A comissão eventual de revisão constitucional contou hoje com a ‘estreia’ do ex-líder parlamentar do PSD Paulo Mota Pinto – entrou como suplente em março -, que desejou na sua primeira intervenção “que os trabalhos cheguem a bom porto e não se fiquem só por questões de pormenor” e recebeu uma palavra de saudação do socialista Pedro Delgado Alves “pelos contributos valiosos” que o antigo juiz do Tribunal Constitucional poderá dar nos trabalhos.
PSD e Chega coincidiram na proposta de alteração sobre o princípio constitucional da renovação, que atualmente apenas prevê que a lei possa determinar limites “à renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos políticos executivos”.
“Queremos retirar a palavra ‘executivos’, o que permitiria abarcar designadamente os deputados (…) O que está em causa é uma mera permissão, não uma imposição, quem for contra é porque acha que a Constituição deve impedir essa renovação”, justificou Mota Pinto, considerando que a ideia de que “são sempre os mesmos” afasta pessoas da política.
Com uma proposta exatamente igual – o Chega reivindica que entregou primeiro, o PSD respondeu que a norma já constava em anterior anteprojeto de revisão -, André Ventura insistiu que apenas se pretende “abrir caminho” para que a lei possa estabelecer essa delimitação.
Numa intervenção curta, Isabel Moreira, pelo PS – cujos votos são essenciais, a par dos do PSD, para qualquer alteração por dois terços da Constituição –, disse haver “espaço para alguma reflexão”, mas sem que haja “ainda uma posição definida”.
“Há diferenças entre cargos executivos e eletivos. A título pessoal, a mim não me choca que a Constituição possa permitir que a lei estabeleça limites à renovação sucessiva de mandatos de titulares de cargos políticos, independentemente do que uma maioria parlamentar depois possa decidir”, afirmou.
A deputada socialista manifestou igualmente simpatia quanto à proposta do PAN que pretende incluir nesta norma constitucional regras de representação equilibrada de géneros, mas que o PSD considerou não dever ter acolhimento.
Sem posição fechada sobre as propostas de PSD e Chega, o deputado da IL João Cotrim Figueiredo alertou que, se o parlamento for dificultando “a entrada, a manutenção e a saída” de pessoas na vida política, qualquer dia “não há políticos de qualidade”, posição corroborada por Alma Rivera, do PCP, Catarina Martins, do BE, e Rui Tavares, pelo Livre.
Os deputados discutiram também o artigo sobre o estatuto dos titulares de cargos políticos, que o PSD pretende alterar de forma cirúrgica, acrescentando na Constituição que a lei pode determinar nos crimes de responsabilidade dos políticos “a inelegibilidade para mandatos ou cargos subsequentes”.
Já o Chega pretendia alterar de forma radical o artigo, de forma a impedir que políticos e ex-políticos exercessem, para sempre, cargos em instituições com as quais, enquanto titulares das pastas governamentais, tivessem tido qualquer negociação.
Ventura queria também incluir na Constituição as inelegibilidades de familiares para os diversos cargos políticos, “sendo expressamente proibidas relações familiares de 1° e 2° grau dentro do Governo, do mesmo Grupo Parlamentar na Assembleia da República ou das Assembleias Legislativas Regionais, ou do órgão executivo Local”.
“A confiança na política é desgastada com propostas que usam esta matéria da revisão com intuitos demagógicos e populistas, é esse o caso das propostas do Chega, que depois têm outros problemas de qualidade técnica de formulação”, afirmou Mota Pinto, justificando a rejeição do PSD.
Pelo PS, o coordenador Pedro Delgado Alves disse que o partido está confortável com o atual artigo 117.º, mas fez questão de distinguir entre as propostas do PSD e do Chega, considerando que a dos sociais-democratas “suscita reflexão”, embora questionando a necessidade e utilidade de acrescentar as inelegibilidades.
“Se há coisa que o populismo nos ensina é que é sempre possível fazer pior”, disse, considerando que se a ideia do Chega de consagrar inibições vitalícias já é de “inconstitucionalidade manifesta”, ainda é pior que o partido queira abrir a hipótese de "inibições hereditárias".
Pelo caminho ficará também outra proposta do Chega, que pretendia inverter a atual norma relativa às imunidades dos deputados: atualmente, não podem ser ouvidos como testemunhas ou arguidos sem autorização do parlamento, que só é obrigatória “quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”.
“Nós entendemos que a Assembleia deve autorizar que os deputados sejam ouvidos como declarantes ou arguidos, exceto quando esses factos estejam relacionados com o exercício da função parlamentar, se não pode parecer privilégio injustificado”, justificou Ventura.
“As imunidades parlamentares como estão na Constituição não são privilégios dos deputados, são condições que o legislador considerou necessárias para garantir o mandato livre do deputado”, considerou a deputada do PS Alexandra Leitão, enquanto Márcia Passos, pelo PSD, também recusou mexer numa norma que “visa preservar a dignidade e independência” dos deputados.
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