”, advogou.

Neste contexto, o primeiro-ministro considerou que durante os últimos dois anos, o seu Governo “demonstrou repetidamente a capacidade de se adaptar aos desafios do presente”. “Sem nunca perdemos de vista os nossos objetivos de médio e longo prazo”, acrescentou.

Medidas para contenção dos preços da energia e no agroalimentar

O primeiro-ministro anunciou depois que o Governo vai aprovar já na sexta-feira, logo que estiver em plenitude de funções, um conjunto de medidas para a contenção dos preços dos bens energéticos e agroalimentares.

“Amanhã [sexta-feira] mal o Governo entre em plenas funções aprovaremos um novo pacote de medidas direcionadas à contenção dos aumentos de preços dos bens energéticos e agroalimentares, que se junta às medidas já em vigor”, declarou o líder do executivo.

Segundo António Costa, esse novo conjunto de medidas vai assentar em quatro eixos, o primeiro dos quais dirigido “à contenção dos preços da energia”.

“Para os combustíveis, e enquanto não recebemos uma resposta ao nosso pedido por parte da Comissão Europeia, avançaremos com uma redução de ISP equivalente à redução do IVA para 13%, manteremos mecanismos de compensação dos aumentos de receita fiscal e alargaremos a suspensão do aumento da taxa de carbono até 31 de dezembro. Aos preços de hoje, estas medidas traduzem-se numa redução de 52% do acréscimo do preço do gasóleo e de 74% do preço da gasolina, registados desde outubro de 2021”, sustentou.

Quanto à eletricidade, António Costa referiu que o executivo apresentou na semana passada em Bruxelas uma proposta ibérica que limita o contágio dos preços da eletricidade pelo preço do gás.

“Esta proposta pode resultar, em Portugal, numa poupança para famílias e empresas na ordem dos 690 milhões de euros por mês, suportados diretamente pelo setor elétrico”, disse.

O segundo eixo de atuação do Governo serão os apoios à produção, vertente em que o executivo irá suportar uma parte do aumento dos custos com gás das empresas intensivas em energia.

“Reduziremos os custos das empresas eletrointensivas. E flexibilizaremos os pagamentos fiscais e das contribuições para a segurança social dos setores mais vulneráveis: Agricultura, pescas, transportes, setor social e indústrias especialmente afetadas, como os têxteis, a fabricação de pasta de papel, a indústria cerâmica e do vidro, a siderurgia, a produção de cimento e a indústria química”, apontou.

António Costa afirmou a seguir que também será criado “o gás profissional para abastecimento do transporte de mercadorias e alargaremos ao setor social o desconto de 30 cêntimos por litro nos combustíveis”.

“Para os setores da agricultura e pescas, destaco as seguintes medidas: A isenção temporária do IVA dos fertilizantes e das rações; e alargaremos também até ao final do ano a redução do ISP sobre o gasóleo colorido e marcado agrícola; disponibilizaremos desde já mais 18,2 milhões de euros para mitigar os custos acrescidos com a alimentação animal e fertilizantes”, especificou.

O primeiro-ministro frisou que o Governo, em Bruxelas, está “a lutar pela criação de uma medida excecional de apoio temporário ao abrigo do FEADER”.

“Reforçaremos em 46 milhões de euros as verbas de apoio à instalação de painéis fotovoltaicos em 2022 e 2023 para a agroindústria, a exploração agrícola e os aproveitamentos hidroagrícolas”, completou.

O terceiro eixo do novo pacote de medidas do executivo, segundo António Costa, dirige-se às famílias vulneráveis, apoiando-as a fazer face ao acréscimo de custo dos bens essenciais. “Iremos alargar a todas as famílias titulares de prestações sociais mínimas as medidas de apoio ao preço do cabaz alimentar e das botijas de gás”, salientou.

O quarto eixo, acrescentou o primeiro-ministro, pretende acelerar a transição energética, permitindo uma preparação para crises futuras, “seja por via da simplificação dos procedimentos relativos à descarbonização da indústria e à instalação de painéis solares, seja pela redução para a taxa mínima do IVA dos equipamentos elétricos que permitam menor dependência de gás por parte das famílias”.

Crescimento é um desafio central e é como uma corrida de maratona

António Costa considerou que a maioria absoluta que o PS conseguiu nas legislativas de 30 de janeiro representa "uma responsabilidade única e uma oportunidade única para corresponder aos desafios" que Portugal enfrenta.

O primeiro-ministro acrescentou que "um dos desafios centrais é mesmo o do crescimento", assumindo o objetivo de continuar a "convergir para a média" da União Europeia, "onde pesa mais precisamente o peso das maiores economias, como a alemã, como a francesa, como a italiana, como a espanhola".

"É mesmo com esses que nós queremos convergir, é mesmo desses que nós nos queremos aproximar. E esta é uma corrida de maratona, e nas corridas de maratona não se vence a olhar para quem vem atrás de nós, tem-se é os olhos postos fixos nos 42 quilómetros", afirmou.

Nesta intervenção, António Costa respondeu aos que criticam a evolução da economia portuguesa nos últimos anos: "Quanto ao crescimento, não podemos é ir outra vez nos cantos de sereia daqueles que recorrem ao truque da estatística de fazerem média de 20 anos para disfarçar a média dos últimos seis anos, que recorrem aos últimos 20 anos para esconder que entre 2016 e 2019 crescemos sete vezes mais do que nos 14 anos anteriores".

"Não crescemos só mais, convergimos de novo com a União Europeia, o que não acontecia desde o princípio do século", contrapôs.

Nesta nova legislatura, o primeiro-ministro reiterou o objetivo "convergir mesmo com os mais desenvolvidos", mas ressalvou que se congratula se nessa "trajetória para o desenvolvimento" Portugal for "acompanhado por outros" Estados-membros da União Europeia.

"Porque o projeto europeu não é um projeto de competição, é um projeto de cooperação, de solidariedade, e quanto mais convergirmos, mais todos nós cresceremos e nos desenvolveremos", sustentou.

Antes, o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, disse que os socialistas não querem "um crescimento económico qualquer", querem "um crescimento para todos", que não deixe "ninguém para trás", que sirva "também para combater as desigualdades".

Referindo-se ao presidente da Iniciativa Liberal, Brilhante Dias acrescentou: "Diz o senhor deputado Cotrim Figueiredo, que é pequenino. É pequenino, mas é para todos. Não é apenas para alguns nem servimos nenhumas clientelas de forma particular".

A maioria é absoluta, mas o poder não

Já na parte final do discurso, António Costa reiterou a sua garantia política de que maioria absoluta do PS “não significa poder absoluto”.

“Queremos diálogo construtivo e gerador de consensos. Diálogo político e social, que liberte a sociedade das teias corporativas; que reforce as Forças Armadas e a operacionalidade das Forças e Serviços de Segurança; que permita uma Justiça ágil e célere na tutela da legalidade democrática e na proteção de direitos, liberdades e garantias”, disse.

Um ponto em que foi ainda mais longe, dizendo que os objetivos passam pelo cumprimento do “projeto constitucional de descentralização local e regional”, pela garantia de “previsibilidade e continuidade nos investimentos em Cultura e Ciência”.

Neste ponto, António Costa citou mesmo o chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa.

“Como afirmou o Presidente da República no ato de posse deste Governo, o diálogo não pode ser um argumento para não decidir ou não fazer o que pode decidir e fazer bem por si só”, referiu.

O primeiro-ministro apontou depois que Portugal tem agora “mais tempo de vida em democracia do que em ditadura”.

As nossas instituições funcionam. Os poderes do Estado exercem a sua função. O poder judicial é independente. As regiões e as autarquias são autónomas. A imprensa é livre. A concertação social presente. Governaremos com humildade democrática. Com respeito pelas instituições da República, em diálogo permanente com este parlamento e com o Presidente da República”, salientou.

António Costa advogou que formou um “Governo forte, coeso e articulado”.

“Não serão a necessidade de acudir à turbulência e a imprevisibilidade do tempo que vivemos a impedir-nos de realizar os objetivos estratégicos a que nos propomos. Não foi assim com a pandemia, não será assim com a guerra”, acrescentou.

Orçamento do Estado será apresentado na próxima semana

Em resposta ao deputado socialista João Torres, António Costa reiterou uma máxima que costuma usar de que "palavra dada será palavra honrada”: "Já para a semana, quando apresentarmos o Orçamento do Estado para 2022, muitos dos compromissos que assumimos para 2022 lá estarão plasmados", disse.

O primeiro-ministro acrescentou que, quanto aos restantes compromissos do Governo, irão sendo executados ao longo dos quatro anos e seis meses da legislatura.

O vice-presidente da bancada socialista João Torres tinha saudado António Costa por o Governo ter sido “fiel ao programa eleitoral do PS”. “Parece que alguns partidos vieram para este debate com espírito de desforra, mas certas ideias foram rejeitadas nas urnas”, criticou.

Na segunda ronda de perguntas ao primeiro-ministro, as bancadas do PCP e do BE questionaram o Governo sobre o impacto da inflação nos salários dos portugueses, com António Costa a reiterar que esta é, segundo as instituições internacionais, uma tendência transitória.

“O que está a dizer é que como a inflação é transitória, o Governo aceita o corte dos salários e o empobrecimento”, criticou a bloquista Joana Mortágua.

Na mesma linha, a deputada e líder parlamentar do PCP Paula Santos defendeu que “o aumento dos salários é mesmo uma exigência que se impõe”.

Tal como já tinha respondido na primeira ronda ao presidente do PSD, Rui Rio, o primeiro-ministro insistiu que, a confirmarem-se as projeções de instituições internacionais, “haverá uma trajetória de redução desta pressão inflacionista, não é uma questão de fé”.

É em função das informações disponíveis que devo desenhar as políticas públicas. Se as previsões se confirmarem muito bem, senão teremos de reajustar as políticas”, disse.

Pelo PSD, o deputado Adão Silva trouxe ao debate do Programa do Governo o tema das barragens da EDP, várias vezes levantado pela sua bancada em discussões com António Costa, querendo saber das conclusões da investigação da Autoridade Tributária (AT) que estará a apurar se a empresa deve ou não mais de cem milhões de euros de impostos ao Estado.

Seja quem for que deva impostos deve pagar. A AT está a investigar, em conjunto com o Ministério Público, e quando houver conclusões e se houver imposto a pagar será cobrado”, respondeu António Costa.

O primeiro-ministro demorou-se um pouco mais na resposta à deputada Carla Castro, da Iniciativa Liberal, que tinha classificou o Programa do Governo de “faz de conta” e criticou as opções do Plano de Recuperação e Resiliência.

“Se somar os incentivos às empresas com os que estão no Portugal 2030 e comparar com os incentivos às empresas no PT2020 - desenhado no último Governo antes do meu primeiro (do PSD/CDS-PP) - verificará que houve um aumento de mais de 90%. Não acredite em tudo o que é propaganda”, aconselhou Costa.

“Eu estarei cá mais quatro anos e seis meses”

Já em resposta às perguntas de Rui Rio no debate do programa do Governo sobre TAP, salários e combustíveis, Costa começou por recorrer à ironia: “Ao ouvir o fervor com que voltou do debate da campanha eleitoral, fiquei com sensação de que queria uma segunda volta das eleições. Ó dr. Rui Rio, a ver o bom exemplo do que conseguiu na segunda volta do círculo da Europa vamos a isso”, disse, numa referência à perda de um deputado por parte do PSD na repetição das legislativas neste círculos.

O primeiro-ministro referiu-se ainda às eleições internas do PSD que vão escolher o sucessor de Rui Rio, que já anunciou que deixará o cargo na sequência da derrota nas legislativas.

“Começo a perceber porque vai adiando as eleições internas no seu partido, a ver se ainda quer ir a uma segunda volta comigo. Eu estarei cá mais quatro anos e seis meses à espera de si, tem tempo de ir e voltar e eu ainda cá estarei”, afirmou, na primeira vez em que deu esta garantia pública após a tomada de posse do executivo.

Costa promete sistema de segurança interna robustecido após extinção do SEF

O primeiro-ministro defendeu ainda a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), dizendo que esta mudança faz parte do programa do Governo desde 2019, e prometeu que o sistema de segurança interna sairá robustecido.

Esta posição foi transmitida por António Costa na parte de respostas a perguntas dos deputados no debate sobre o Programa do Governo, depois de uma intervenção do dirigente do Chega Pedro Pinto.

Pedro Pinto afirmou que a projetada extinção do SEF pelo atual Governo é “um grave erro”, sendo “mais uma cabritada” dos governos socialistas – uma alusão ao ex-ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita.

O deputado do Chega disse que até agora o Governo socialista esteve “limitado pelo Bloco de Esquerda, que não gosta de polícias”, mas, daqui para a frente pode adotar medidas que evitem que “o SEF seja transformado numa agência de asilo”.

Na resposta, no entanto, o primeiro-ministro defendeu o projeto de extinção do SEF, “que não foi uma imposição do Bloco de Esquerda e não foi sequer uma ideia inspirada do ex-ministro Eduardo Cabrita”, é uma medida que já constou no programa eleitoral do PS em 2019.

“Essa medida mantém-se no atual programa do Governo e, portanto, é mesmo para cumprir”, acentuou.

António Costa referiu depois que, com a extinção do SEF, se procederá “à transferência das competências policiais do SEF para as outras forças e serviços de segurança”, cabendo o controlo de fronteiras à PSP e GNR.

“As fronteiras não deixam de ser policiadas, mas passam a ser policiadas por duas forças de segurança que têm robustez, capilaridade suficientes para o exercício dessas funções”, argumentou.

No que respeita às competências de investigação criminal do SEF, essas, de acordo com o líder do executivo, “ficarão consolidadas na PJ, que é o órgão superior de polícia criminal especializada na investigação de caráter mais complexo”, como a criminalidade transnacional e organizada.

“Ou seja, o sistema de segurança interna sai robustecido com a atribuição às forças de segurança e da PJ das competências que estavam confiadas ao SEF em matéria de controlo de fronteiras e de investigação criminal”, sustentou.

Em relação às restantes competências do SEF, António Costa reiterou a tese de que serão “internalizadas na Agência Portuguesa para o Asilo e Imigração”.

“Aproveitaremos o conhecimento, a competência e a experiência acumuladas ao longo dos anos pelos funcionários do SEF nas áreas em que têm um saber diferente relativamente às outras forças de segurança e às outras polícias de investigação criminal. Podem constituir uma mais-valia para a nossa administração pública”, acrescentou.