Na decisão do recurso interposto pela defesa de Armando Pereira, cofundador do grupo de telecomunicações Altice, o coletivo do TRL afirma que “a fundamentação aduzida no despacho não satisfaz, minimamente, as exigências legais”, decidindo, por isso, “anular o despacho recorrido, que deverá ser substituído por um outro, em ordem a suprir a falta de enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados”.
Em causa está o despacho do juiz de instrução que decretou as medidas de coação no processo Operação Picoas (que investigou negócios do grupo Altice), datado de julho de 2023, e que determinou a prisão domiciliária de Armando Pereira, depois substituída pelo pagamento de uma caução de 10 milhões de euros, que depois de paga, no final de outubro de 2023, permitiu ao arguido movimentar-se em liberdade.
A determinação da substituição do despacho por um novo obriga o processo a regressar ao Tribunal Central de Instrução Criminal, para ser proferida nova decisão, por outro juiz de instrução, uma vez que Carlos Alexandre iniciou entretanto funções como desembargador no TRL.
No acórdão a que a Lusa teve acesso, o coletivo do TRL aponta uma “fundamentação por remissão, por atacado, para a prova dos autos”, afirmando ainda que “importa afastar qualquer equívoco” e que a decisão se apresente “aos olhos do cidadão, efetivamente, como uma decisão pessoal do JIC [juiz de instrução criminal]”.
“Até pode o JIC ter feito a sua avaliação pessoal e crítica das provas e concluir como concluiu. Mas o certo é que tal não resulta, minimamente, do que do despacho recorrido consta e da forma como aí se expressou e fundamentou a tomada de decisão. E, não pode restar sombra de dúvida que a decisão de aplicação de medidas de coação é uma decisão pessoal do JIC, que não se limitou a, acriticamente, deixar-se “arrastar” pelo requerimento do MP [Ministério Público]”, defendem os desembargadores.
O TRL argumenta que “os elementos de prova têm de ser comunicados ao arguido” e que “o arguido tem que os conhecer, sem o que não pode, obviamente, defender-se”, rejeitando a remissão para toda a prova contida nos autos.
“Nem o arguido conhece os elementos do processo que indiciam os factos indiciariamente imputados – apenas tem a noção de que se trata da prova dos autos (…) nem o tribunal de recurso, os conhece e tão pouco, de forma alguma a eles pode ter acesso. Donde o despacho é inequívoca e incontornavelmente nulo por falta do apontado requisito de fundamentação de facto”, lê-se no acórdão.
Neste processo está em causa uma "viciação decisória do grupo Altice em sede de contratação, com práticas lesivas das próprias empresas daquele grupo e da concorrência" que apontam para corrupção privada na forma ativa e passiva e para crimes de fraude fiscal e branqueamento.
Os investigadores suspeitam que, a nível fiscal, o Estado terá sido defraudado numa verba superior a 100 milhões de euros.
A investigação indica também a existência de indícios de “aproveitamento abusivo da taxação reduzida aplicada em sede de IRC na Zona Franca da Madeira” através da domiciliação fiscal fictícia de pessoas e empresas. Entende ainda o MP que terão também sido usadas sociedades ‘offshore’, indiciando os crimes de branqueamento e falsificação.
O MP desencadeou em 13 de julho uma operação com cerca de 90 buscas domiciliárias, que resultou na detenção de Armando Pereira, do seu alegado braço-direito Hernâni Vaz Antunes, Jéssica Antunes (filha do braço direito do cofundador da Altice) e Álvaro Loureiro, administrador de empresas (estes dois últimos arguidos saíram em julho em liberdade, sob caução).
Armando Pereira está indiciado pelo Ministério Público (MP) de 11 crimes, entre os quais seis de corrupção ativa e um de corrupção passiva no setor privado, além de quatro de branqueamento de capitais e crimes não quantificados de falsificação de documentos.
Foram ainda apreendidos documentos e objetos, “tais como viaturas de luxo e modelos exclusivos com um valor estimado de cerca de 20 milhões de euros”.
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