Segundo os dados disponibilizados à agência Lusa pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), as situações encaminhadas pelo CAPIC aumentaram em todas as faixas etárias, uma subida que em quase dois anos de pandemia ultrapassa os 42%, passando de 7.345 ocorrências em 2019 para 10.474 no ano passado.
Contudo, nas camadas mais jovens (até aos 19 anos) esta subida foi mais acentuada e em dois anos subiu 52,8%, atingindo os 1.518 casos no ano passado (993 em 2019).
No total, as ocorrências que mais cresceram no CAPIC foram os incidentes críticos, como a morte inesperada de um familiar (muitos por causa da covid-19), que mais do que duplicaram desde o início da pandemia, chegando aos 2.276 casos em 2021 (1.099 em 2019).
Em declarações à agência Lusa, a psicóloga Sónia Cunha, responsável pelo CAPIC, confirmou que “com ao escalar e prolongar da pandemia” se tem assistido a “um reforço da sinalização nas camadas mais jovens”.
“Muitas vezes, a família, e mesmo a escola, não identificam os problemas porque são atribuídos à fase que [os jovens] estão a ultrapassar, como a pré-adolescência, a adolescência ou até a idade infantil”, explicou Sónia Cunha, sublinhando a importância de não desvalorizar sintomas e enfrentar o problema.
A responsável lembra que esta circunstância “pode contribuir para a deteção mais tardia” e insiste: “São idades cruciais no desenvolvimento da personalidade e quanto mais aprofundado o problema estiver mais difícil é a sua resolução e o crescimento saudável do pronto de vista mental”.
As manifestações mais frequentes são a dificuldade em regular as emoções, “o que leva a episódios de crise ansiedade e ataques de pânico, mas também manifestações do foro mais afetivo, com sintomas depressivos, isolamento e desesperança”.
“Este tipo de perturbação mais depressiva conduz muitas vezes a comportamentos suicidários e auto-lesivos, o que é ainda mais preocupante”, afirma.
Os dados do INEM apontam para uma subida global de quase 40% nas ocorrências relativas a comportamentos suicidários, com 2.517 casos em 2019 e 3.496 no ano passado.
Dependendo da avaliação do pedido que chega ao CAPIC, que pode vir das famílias ou das escolas, é feita uma avaliação e, nos casos mais graves, em que há risco imediato, “é ativada uma equipa de assistência para o local”.
As situações mais complexas podem exigir o envio de ambulância e da unidade móvel de intervenção psicológica de emergência, que pode atuar no local e/ou acompanhar a pessoa até à unidade de saúde.
Quando não há risco imediato, mas é identificada uma situação que requer resposta na área saúde mental, os especialistas do INEM aconselham a pessoa sobre onde se deve dirigir, fazendo, quando necessário, o contacto com a resposta na comunidade (médico de família ou escola).
“Nalgumas situações fazemos nós próprios esta ativação de rede de suporte e contactamos os centros de saúde e as escolas”, acrescentou.
A psicóloga insiste na necessidade de não desvalorizar sintomas e de validar o que jovens sentem.
A saúde mental "ainda não é algo confortável para se falar, mas não se pode ignorar. O elefante está aqui. O problema existe e em crescendo", insistiu.
Sónia Cunha reconhece que "é mais fácil dizer que é uma fase pela qual estão a passar" e que os profissionais do INEM incentivam sempre a que se dê importância aos sintomas, não desvalorizando e dando espaço para as pessoas falarem sobre estas questões.
"Muitos acham que falar sobre isto pode trazer ideias, mas não. As ideias que existem já lá estão. E quanto mais precocemente elas são faladas melhor é o prognostico. Falar sobre o assunto é uma forma de organizar os pensamentos e de alguém nos ajudar a fazê-lo", explicou.
Profissionais alertam para necessidade de reforço robusto das respostas
Os profissionais do INEM da área da saúde mental defendem um reforço robusto das respostas na comunidade, alertando que os pedidos de ajuda aumentaram sempre após os picos da pandemia e que nesta área não há resultados rápidos.
Os dados do Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (CAPIC) do INEM indicam um aumento superior a 40% de ocorrências desde o início da pandemia, com destaque para os incidentes críticos, que mais do que duplicaram.
“Os nossos dados espelham a resposta de emergência. Importa atuar nas fases anteriores, de prevenção e identificação precoce, evitando chegar aos pedidos de ajuda em crise e em emergência”, alerta a psicóloga Sónia Cunha, responsável pelo CAPIC.
A especialista insiste na necessidade do reforço robusto nas respostas primárias, envolvendo a saúde, a comunidade escolar e as famílias. “Todos têm de estar envolvidos”.
“A nossa resposta surge na fase em que há descompensação, descontrolo. Se já antes nos preocupávamos com este aumento de perturbações nos mais jovens, com sintomas mais depressivos, ansiedade, com ao escalar e prolongar da pandemia temos assistido a um reforço desta sinalização”, reconhece, lembrando que, nesta área, não há resultados rápidos.
Sónia Cunha lembra que “a resposta em saúde mental é continuada”: “Não é algo que se faz como uma sutura e fica resolvido. Por vezes, os próprios e as famílias sentem essa dificuldade, não têm retorno do esforço no imediato. Mas os resultados rápidos em saúde mental não existem”.
A responsável lembra que as idades mais jovens “são cruciais no desenvolvimento da personalidade” e insiste que, em situações de crise, “são sempre os mais vulneráveis e o tecido social mais fragilizado que mais sofre”.
“E atenção que continuamos a viver em pandemia. É uma situação que se tem prolongado. Quanto mais esticamos o elástico mais exige de nós”, sublinha a psicóloga, apontando ainda as assimetrias na resposta na área da saúde mental a nível nacional.
Sobre o CAPIC, refere que os serviços foram reforçados e que agora são 24 psicólogos que trabalham neste centro, depois de um reforço de nove elementos – quatro contratados no âmbito da resposta à pandemia e outros cinco que entraram para os quadros do INEM na sequência de um concurso em 2021.
Atualmente está a decorrer um concurso para o preenchimento de outras seis vagas.
“Ainda assim, continuamos a necessitar de reforçar”, reconhece.
A responsável frisa que “estes dois anos mostraram que nos período pós-picos e pós-confinamento foi quando houve mais manifestações e pedidos de ajuda” e sublinha: “Muitas vezes só depois se percebe o efeito deste extremo da nossa capacidade”.
“Só nos próximos anos, com o retorno a uma futura normalidade, é que vamos perceber as necessidades efetivas. Adivinham-se uns anos exigentes pela frente”, considera.
Comentários