“O que está aqui em causa é que esta gestão feita pelas hidroelétricas espanholas e portuguesas de maximização do lucro e variabilidade dos caudais, que prejudica os ecossistemas, vai contra a Diretiva Quadro da Água que diz que não pode haver uma deterioração adicional do estado das massas de água, e também que deve haver um regime hidrológico — portanto caudais ecológicos — que garantam o bom estado ecológico das águas, e isto está também num documento de orientação da Comissão Europeia”, disse hoje à Lusa Paulo Constantino, porta-voz do proTEJO — Movimento pelo Tejo, à margem de um debate sobre caudais no rio Tejo que decorreu em Abrantes (Santarém).
Segundo o dirigente ambientalista, “a inexistência de caudais ecológicos regulares e a qualidade da água estão intimamente relacionados, situação que vai contra a Diretiva Quadro da Água e que consubstancia a queixa que vamos apresentar à Comissão Europeia por má gestão da água na bacia do Tejo”, a par da denúncia de “projetos nacionais que se virem contra a estratégia europeia para a biodiversidade, e que preveem a construção de açudes e barragens, quando na Europa se quer a remoção de barreiras em 25 mil quilómetros de rios”.
A solução para o problema, defende Paulo Constantino, está em “cumprir os estabelecidos caudais ecológicos regulares no rio Tejo, contínuos e instantâneos, medidos em metros cúbicos por segundo (m3/s), e respeitando a sazonalidade das estações do ano, ou seja, maiores no inverno e outono e menores no verão e primavera, por oposição aos caudais mínimos negociados politicamente e administrativamente há 23 anos na Convenção de Albufeira sem se concretizar o processo de transição para o regime caudais ecológicos que essa mesma Convenção prevê”.
Paulo Constantino afirmou ser “contra a construção de obras hidráulicas desnecessárias à bacia do Tejo com enormes custos para os contribuintes”, que estimou em cerca de cinco mil milhões de euros, tendo apontado a 360 milhões de euros para a nova barragem no rio Ocresa (em estudo pela Agência Portuguesa do Ambiente), 4.500 milhões de euros para o projeto Tejo, que prevê quatro novos açudes e duas novas barragens no rio Tejo (de Abrantes até Lisboa), para fornecer água à agricultura intensiva da Lezíria do Tejo e Oeste, e “100 milhões de euros para o transvase desde o rio Zêzere, no Cabril, até ao rio Tejo, em Belver”.
O ministro do Ambiente e Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, em recente entrevista à parceria entre a TSF e o Dinheiro Vivo — A Vida do Dinheiro, disse que a solução para regularizar os caudais no Tejo no troço entre Belver e Constância não passa pela revisão da Convenção da Albufeira, tendo defendido a ideia de construção de um túnel com 50 quilómetros para transportar água da barragem do Cabril para Belver, num troço que abarca os municípios ribeirinhos de Gavião, Mação, Abrantes, Constância e Vila Nova da Barquinha.
“O ministro do Ambiente e Ação Climática não pode deitar a toalha ao chão na negociação de caudais ecológicos vindos de Espanha e optar pela via mais fácil de gastar os dinheiros públicos dos contribuintes em canais desde o rio Zêzere, no Cabril, até ao rio Tejo, em Belver, e em novas barragens no rio Ocresa”, disse Paulo Constantino, sendo a posição do proTEJO a “defesa de caudais ecológicos integrados nos planos de gestão da região hidrográfica do Tejo e transpostos para a Convenção de Albufeira”.
Muito crítico relativamente ao Projeto Tejo, com um investimento previsto de 4.500 milhões de euros, o movimento ambientalista apresentou uma “alternativa de investimento de apenas 10 milhões de euros na construção de uma Estação de Captação de Água diretamente do rio Tejo na zona da Lezíria do Tejo para uso agrícola, à semelhança da Estação de Captação de Água da EPAL em Valada, no Cartaxo, que tem uma capacidade nominal de captação de 240.000 m³/dia destinados ao consumo humano na área metropolitana de Lisboa”.
No entender do proTEJO, “se forem construídas 50 Estações de Captação de Água com um custo de 500 milhões de euros, ou seja, 1/10 dos 5.000 milhões de euros de obras hidráulicas desnecessárias, seria possível captar anualmente 4.380 hm3 que são quase o dobro do caudal mínimo anual de 2.700 hm3 estabelecido na Convenção de Albufeira”.
A posição do movimento ambientalista foi secundada pelo presidente da Câmara Municipal de Abrantes, tendo Manuel Jorge Valamatos (PS), afirmado à Lusa que, “durante muitos anos” vem alertando para esta questão específica da “problemática dos caudais” do Tejo.
“Há muitos anos que percebo que a gestão do nosso rio Tejo não é feita da melhor forma nem de modo ambiental nem funcional. Enquanto alguns se centravam exclusivamente na poluição eu falava dos caudais”, notou, tendo lembrado a ideia de “elevar o Tejo a Património da Humanidade”, e defendido que, além da importância dos debates e da envolvência popular na defesa de um bem comum, é preciso “passar a concretizar. Não podemos andar o resto da vida a falar, temos é de andar para a frente”, vincou.
Questionado sobre as soluções e projetos para a resolução da irregularidade dos caudais no Tejo, o autarca de Abrantes disse que a ideia de construir um túnel “não parece que seja uma solução viável e até responsável”, tendo apontado a “outras situações” que é preciso olhar, “nomeadamente esta questão de obrigar estas entidades gestoras da atividade hídrica a responder a caudais ecológicos de forma competente e responsável”.
Sobre o projeto de investimento anunciado de 4.500 milhões de euros, com a construção de novos açudes e barragens no rio, Manuel Valamatos disse que o proTEJO “apresentou soluções técnicas alternativas para a captação da água, sobretudo para a agricultura, que “parecem muito viáveis e sustentáveis, com muito menos investimentos (públicos) e mais saudáveis no seu suporte”.
Tendo feito notar que “é preciso olhar” para toda esta problemática “com muito cuidado e atenção”, Manuel Jorge Valamatos defende que a solução para a boa gestão dos caudais passa pela Convenção de Albufeira, documento que regula a gestão ibérica do Tejo.
“Internacionalmente, esta Convenção e esta relação entre Portugal e Espanha tem de merecer um novo entendimento e seguramente tem que haver — andamos desde 1998 para alterar esta Convenção da Albufeira — e acho que é tempo mais que bastante para olharmos para este assunto com muito mais cuidado e inteligência, até porque as coisas do ponto de vista ambiental se foram alterando e obviamente que esta Convenção da Albufeira tem de ser atualizada de forma inteligente”, defendeu.
Presente no debate, o representante dos agricultores da região do Médio Tejo, Luís Damas, vincou a necessidade de armazenar água, “ter um reservatório” para satisfazer as necessidades agrícolas, tendo revelado a sua posição favorável à construção de uma barragem no rio Ocresa ou no Alvito.
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