Embora a Constituição da República Portuguesa não utilize o termo ‘laico’, estabelece inequivocamente através da Lei da Liberdade Religiosa, no artigo nº3, que “as igrejas e demais comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto” e, no artigo n.º 4, que “o Estado não adota qualquer religião nem se pronuncia sobre questões religiosas”.

Em entrevista à Lusa, a constitucionalista Isabel Moreira disse que “Portugal é formalmente um Estado laico, mas há uma ordem moral informal, de matriz católica, que ainda influencia decisões políticas e sociais”.

Segundo a deputada socialista, o adiamento das comemorações do 25 de Abril são um exemplo de violação clara da separação entre o Estado e a religião, não compreendendo que “a festa da democracia seja condicionada pela morte de uma figura religiosa”.

O presidente da Comissão para a Liberdade Religiosa (CLR), José Vera Jardim, entrevistado pela Lusa, reconheceu avanços a respeito da laicidade do Estado, como a não inclusão de representantes religiosos na cerimónia de abertura do ano judicial deste ano, porém, admitiu também que subsistem práticas institucionalizadas.

Relativamente a cerimónias religiosas, como a bênção de obras públicas como a que aconteceu em 2023 junto à obra do Plano Geral de Drenagem de Lisboa, o presidente disse que estas cerimónias “não deviam ter lugar” e que se trata de “um problema cultural que se vai resolver”, reconhecendo que “há algumas queixas que têm chegado”.

O funeral do Papa contou com a presença oficial do Presidente da República, do primeiro-ministro e do Presidente da Assembleia da República, algo que não se verificou, por exemplo, quando faleceu o Príncipe Aga Khan, líder da comunidade ismaelita, em que também não foi decretado luto nacional.

Para Jorge Miranda, conhecido como um dos pais da Constituição portuguesa, esta decisão não comprometeu a laicidade do Estado.

Em entrevista, o constitucionalista disse que uma ação destas “não põe em causa a laicidade do Estado, uma vez que o Papa era chefe de Estado. É natural que um Estado homenageie outro Estado”.

José Vera Jardim deu conta que a representatividade social justifica diferenças. “A religião católica tem uma implantação em Portugal que mais nenhuma tem. E, portanto, tem de ser tratada, ou tem direito a ser tratada de uma forma diferente em certos aspetos, embora a sociedade deva caminhar para a igualdade. Mas é evidente que o chefe da Igreja Católica tem um posicionamento, face a Portugal e a outros países católicos, diferente do que tinha o Príncipe Aga Khan”.

Segundo a CLR, mais de 80% da população declara-se católico e isso acabará por refletir-se em aspetos protocolares como, inclusivamente, o calendário nacional, que mantém vários feriados religiosos católicos.

Não obstante, a lei prevê que outras confissões possam solicitar o reconhecimento de dias sagrados para efeitos laborais ou escolares, desde que devidamente fundamentados.

Portugal mantém um acordo — a Concordata de 2004 — que garante à Igreja Católica isenções fiscais, como o IMI e o IVA, e direitos como o ensino da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica nas escolas públicas, acordos que, segundo o presidente da CLR, só não são celebrados com outras religiões se as próprias não quiserem, uma vez que todas são representadas e foram “escolhidas pela sua importância na sociedade portuguesa”.

Acerca do ensino religioso, Isabel Moreira defende que o Estado “não se deve ocupar do ensino da religião nas escolas”, sendo “a única forma de garantir verdadeira igualdade e neutralidade”.

Já Jorge Miranda explica que esta disciplina “não é obrigatória, são os pais que escolhem. É uma forma de ensino como outra qualquer. Se fosse obrigatório, aí sim, seria um problema.”

Segundo um comunicado do Governo, o programa de eventos do 25 de Abril que estavam previstos para a Residência Oficial do Primeiro-Ministro realizar-se-ão na quinta-feira.