“Esse é o erro de base, ou seja, quem não está inscrito na Ordem não tem qualificações, não tem adequação para exercer aquela atividade. Não podemos partir desse pressuposto que quanto a nós - e respeitamos muito a Ordem dos Advogados, a senhora bastonária e os advogados em geral -, não pode significar a adesão à realidade”, disse hoje o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Jorge Alves Costa, numa conferência de imprensa do Governo sobre a revisão dos estatutos das Ordens profissionais, no âmbito da alteração da lei-quadro que as regula.

Ao lado da ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, que tem liderado o processo de revisão da lei-quadro e estatutos das ordens profissionais dentro do Governo, e do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, que tem, a par do setor da Justiça, enfrentado fortes críticas das Ordens em relação às mudanças propostas pelo executivo, Jorge Alves Costa reiterou, tal como os seus colegas de Governo, por diversas vezes, que “esta reforma não se faz contra as Ordens nem sem as Ordens”.

E defendeu que, no caso dos advogados, abrir a prática de alguns atos jurídicos a licenciados em Direito não inscritos na Ordem dos Advogados, alterando o paradigma vigente de atos próprios exclusivos da advocacia, não representa uma perda de poderes e de competências para a Ordem dos Advogados nem uma desproteção jurídica dos cidadãos.

Para o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, há uma “diferença fundamental” entre ser licenciado em Direito e estar inscrito na Ordem dos Advogados, que traça uma linha no exercício de atividade na área jurídica, com o Governo a defender que “ter passado pela academia”, ou seja, ter a licenciatura em Direito, deve permitir ao profissional licenciado em Direito poder fazer aconselhamento jurídico, elaborar contratos ou cobrança de créditos.

“Qual é que é a atividade fundamental de um advogado e de uma Ordem dos Advogados? O mandato forense, patrocínio judiciário do cidadão nos tribunais. Para lá dessa atividade principal, que é a essência da advocacia, temos depois a consulta jurídica, temos a elaboração de contratos, temos eventualmente a cobrança de créditos. Não há em lado nenhum da proposta de lei algo que diga: o advogado agora vai deixar de poder praticar o mandato forense, fazer consulta jurídica, elaborar contratos ou fazer cobrança de créditos”, disse.

Só se a lei impedisse os advogados de exercer essas competências “é que se poderia dizer [que um advogado] perdeu competências ou perdeu atribuições”, defendeu Jorge Alves Costa, acrescentando que a proposta do Governo veio “criar melhores condições para os jovens poderem aceder a determinadas atividades que até agora estavam circunscritas a advogados e a solicitadores e agentes de execução”.

“Não há aqui falha nenhuma, do nosso ponto de vista, naturalmente, nem há nenhuma perda de poderes ou de atribuições da Ordem dos Advogados porque vai continuar a poder fazer todas estas atividades que já hoje faz”, disse o governante.

Sobre as críticas à entrada de elementos externos às profissões nos conselhos de supervisão das Ordens, Jorge Alves Costa recusou críticas de tentativa de governamentalização destes órgãos, sublinhando que “não há qualquer intenção de interferir na atividade das Ordens” e que esses elementos externos “não têm qualquer conexão” nem representam o Governo.

Acrescentou que a existência de elementos externos nestes órgãos, vindos “do mundo real”, já é uma realidade nos conselhos superiores da magistratura, onde representam uma “abertura de horizontes” para estes profissionais, e onde a sua entrada não representou qualquer problema ao nível do sigilo profissional, como receiam, por exemplo, os advogados, reiterando que esses membros externos estão também sujeitos ao dever de sigilo nas funções que exerçam.

Ana Catarina Mendes, por seu lado, defendeu a importância da reforma, lembrando que fazia parte das recomendações de reformas no país desde a ‘troika’ e que é também o cumprimento do programa do Governo, tendo por objetivos principais o combate à precariedade, facilitar o acesso às profissões e ao mercado de trabalho dos jovens licenciados e eliminar barreiras, como as socioeconómicas.

A ministra sublinhou que os estágios nas Ordens passam a ser obrigatoriamente remunerados – com um valor mínimo de 950 euros, atualmente, que correspondente ao valor do salário mínimo nacional acrescido de 25%, o que classificou como “uma questão de decência”, pretendendo-se ainda eliminar provas de acesso às ordens ou restringi-las.

Outro objetivo da reforma passa por “melhorar a transparência no funcionamento das Ordens”, o que Ana Catarina Mendes rejeitou ser uma tentativa de controlo político destes organismos, afirmando que não se trata de “uma retirada de poder às Ordens”, mas sim de regulação do mercado de trabalho.

A ministra disse ainda que o texto final de revisão dos estatutos das Ordens profissionais segue para o parlamento, onde o debate na especialidade levará a novas audições destas entidades pelos deputados.

Na quinta-feira, o Governo aprovou o diploma que altera os estatutos de 12 ordens profissionais, incluindo a dos Médicos e a dos Advogados, adaptando-os ao estipulado no regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, e concluindo o processo de revisão de estatutos que já tinha iniciado com a proposta de alteração para as oito ordens restantes das 20 existentes.

A lei-quadro que altera o regime jurídico das associações públicas profissionais foi publicada em Diário da República em 28 de março, depois de ter sido aprovada em votação final global no parlamento em dezembro, após uma intensa contestação das respetivas ordens.

Depois da fixação da redação final, o decreto-lei seguiu para o Palácio de Belém, em 27 de janeiro, tendo sido no início de fevereiro enviado pelo Presidente da República para o Tribunal Constitucional (TC), para fiscalização preventiva, tendo o TC decidido pela sua constitucionalidade.