O projeto, da responsabilidade do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), uma organização não-governamental na área do ambiente, foi lançado menos de um ano depois do grande incêndio de agosto de 2018, em maio de 2019 e vai agora no segundo ciclo de reflorestação.
Num investimento anual de 250 mil euros, o objetivo é plantar 75 mil árvores a cada ciclo, numa área de intervenção de 250 hectares, tendo já sido colocadas na terra, até ao momento, 95 mil árvores, na sua maioria medronheiros e sobreiros, mas também amieiros, freixos, castanheiros e carvalhos de Monchique, disse à Lusa o responsável pelo projeto.
É numa colina junto à ribeira de Odelouca, a cerca de dois quilómetros da barragem de onde o pequeno riacho volta a serpentear, que a Lusa encontra uma das equipas que concretiza no terreno o que foi planeado durante cinco meses.
De maio a setembro é promovida uma campanha de comunicação para “angariar proprietários que queiram ver os seus terrenos replantados”, à qual se segue a visita ao terreno para “ver as suas potencialidades”, revela o coordenador do projeto.
Segundo Miguel Jerónimo, o objetivo final do projeto é “criar uma paisagem mais resiliente ao fogo”, usando o sistema de mosaico, que aposta numa mistura de espécies “sem uma monocultura predominante” numa vasta área.
Este é um modelo que se apoia na normal sucessão da paisagem – utilizando espécies autóctones de forma alternada, que se associam e interligam -, baseado no “conhecimento que se foi desenvolvendo e que existe hoje em dia”, explicou.
Numa área “muito fustigada” pelos incêndios – o de 2018 consumiu mais de 27 mil hectares de floresta e foi considerado o maior do ano na Europa – procura-se diminuir a “rapidez da progressão do fogo”, com uma intervenção que o coordenador classifica como uma “conversa tranquila com a natureza”.
A diversidade vegetal é garantida com a plantação de amieiros e freixos nas “zonas de linhas de água”, do castanheiro, junto à Fóia, ou do carvalho de Monchique, “uma espécie emblemática que em Portugal apenas ocorre nesta zona da serra algarvia”, nota o arquiteto paisagista.
“As condições biogeográficas de exceção que existem em Monchique funcionam como um pulmão verde do Algarve, que torna esta área um refúgio climático, não só para a flora e para a fauna, mas também para as atividades humanas que resultam desta paisagem”, destaca.
No combate aos incêndios, Miguel Jerónimo destaca que para que exista verdadeiramente um impacto” é necessário “trabalhar em conjunto”, não estar “cada um a falar sozinho” e “gerar uma economia rural”.
“Antigamente toda a paisagem era gerida e tinha utilidade. Não é voltar aos anos 40 e 50, mas sim investir em agentes no uso de solo, como a produção de medronho e cortiça, que têm o potencial de acrescentar bastante à economia e de criar postos de trabalho. Depois é um bola de neve”, sublinha.
O coordenador do projeto defende que a monocultura do eucalipto “também tem de ter o seu espaço”, mas a área tem de ser “o mais bem ordenada possível” e a sua seleção bem feita “para que gere o menor impacto no mosaico da paisagem”.
Dessa forma, considera ser “compatível” a produção de medronheiro e sobreiro com o turismo de natureza, o turismo rural e a produção de papel, ligada à cultura do eucalipto.
É a três quilómetros a norte da vila de Monchique, junto à aldeia das Corchas, no distrito de Faro, que outra equipa prepara o terreno e numa zona acessível apenas num carro todo-o-terreno, planta sobreiros, azinheiros e medronheiros.
É num momento de pausa que o encarregado da equipa, Guilherme Weishar, descreve à Lusa o seu trabalho como “gratificante” mas “duro”, revelando compreender a razão que levou ao abandono da terra.
“A maior parte da minha geração não tem interesse por este trabalho duro. Somos educados para pensar que este trabalho rural é para uma classe mais baixa e que devemos procurar engenharia e ciências. Recentemente estou a ver um movimento contrário, com cada mais jovens da minha idade a voltarem par ao campo. Está a ser muito bonito de ver”, afirma.
Para o jovem, plantar árvores é “um grande empurrão à sucessão ecológica”, sendo um “bom primeiro passo” na tentativa de uma “restauração do ecossistema”, mas realça que é importante realizar outras intervenções, nomeadamente para “melhorar o ciclo da água” e a sua retenção nos solos.
Ainda mais a norte, na zona da Perna da Negra, junto à fronteira entre o Algarve e o Alentejo onde teve início o grande incêndio que lavrou durante uma semana, Pedro Duarte conta à Lusa que aderiu ao projeto por considerá-lo uma mais valia.
“Manifestei o interesse em participar por não ter qualquer custo e ser uma iniciativa que só traz mais-valias aos produtores, porque é uma boa ajuda, já que vem plantar medronheiros, que é o nós precisamos cada vez mais”, revela o produtor de medronho.
Os medronheiros que tinha já não eram suficientes para as suas necessidades, mas o fogo de 2018 queimou uma parte e a restante ainda demora a voltar a produzir. Assim, via-se obrigado a adquirir medronhos a outros produtores e sujeitar-se “ao aumento da procura” e às leis do mercado.
A plantação feita este ano nos seus seis hectares ainda vai demorar a produzir e o sucesso “não está garantido”, mas Pedro mantém a esperança que “uma boa percentagem” dos arbustos “se vai aguentar” e contribuir para o aumento da produção.
O projeto Renature Monchique é coordenado pelo GEOTA e executado em parceria com a Câmara de Monchique, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, a Região de Turismo do Algarve e a entidade financiadora, a empresa de aviação Ryanair.
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