Trago liberdade no coração e na família, porque para mim, liberdade é a minha avó, a minha avó Liberdade, mãe da minha mãe. É a única pessoa chamada Liberdade que conheço, apesar de saber que havia uma tia Liberdade na família, mas que nunca conheci. A minha avó encarna todas as liberdades que se possa imaginar, personifica-as. Ela diz sempre o que pensa, faz o que pensa e como pensa e tem uma garra inigualável. É uma mulher força, além de uma mulher liberdade, em todos os sentidos. Quando penso na palavra Liberdade vejo o rosto da minha avó e nada poderia ser melhor que isso.
O significado que damos às palavras vai muito além da sua definição no dicionário. Ele cresce com as vivências que lhes associamos ou que estão marcadas no íntimo do nosso ser. E há palavras que, por serem tão grandes, tão cheias, se torna inevitável surgir-nos logo na mente e no coração alguma memória, alguma pessoa, alguma história. A palavra liberdade é daquelas em que acontece este fenómeno. Em cada pessoa e em cada coração ressoam ideias, memórias, sentimentos, caras, músicas, locais... Em cada pessoa surge uma expressão de liberdade, ou de falta dela. Uma expressão concreta e real, vivida, enraizada na pele de quem a guarda.
Para muitos portugueses, liberdade, e ainda mais neste mês, lembra o 25 de abril, a história de Portugal, o fim da ditadura e um país renascido cheio de novas oportunidades. Trazem na pele a memória de tempos duros, sem possibilidade de expressão e de crescimento, sem opinião. Guardam rostos e vozes da rádio que marcaram a revolução. Guardam a imagem dos cravos nas armas dos soldados, o cheiro a liberdade.
Para outros, fechados em prisões, físicas ou metafóricas, liberdade é o sonho, a esperança de saírem dessas grades que os prendem. De poderem ver o mundo com o coração tranquilo, sem amarras, sem medos, livres do seu passado.
Já as mentes mais criativas vêm na liberdade a sua forma de criar e de se expressarem. Surgem nas suas obras de arte as maiores revelações do profundo do seu coração, das suas inspirações, dos seus traços característicos ou dos ritmos que nos tocam no íntimo. Poder saborear a arte que os criativos nos proporcionam com o seu talento e provocação é também em si um ato de liberdade. É um jogo de liberdades que entretém, que inspira, que transforma, que emociona.
Já nos dias que vivemos, neste mundo pandémico que chegou sem convite, liberdade sabe-nos a fruto proibido. Tornou-se palavra habitual no discurso e no coração de cada um, por sentirmos que nos foi de certa forma roubada, ou pelo menos assim parece. Deixámos de poder fazer a nossa vida habitual, de sair à rua só porque sim, de ir visitar a família e os amigos, de ir dar um passeio à praia ou à serra, de ir ao cinema, ao teatro ou a um concerto. Perdemos tudo aquilo que sempre esteve ali, pronto para quando se quisesse usufruir sem medida. Mas temos ganho em liberdade de expressão, na possibilidade de voarmos sem sairmos de casa, de viajar nos livros que andavam a ganhar pó nas prateleiras, de percorrer o passado nas fotografias antigas, naqueles tesourinhos que nos trazem alegria e nostalgia. Não sintamos que a liberdade nos fugiu. Ela está cá. Dá-nos agora jeito a criatividade dos artistas para redescobrir a harmonia e beleza da vida confinada às paredes da nossa casa. É liberdade, apenas vista de outro prisma.
Para cada um a palavra liberdade faz-nos viajar para memórias e situações diferentes. Eu, neste preciso momento, só penso que quando tudo isto acabar, a primeira liberdade que eu vou procurar é a minha avó, que personifica todas as liberdades em si mesma. E poder dizer-lhe Avó Liberdade, tive saudades tuas.
Texto por Ana Sousa. Hoje, dia 25 de abril, publicamos uma seleção dos textos que resultaram da iniciativa lançada pelo SAPO24 e O Primeiro Capítulo, assinados por novos nomes de quem tem na escrita uma forma de expressão.
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